Um blogue de quem gosta de ler, para quem gosta de ler.

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Resenha nº 168 - A Morte de Ivan Ilitch, de Liev Tolstói

Adicionar legenda


Título original: Smiert Ivana Ilitcha

Autor: Liev Tólstoi

Tradutor: Irineu Franco Perpétuo

Copyright: 2016

Editora: Folha de São Paulo

Coleção: Grandes Nomes da Literatura

ISBN: 978-85-7949-273-0

Edição: 1ª

Gênero Literário: Novela

Origem: Literatura russa




Primeiras Impressões: 

Tema pesado. Uma novela sobre a morte de alguém chamado Ivan Ílitch. Quem gosta de ler dificilmente não terá ouvido falar deste livro do escritor russo Liev Tólstoi, o mesmo autor de pelo menos outros dois calhamaços-referência da literatura mundial: Anna Kariênina e o épico Guerra e Paz. Este é pequeno, mas como é denso! E o spoiler vem logo de cara, pois já de saída sabemos que o protagonista desta novela morre. Portanto, não é importante saber que ele morre, mas como morre. Ou, quem é este tal, que morre? Novela exemplar, em que tudo funciona a serviço da intencionalidade do texto. Não há mais nada a dizer... 

Pequena Biografia: 

Liev Tólstoi é um dos grandes escritores russos. E a Rússia os tem variados: Turguêniev, Gógol, Dostoiévski, Anton Tchékhov, Alexander Soljenítsin, Púshkin, Anna Akhmátova – para ficar só nos clássicos. 

Nosso Tólstoi nasceu em 09/09/1828, numa localidade chamada Iasnaia Poliana, perto da cidade de Tula, no Império Russo. Faleceu em 20/11/1910, Astapovo, ainda sob o mesmo Império. Seu nome é grafado em português de diversas formas: Leão, Leon, Lev, além do Liev Tólstoi. 

Originário de uma família aristocrática, nem por isso sua vida foi menos interessante. Durante a década de 1870, Tólstoi passou por uma profunda crise moral, depois da qual veio uma espécie de despertar espiritual. O Sermão da Montanha, texto constante dos evangelhos, reproduzindo as palavras de Jesus ecoou fundo em sua alma, como consta do seu trabalho não ficcional, A Confissão (1882). Tornou-se um anarquista cristão, defendendo a ideia de resistência através da não violência – ideia fortemente influenciadora de personalidades como Wittigenstein e Ghandi. 

Liev teve uma passagem pelo exército, participando da guerra da Criméia – experiência depois utilizada na composição do monumental Guerra e Paz. Aliás, diga-se a respeito desta obra, ela foi influenciada por outro grande escritor, desta vez francês, Victor Hugo. 

O Livro: 

“No grande edifício da Justiça, no intervalo da audiência do caso dos Melvínski, os membros do tribunal e o promotor entraram no gabinete de Ivan Iegórovitch Chébek, e a conversa discorreu a respeito do caso Krássov. Fiódor Vassílievitch exaltou-se ao demonstrar que não era da competência da corte, Ivan Iegórovitch permaneceu com sua opinião, e Piotr Ivánovitch, que não participava da discussão desde o início, não intervinha, folheando o recém-recebido Boletim. 
— Senhores! – disse. – Ivan Ilitch morreu. 
— É mesmo? 
— Está aqui, leia – disse Fiódor Vassílievitch, entregando-lhe a edição fresca, que ainda recendia: ‘É com pesar no coração que Praskóvia Fiódorovna Goloviná comunica a parentes e conhecidos o falecimento de seu amado esposo, o membro da Câmara de Justiça Ivan Ilitch Golovin, ocorrido em 4 de fevereiro do ano corrente de 1882. O cortejo sai na sexta-feira, à uma da tarde” (página 6) 

Assim começa esta excelente novela. Observe o leitor que em poucas linhas, já temos informações importantes para a compreensão da história. O Ivan Ilitch do título era detentor de cargo jurídico – pessoa com alguma proeminência na sociedade russa – e morreu de repente. 

A partir daí, Tólstoi vai nos falar um pouco da personalidade do protagonista, da sua relação com a esposa, família, amigos. Bem cedo na narrativa, entretanto, vamos notando que algo na vida de Ivan Ilitch não vai bem. A certa altura, o narrador nos comunica: 

“A satisfação de Ivan Ilitch eram os pequenos jantares, para os quais chamava damas e cavalheiros de boa situação social, e esse jeito de passar o tempo com eles parecia-se com o jeito habitual de passar o tempo dessas pessoas, assim como sua sala de visitas se parecia com todas as salas de visitas.” (página 31) 

Então é isso: o personagem principal da história vive uma vidinha de conveniências, de aparências sociais, de repetição de padrões. Para complicar as coisas, examinemos outros dois trechos curtos: 

