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Título original: The Written World: The Power of Stories to Shape People,
History Civilization
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Autor : Martin Puchner
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Tradutor : Pedro Maia Soares
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Editora : Companhia das Letras
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Edição : 1ª
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Copyright : 2017
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ISBN : 978-85-359-3222-5
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Origem : Estados Unidos
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Gênero : História e crítica da
literatura
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1. Preliminares ares
Um livro para
apaixonados por livros. “Sapiens para fanáticos por livros”, na apreciação do
Bookseller. Antes de tudo, é um prazer ler textos bem escritos, como este. O
livro estava na minha prateleira há algum tempo (comprei-o em junho de 1919);
havia uma fila de livros para ler e desobedeci à minha própria fila. Uma viagem
pelo mundo da escrita, trazendo a história dela desde as primeiras
manifestações até os dias de hoje. A literatura ganhou uma bela biografia.
Martin Puchner é
professor de literatura comparada na Universidade de Harvard, na qual obteve o
título de Ph.D e é organizador da Norton Anthology of World of Literature.
Seu trabalho de crítico literário concentra-se no modernismo. Segundo ele,
estamos passando por uma revolução no mundo da escrita ainda maior do que
aquela do século XX.
2. O
Livro:
O Mundo da
Escrita é um livro interessantíssimo, de não ficção; trabalho de fôlego, em
456 folhas. Entretanto, em uma obra que pretende traçar a evolução e a
influência da escrita – e por tabela – os textos em qualquer suporte sobre os
valores da humanidade, em menos de quinhentas páginas, forçosamente, algo se
perde. Deduz-se, facilmente, tratar-se de uma panorâmica muito bem-vinda.
“Às vezes tento
imaginar o mundo sem literatura. Eu sentiria falta dos livros nos aviões.
Livrarias e bibliotecas teriam espaço de sobra nas estantes (e as minhas não
estariam transbordando). A indústria editorial não existiria como a conhecemos,
nem a Amazon, e não haveria nada em minha mesa de cabeceira quando não consigo
dormir à noite.” (página 9, O nascer da Terra)
Páginas adiante,
Puchner nos diz que o primeiro texto lido no espaço fora da Terra, a bordo da
Apollo 8, foi a gênese bíblica. Um texto fundador. E ele nos ensina:
“Foi apenas quando a
narração cruzou com a escrita que a literatura nasceu. Antes, o relato de
histórias existia em culturas orais, com diferentes regras e objetivos. Mas,
depois que a narração se ligou à escrita, a literatura despontou como uma força
nova. Tudo o que se seguiu, toda a história da literatura, começou com esse
momento de intersecção, o que significava que, para contar a história da
literatura, eu teria de tratar tanto da narrativa quanto da evolução das
tecnologias criativas, como o alfabeto, o papel, o livro e a impressão.”
(página 18)
Martin Puchner
divide a grande história da literatura em quatro etapas, a saber:
1)
Primeira etapa:
“A
etapa inicial foi a dos pequenos grupos de escribas que dominaram sozinhos os
primeiros e difíceis sistemas de escrita e, portanto, controlavam os textos que
compilavam de contadores de histórias, como a Epopeia de Gilgamesh,
a Bíblia hebraica e a Ilíada e a Odisseia de Homero.”
