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segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Resenha nº 132 - Fantasmas na Biblioteca, de Jacques Bonnet


Resultado de imagem para livro fantasmas na bibliotecaTítulo original: Des Bibliothèques Pleines de Fantômes
Título em português: Fantasmas na Biblioteca
Autor: Jacques Bonnet
Tradutor: Jorge Coli
Editora: Civilização Brasileira
Edição: 1ª
Copyright: 2008
ISBN: 978-85-200-1000-6
Páginas: 160
Origem: França
Bibliografia do autor (incompleta): Lorenzo Lotto, 1197; À l’enseigne de l’amitié, 2003; De la coïncidence des opposés et autres variations sur les contraires, 2005 ; Femmes au bain, le voyeurisme dans la peinture occidentale, 2006 ; Des bibliothèques pleines de fantômes (Fantasmas na Biblioteca), 2008 ; Quelques historiettes ou petit éloge de l’anecdote en littérature, 2010 ; Comment regarder Degas, 2012 ; Eugêne Atget, un photographe si discret, 2014 ; La femme entre les deux âges ou Misère du viellard amoreux (A mulher entre as dus idades ou Miséria do velho apaixonado), 2017.

Para quem gosta, de fato, de ler, é uma agradável experiência quando se consegue ter um bom livro que fala sobre livros – nossa paixão nada secreta. Afinal, isto nos dá uma sensação de pertencimento a uma confraria não oficial e sem localização exata no mundo, a Confraria dos Leitores. Normalmente, somos vistos, ainda mais nestes tempos do onipresente smartphone como seres estranhos, quase temíveis – umas vezes, como seres antiquados, outras vezes, talvez, como componentes de alguma Teoria da Conspiração livresca. E, quando encontramos este Fantasmas na Biblioteca, de Jacques Bonnet, numa livraria virtual, por apenas R$ 15,90 (incluído aí o frete), não conseguimos resistir. Sabemos, o preço baixo assim é porque é parte de um saldão, não é livro que se venda tão fácil. Por essas, salve a internet!

Difícil encontrar dados biográficos deste autor, em sítios brasileiros ou portugueses. Desta forma, tomei a meu encargo traduzir esta breve biografia, encontrada em francês com a mesma dificuldade. Jacques Bonnet nasceu em 1949, na França. Trabalhou por trinta anos como editor, principalmente na editora Flammarion (de 1985 a 1986). Atuou como professor em várias universidades francesas e estrangeiras e no Institut Politique de Paris. Publicou regularmente na seção Livres du Monde (Livros do Mundo), entre 1982 e 1985, e no jornal L’Express (1989-1994). Trabalhou por um tempo no Centro Georges Pompidou, em Paris, assumiu a função de redator-chefe do Cahiers du Syndicat de la Librairie; co-dirigiu um dossiê no famoso jornal satírico francês Canard Enchaîné. Desde 2005, Jacques Bonnet trabalha como tradutor de inglês e de italiano.
Fantasmas na Biblioteca não é um livro de ficção. Entretanto, para o leitor que ama livros, é um prato apetitoso. Lá no sítio do Grupo Editorial Record, encontramos a seguinte informação que nos ajuda a posicionar este autor diante de nossa paixão:
“Jacques Bonnet é bibliófilo, editor e tradutor. Francês, é uma autoridade quando se trata de livros raros. Ao lado de José Mindlin, Umberto Eco e Alberto Manguel, é considerado um dos maiores especialistas em bibliofilia e teoria da literatura.”
Alberto Manguel, de vez em quando, visita este meu blogue: já resenhei dele A Biblioteca À Noite e, recentemente, O Leitor Como Metáfora. O livro em questão segue a mesma linha. É dividido em nove capítulos, 1) Dezenas de milhares de livros; 2) Bibliomanias; 3) Arrumar e classificar; 4) Práticas de leitura; 5) De onde vêm?; 6) Ler as imagens; 7) Personagens reais e personagens fictícios; 8) O mundo ao seu alcance; 9) Fantasmas de bibliotecas.
A leitura é bastante tranquila, embora a quantidade de referências bibliográficas no corpo do texto enfade um leitor mais exigente. É que este tanto de inserções torna o texto mais lento, com a ressalva de que não estamos tratando aqui de um livro ficcional. É mesmo meio difícil de se definir o gênero da obra; talvez, possamos chamá-lo de ensaio misturado com história. Bonnet tem uma biblioteca particular de mais de vinte mil volumes.
Você viu aí em cima o termo “bibliófilo”. Ele designa aquele que tem amor pelos livros; amante ou colecionador de livros raros ou de boas edições. Já o vocábulo “bibliomaníaco” se refere aos fanáticos pelos livros, coleciona livros sem os ler, com a “paixão cega e indomável do avarento”. Há gradações ainda mais complicadas, que não cabe aqui, por não se tratar de um estudo aprofundado das filias e manias.
Fantasmas na Biblioteca, subtítulo A arte de viver entre livros, se inicia da seguinte maneira:
“No dia 1º de setembro de 1932 apareceu no jornal português O Século o anúncio de uma vaga de conservador-bibliotecário a ser preenchida no museu Condes de Castro Guimarães, em Cascais, pequena cidade litorânea a 30 quilômetros de Lisboa. No dia 16 de setembro, Fernando Pessoa mandou uma carta de candidatura àquele município. O documento de seis páginas está reproduzido na obra de Maria José de Lencastre, Fernando Pessoa, uma fotobiografia, coeditada em 1861 pela Imprensa Nacional/Casa da Moeda e o Centro de Estudos Pessoanos, que comprei por 500 escudos em uma livraria de Coimbra no mês de novembro de 1983. Havia lá apenas um exemplar.” (página 11)
O primeiro capítulo vai nos falar da absoluta necessidade que têm os bibliófilos de encher prateleira e mais prateleiras de livros:
“Além disso, há os acasos que me fizeram exercer certo número de profissões do livro. Há um gosto pelas séries completas (por autor, assunto, coleção, época, país, etc.). A grande dificuldade em me separar de um livro (quem sabe se, no futuro, não terei necessidade de uma que, na hora, achei medíocre). Em todo caso, a escolha do que se deve guardar ou rejeitar requer uma energia que eu sempre economizei (com algumas exceções, é claro). E enfim a necessidade de ter à disposição todos os livros, depois todas as pinturas, músicas, filmes, como elemento de liberdade interior.” (página 23)
O capítulo dois vai adentrar a entranhada questão das bibliomanias – estamos no campo dos TOC’s, Transtornos Obsessivos-compulsivos – citando a biblioteca da abadia beneditina em O Nome da Rosa, de Umberto Eco (preciso reler este livro ótimo!), a do Auto de fé, de Elias Canetti, os 12 mil volumes “definitivos” constantes da biblioteca do Nautilus, do capitão Nemo, personagem da obra As Vinte Mil Léguas Submarinas (também preciso reler este). Ou, então, os bibliomaníacos que são todos os personagens do livro A Casa de Papel, de Carlos María Dominguez.
Bonnet cita textualmente as palavras do narrador de A Casa de Papel:
“Sempre me perguntei por que guardo livros que só me poderão ser úteis num futuro distante, títulos distantes de meus percursos mais costumeiros, lidos apenas uma vez e cujas páginas não abrirei tão cedo, talvez mesmo jamais. Mas como me desfazer, por exemplo, de O chamado da selva sem destruir uma das raras peças constitutivas de minha infância, de Zorba, O grego, que selou minha adolescência com lágrimas, de A 25ª hora, e de tantos outros, relegados há muito tempo às prateleiras mais altas, inteiros porém, e muda na fidelidade sagrada que lhes devotamos.” (página 34)
O capítulo três vai discorrer a respeito das dificuldades de organização de uma biblioteca. Talvez o leitor não tenha atinado ainda para isso (possivelmente, você não tem uma biblioteca gigantesca em casa), mas quando o número de livros se conta aos milhares, a dificuldade de catalogá-los de uma maneira racional é imensa. Se esta catalogação não for objetiva, o leitor simplesmente não encontra o volume desejado. E o pior, todas as categorizações falham no quesito precisão.
O quarto capítulo aborda as práticas da leitura:
“Mas você tem um método de leitura rápida?” Sim, é claro, e um só: faz cinquenta anos que passo grande parte do meu tempo lendo todo tipo de oba, em todo tipo de circunstância, para todos os fins. Como para qualquer atividade que se tornou familiar (manual, artística ou esportiva), ela oferece necessariamente uma relação algo especial com o objeto em questão, no caso, a coisa impressa (“Anos de trabalho são necessários antes que os mecanismos cerebrais da leitura, bem lubrificados, se deixem enfim esquecer” – Stanislas Dehaene). O importante não é ler depressa, mas ler cada livro com a velocidade que ele merece. É tão prejudicial passar tempo demais com alguns quanto ler outros rapidamente demais. Há livros que se dão a conhecer pelo folhear; outros que apreendemos somente depois da segunda ou terceira leitura; outros ainda que serão lidos a vida inteira com proveito.” (páginas 60/61)
De onde vêm? é o título do quinto capítulo. Eles nos vêm pela capa bonita que nos chamou a atenção, um título misterioso (acho Por quem os sinos dobram, de Ernest Hemingway um dos títulos mais bem bolados), etc. e quando gostamos mesmo de um autor, procuramos outros livros dele, às vezes desesperadamente, pois tais exemplares estão esgotados. Bonnet cita, por exemplo, o caso de Hamsun (escritor com o livro Fome já resenhado aqui neste blogue); leu , que
“me levou primeiro a ler todos os livros de Hamsun publicados em francês, o que não era fácil, pois a maioria estava esgotada na época. (Levei anos para conseguir Auguste, le Marin – Augusto, o Marinheiro), o último que me faltava ler; foi na Biblioteca Nacional, onde as obras solicitadas para o meu trabalho tardavam a chegar, e nunca esquecerei a emoção que me invadiu quando peguei enfim o livro, procurado havia anos, trazido por um carrinho na sala Labrouste: eu ia enfim saber saber o que tinha acontecido com a imprevisível Edwarda!” (página 75)
O depoimento se fecha com uma emocionada e poética passagem (não podia ser diferente):
“Os livros de minha biblioteca são como as casas antigas, carregadas da presença dos homens e das mulheres que lá viveram no passado, com seus quinhões de alegrias e sofrimentos, de amores e aversões, de surpresas e decepções, de esperanças e resignações. Pensando bem, eu só vivi em casas velhas...” (página 156)
Fantasmas na Biblioteca é livro para bibliófilos, bibliomaníacos e assemelhados. Para mim, claramente um destes estranhos seres extraterrestres, um prazer. Gostei de seguir Jacques Bonnet em seu périplo livresco; amei me sentir membro de uma quase silenciosa confraria misteriosa, a dos amantes dos livros. Isto é importante, pois eu, como todos, não gosto de ser sozinho no mundo.
Para quem ame livros, mas ame de verdade, super indico esta obra; para quem nem tanto os ame, também indico, com a licença de pular as páginas que lhe pareçam mais maçantes. Só para tentar entender este universo paralelo, vale a pena.
A seguir, antes de terminar, extraí um teste da Revista Estante, para você verificar se se enquadra na categoria de bibliófilo, citando os devidos créditos. Quem não gosta de fazer tais testes? Nem que seja por curiosidade. E, pelas treze caracterizações, descobri que não sou um bibliófilo. Será?! É, talvez seja por que eu não queira admitir...