(página 19)
2)
Segunda etapa:
“À
medida que cresceu sua influência, esses textos fundamentais foram contestados,
numa segunda etapa, por professores carismáticos como Buda, Sócrates e Jesus,
que denunciaram a influência de sacerdotes e escribas e cujos seguidores
desenvolveram novos estilos de escrita.” (página 19)
3)
Terceira etapa:
“Numa
terceira etapa da literatura, começaram a surgir autores individuais,
auxiliados por inovações que facilitaram o acesso à escrita. Embora esses autores
imitassem textos mais antigos, escritores mais ousados, como a sra. Murasaki no
Japão e Cervantes na Espanha, logo criaram novos tipos de literatura, sobretudo
romances.” (página 19)
4)
Quarta etapa:
“Por
fim, numa quarta etapa, o uso generalizado do papel e da imprensa deu início à
era da produção em massa e da alfabetização em massa, com jornais e folhetos,
bem como a novos textos, como a Autobiografia de Benjamin Franklin ou O
Manifesto do Partido Comunista.” (página 19)
Alexandre, O Grande,
é apontado por Puchner como um grande bibliômano: consta que o grande macedônio
sempre levava consigo, para a cama ao dormir, seu punhal e uma caixa, com o
manuscrito da Ilíada, de Homero. Alexandre se espelhava nos relatos
homéricos e tanto ele era realmente um bibliômano que ao fundar a cidade de
Alexandria, no Egito, tratou de mandar construir uma biblioteca que se tornou
famosa e perpetuou seu nome – a Biblioteca de Alexandria.
A cópia da Ilíada
utilizada por Alexandre continha anotações do seu professor, Aristóteles.
Não será possível,
no espaço exíguo de uma resenha, resumir todos os passos importantes nesta
história da literatura. Assim, sigamos adiante e vamos chegar à Epopeia de
Gilgamesh:
“Graças a
Assurbanípal, a Epopeia de Gilgamesh foi copiada muitas vezes e levada
para longe, até o Líbano e a Judeia, a Pérsia e o Egito, como forma de
assegurar território e assimilar culturas estrangeiras. Desse modo, a escrita
passou a ser uma ferramenta para construir um império não somente por seus
efeitos na administração e na economia, mas também em virtude da literatura. O
ato de escrever, a vida urbana centralizada, os impérios territoriais e as
histórias escritas eram aliados estreitos e assim permaneceriam por milhares de
anos. Assurbanípal tanto percebeu a importância estratégica de ter um texto
fundamental, como tomou Gilgamesh por modelo de suas conquistas, adotando seu
título: Reis Poderosos, Sem Rivais.” (página 68)
Prosseguindo – estou
arrolando somente as passagens mais importantes – chegamos à narrativa dos evangelhos:
“Concentrando-se na
humilhação e morte do mestre, eles criaram um tipo incomum de herói, um rebelde
que era também vítima. Não era como se supunha que um herói devia ser
representado, mas os escritores perceberam que parte da estranha atração exercida
por Jesus era que ele viera como um homem comum. Eles descreveram a humilhação
de seu mestre porque eles, e seus leitores, podiam se identificar com ela.”
(página 113)
Aos chineses devemos
a existência do papel, como todos sabemos, mas a surpresa é que devemos também
a da imprensa; o primeiro documento de que se tem notícia, impresso em papel, é
o Sutra do Diamante – um texto do budismo – cuja cópia encontra-se bem
guardada na Inglaterra. Ele havia sido impresso por um sistema de tipos de
madeira, demorado e trabalhoso, o mesmo princípio do carimbo.
A proximidade da
China e do Japão, não só geograficamente, como também pelos seus sistemas de
representação escrita – ambos não utilizam alfabeto fonético, mas ideogramas –
fez com que textos fossem intercambiados, o que se convencionou chamar escrita
dos pincéis. E o trabalho que mais se aproxima da forma narrativa de um
romance é Romance de Genji, escrito por certa Murasaki Shikibu, em 1000
d.C.
Esta obra, de acordo
com Puchner, é riquíssima em referências à cultura, modo de vida e costumes da
nobreza chinesa.
Um salto no tempo e
aterrissamos na Pérsia – suposta origem das Mil e Uma Noites. Nesta
obra, Sherazade usa de sua astúcia narrativa para entreter o rei e adiar sua
morte. Como o sultão havia prometido, após a noite de núpcias ele mataria cada
uma de suas esposas, como vingança por ter sido traído por uma delas. A
inteligência com que Sherazade entretece suas histórias acaba fazendo o sultão
se apaixonar por ela e poupar-lhe a vida.
Mil e Uma Noites
traz uma narrativa em moldura. Por este nome entende-se a construção que se
utiliza de histórias fechadas em si, mas que deixam “ganchos” para uma outra
história a ser contada em outro momento. Eu diria, pela semelhança, quase como
nossas modernas telenovelas.
Nesta nossa viagem,
chegamos finalmente aos anos 1440. Gutenberg dá maior amplitude à utilização da
prensa com tipos móveis. A seu favor, havia o alfabeto latino, de base
fonética, muito mais simples de imprimir que os ideogramas chineses:
“Com a Bíblia,
Gutenberg tocava no texto mais reverenciado e sagrado de todos. Teria de
demonstrar que suas máquinas podiam produzir um livro tão nítido, preciso,
correto e elegante com aqueles elaborados pelos escribas mais bem treinados,
que costumavam ser monges que haviam dedicado a vida a esse propósito. Seu
escriba, Peter Schöffer, criara o modelo para letras novas e mais elegantes. E
Gutenberg planejava imprimir em duas cores, acrescentando um vermelho-rubi, à
maneira de muito calígrafos que copiavam a Bíblia em duas cores diferentes – a
Bíblia mecânica pareceria ter sido escrita à mão.” (página 192)
É reservado um papel
proeminente a Martinho Lutero e sua decisão de fazer publicar panfletos em
larga escala, propagandeando sua reforma da igreja. Além disso, ele fez
publicar a Bíblia em língua nacional; ela havia sido publicada, tanto em
manuscritos quanto nas edições impressas, na língua litúrgica por excelência: o
latim.
“A Bíblia de Lutero
tornou-se o protótipo de outras traduções da Bíblia. Muitas passaram a
enfrentar a censura da Igreja, o que acabou por dar origem ao infame índex de
obras proibidas, por meio do qual a Igreja procurou controlar a impressão.
Evidentemente, o índex também foi impresso, e quase ao mesmo tempo instalou-se
a primeira impressora no Vaticano.” (página 294)
Puchner nos diz que
a invenção do livro se deu em duas frentes, independentes entre si: uma na
Eurásia e outra, entre os maias da América Central:
“Para criar livros,
os maias inventaram uma superfície de escrita apropriada. Na Eurásia, demorara
mais de mil anos para que o papel chinês chegasse ao Oriente Próximo, e muitas
centenas de anos para que desembarcasse na Espanha, justo a tempo de os
espanhóis levarem seus livros de papel para o Novo Mundo. O equivalente maia
baseava-se em empapar casca de árvore numa solução de limão, depois bater para
transformar em folhas e então colar várias delas.” (página 215)
O Popol Vuh
torna-se, então, o livro fundador da cultura maia. Nele, há o mito da criação,
“a criação do céu-terra, como o universo é chamado, a partir da matéria
informe”. Como nos diz apropriadamente Martin Puchner, “a história da
literatura é a história da queima de livros” e este também foi o destino da
literatura maia, considerada bárbara demais pelos espanhóis colonizadores.
E então, chegamos ao
ano de 1605 – ano da impressão de outra referência literária – o Dom Quixote,
de Cervantes:
“Um amplo sortimento
de papel foi importante para Dom Quixote, já que a demanda pelo livro
superou rapidamente as expectativas. Desde que a Igreja Católica havia
despertado para o poder da impressão, cada livro precisava obter uma licença.
Por sorte Dom Quixote recebeu aprovação no outono de 1605, permitindo
que o editor Francisco Robles e o impressor Juan de la Cuesta produzissem uma
primeira edição, que se esgotou com velocidade gratificante.” (página 241)
Outros passos dessa
deliciosa história da escrita são dados pelo nosso autor de O Mundo da
Escrita, mas precisamos abreviar esta já extensa manifestação escrita.
Diremos que Benjamin Franklin, tão importante para a história da fundação dos
Estados Unidos faz parte da história da escrita, de vez que ele importou
impressoras da Europa e fez publicar jornais no país nascente, que se tornaram
uma verdadeira febre de leitura.
Importante também
foi o escritor alemão Goethe, com sua busca de uma literatura universal.