  1. Andas sempre, sempre, com um livro. Nunca se sabe quando irás ter uns minutos – ou uns segundos – para leres mais uma página, um parágrafo ou duas linhas
  2. A tua carteira fica mais leve sempre que passas por uma livraria. Não consegues resistir ao chamamento de um bom livro, mesmo que já tenhas esgotado o teu orçamento (e que ainda seja apenas dia 2).
  3. Os teus amigos sabem sempre o que vão receber de presente. Mas já desistiram de te oferecer livros, porque o mais provável é que já os tenhas lido. Em contrapartida, passaram a oferecer-te marcadores.
  4. Sabes que a adaptação de um livro ao cinema nunca fará justiça ao original. Por mais que tentes manter a mente aberta, à frase “o livro era mil vezes melhor” segue-se uma lista de todas as incoerências e falhas encontradas no filme.
  5. Achas que qualquer sítio é bom para ler. Os 10 segundos de uma viagem de elevador, a fila do supermercado, as escadas rolantes do metro ou mesmo enquanto andas pela rua. E andar de transportes públicos não se justifica só por razões ambientais.
  6. Estás a terminar um livro e já sabes o que vais ler a seguir. Na verdade, a tua lista to read tem livros suficientes para vários anos de leitura.
  7. Em casa nunca tens prateleiras suficientes. As tuas prateleiras têm sempre duas filas de livros e há mais empilhados nas outras divisões da casa, incluindo a casa de banho.
  8. És viciado no cheiro a papel e a tinta. Enterrar o nariz entre as páginas de um livro é tão natural como ler a badana.
  9. És a pessoa a quem os amigos telefonam quando querem saber o que ler a seguir. Isto quando não ligas aos amigos a avisar que têm mesmo de ler aquele livro.
  10. Já perdeste a conta às horas não dormidas. Porque precisas mesmo de ler só mais aquele capítulo. Mas, quando te apercebes, estás a terminar o livro. E já é manhã.
  11. Arrastas a leitura nas últimas páginas de cada livro. Porque não te queres separar dos novos amigos e sentes-te órfão de cada vez que acabas mais um livro.
  12. Quando fazes as malas para ires de férias, transportas mais livros do que roupa. E escolhes os destinos de acordo com as livrarias que queres conhecer.
  13. A tua melhor companhia numa esplanada, ao almoço, na praia ou no jardim é um livro. E irritas-te quando aparece um amigo ou conhecido a interromper-te a leitura.

(http://www.revistaestante.fnac.pt/13-sinais-mostram-es-um-bibliofilo/)

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