Atuando como divulgador de obras alheias, o famoso autor de Os sofrimentos
do jovem Werther contribuiu poderosamente para este conceito de literatura
universal; mais livros passaram a ser publicados, vindos de culturas as mais
variadas. Outra importante contribuição para esta longa história foi O
manifesto do partido comunista, de Marx e Engels. Texto que inaugura o
gênero textual manifesto, foi amplamente impresso e distribuído, alcançando os
quatro cantos do mundo, sendo lido e cultuado por Lênin, Ho Chi Min, Mao e
Fidel Castro.
Mas a poeta russa
Anna Akhmátova e o escritor Alexander Soljenítsin inauguram um novo momento, o
dos escritores produzindo contra o estado constituído. Pouco conhecida no
Brasil, Akhmátova foi chamada de a Safo russa (alusão à produção erótica da
poeta Safo, na ilha grega de Lesbos); Soljenítsin, mais conhecido, é autor de
uma obra-referência da literatura de resistência, O arquipélago Gulag.
A Epopeia de
Sundiata é texto fundador da África Ocidental (onde estão hoje o Mali e a
Guiné), contando a história da fundação do Império Mali, ou Império dos
Mandingas), no final da Idade Média. Tem, para aquela parte da África, a
importância da Epopeia de Gilgamesh para a Suméria.
Puchner enceta a
última etapa de sua história da escrita. Informa-nos ter chegado ao século XXI,
adentrando o Pottermore.com, sítio oficial de Harry Potter:
“Me senti um pouco
consolado quando o site decidiu me atribuir uma varinha de louro de 36
centímetros com um núcleo de pelo de unicórnio. Ao contrário da hiena, o
unicórnio era uma criatura mágica elegante – fiquei feliz por estar associado a
ele."
"Terminada a penosa iniciação,
decidi que estava pronto para a experiência completa de Hogwarts e iniciei um
programa intensivo de ler e assistir as histórias de Harry Potter. Demorou
cerca de um mês, e terminei um pouco sonolento e com meus ouvidos ressoando o
modo como Severus Snape, o mestre de minha casa, dizia “Harry P’otter”, um
desdenhoso P explodindo num perverso O.” (páginas 373/374)
Uma curiosidade, J.
K. Rowling, autora inglesa de Harry Potter, escreveu outro livro, Os contos
de Beedle, em tiragem limitadíssima (apenas 7 exemplares), todos escritos à
mão, invertendo o processo de impressão, destinados a serem leiloados pela
famosa casa Sotheby’s. A importância de Rowling nesta história? Ela revisitou o
conceito de literatura universal de Goethe. Seu livro vendeu milhões ao redor
do mundo todo e realmente é uma obra que formou novos leitores.
Para terminar esta
resenha, Martin nos lembra que, para a nova revolução nas tecnologias de
escrita se deve a duas coisas. Primeiro, a viagem do homem à lua, através da
Apollo 8. Foi necessário desenvolver computadores capazes de lidar com cálculos
complexos e gestão da viagem. Segundo, a invenção da Arpanet, precursora
da atual Internet.
“Os computadores
pessoais e as redes de informática mudaram tudo, desde o modo como a literatura
é escrita ao modo como é distribuída e lida. É como se o papel, o livro e a
impressão tivessem surgido todos ao mesmo tempo.” (página 376)
Você é, leitor
amigo, como eu, maluco por livros? Então, valerá a pena ler este ótimo O
Mundo da Escrita, do competente Martin Puchner. Se não e, claro, se houver
curiosidade e paciência suficiente de sua parte, valerá ter adquirido algum
conhecimento a mais sobre este importante suporte de conhecimento, prazer e
informação.
Resta ainda
comentar: em que medida este livro pode ser comparado ao Sapiens – Uma Breve
História da Humanidade, de Yuval Noah Harari? Harari aponta a importância
da criação da narrativa para o desenvolvimento da humanidade; a partir dela, o
homem cria cultura, desenvolve o raciocínio e ganha uma ferramenta para
preservar sua vida. Para Puchner, ao criar a escrita, os livros e, de quebra, a
literatura, o homem embarca numa aventura sem precedentes.