“Praskóvia Fiódorovna atribuía-se grande mérito por sua resignação. Ao decidir que o marido tinha um caráter difícil e fazia de sua vida uma desgraça, passou a ter pena de si mesma. Quanto mais pena tinha de si, mais odiava o marido. Passou a desejar que ele morresse, mas não podia desejar isso porque, daí, não haveria vencimentos. Isso a deixava com ainda mais raiva. Achava-se terrivelmente infeliz justamente porque nem a morte dele poderia salvá-la; ficava com raiva, ocultava-a, e essa ocultação fazia a raiva ficar ainda mais forte.” (página 34) 

E este outro trecho, da relação entre marido e mulher: 

“Ela abanou a cabeça e se sentou. 
— Sabe, Jean, penso se não é o caso de chamar Leschetítski aqui em casa. 
Isso significava chamar um médico famoso e não poupar dinheiro. Ele deu um sorriso venenoso e disse: “Não”. Ela ficou sentada, achegou-se e o beijou na testa. 
Odiava-a com todas as forças da alma enquanto era beijado, e fez um esforço para não afastá-la. 
— Adeus. Se Deus quiser, você vai dormir. 
— Sim.” (página 45) 
O tradutor, em nota à página 42, nos explica que “A aristocracia russa falava francês entre si. Jean, aqui, é a forma afrancesada de Ivan”. 

Esta relação tóxica – como se diz hoje em dia, com bastante propriedade – segue-se até o fim da novela. 

Somente uma pessoa tem consideração com Ivan, naquela casa. Quando seu mal piora (nunca é dito qual o diagnóstico, somente se diz que é uma dor abdominal, no lado do corpo, que progressivamente vai piorando), é Guerássim, o empregado da casa, quem lhe dá assistência: 

“Guerássim foi; com os braços fortes, e a mesma leveza de passos, abraçou-o, ergue-o de forma suave e hábil, sustentou-o, puxou as pantalonas com a outra mão e quis assentá-lo. Ivan Ilitch, porém, pediu para ser colocado no sofá. Sem esforço, e como se não apertasse, Guerássim amparou-o, quase carregando, e o acomodou no sofá.” (página 53) 
Premido pela iminência da morte, Ivan Ilitch pensa na vida. Reavalia-a. desespera-se com o vazio de significado de sua existência, na qual não cultivara nada de mais profundo: 

“Piotr saiu. Sozinho, Ivan Ilitch passou a gemer não tanto de dor, por mais terrível que ela fosse, mas de angústia. “Tudo é igual, sempre igual, esses dias e noites sem fim. Que seja rápida. Que quem seja rápida? A morte, as trevas. Não, não. Tudo é melhor do que a morte!” (página 58) 
Então, no cômputo geral, temos uma sociedade inteiramente decadente. As pessoas não se importam umas com as outras; quando um ocupante de cargo proeminente morre, seus subalternos discutem sobre quem será o herdeiro da cadeira. Uma sociedade artificial, afetada (fala francês porque era considerada a língua da cultura, de toda a gente polida, educada). Uma corte corrupta e distante das necessidades do povo de que deveria cuidar; a revolução comunista, na Rússia, se deu em 1917. As condições para que tal acontecesse já vinham de muito longe: uma nobreza autocentrada, promovendo apenas o que julgava ser bom para si; por todo lado a fome, a pobreza. 

Fácil seria para um líder que viesse do povo, com carisma suficiente para convencer seus iguais de que, se lutassem, haveria uma chance de mudar as coisas a seu favor, levá-lo à revolução. O rastilho se espalhava pela Europa inteira, com as ideias de Marx e, depois, de Engels. Na Rússia, porém, as condições explosivas levaram à sublevação popular e ao assassinato da última dinastia czarista, a dos Nicolaus. Somente Anastácia, uma das filhas do casal real, teria escapado e vivido em Paris. Isto é já outra história. 

sábado, 31 de outubro de 2020

Resenha nº 167 - Sem Trama e Sem Final, de Anton Tchékhov


Título do original (italiano): Senza trama e senza finale

Autor: Anton Pávlovitch Tchékhov

Tradutor: Homero Freitas de Andrade

Editora: Martins Fontes

Edição: 2ª

Copyright: 2002

ISBN: 978-85-8063-371-9

Seleção e prefácio: Piero Brunello

Origem: Rússia

Gênero textual: carta



1.      Preliminares

Há algum tempo venho namorando este pequeno volume – ele tem 112 páginas – pois, vez ou outra, em sítios de orientação para escrita de textos criativos, sua leitura é aconselhada. Bom, a autoria é de ninguém menos do que o mestre dos contos, Anton Tchékhov. São 99 conselhos, orientações para outros escritores, por meio de cartas. Tchékhov foi um grande missivista. Foi feita uma seleção de passagens, em que tais orientações apareceram. Simplesmente imperdível, mesmo para quem não deseja escrever. As observações do mestre são sempre bem-vindas.

2.      Breve biografia

Anton Pávlovitch Tchékhov nasceu em 17/01/1860, em Taganrog, no Império Russo. Foi médico, dramaturgo e contista. Autor de quatro clássicos da dramaturgia mundial, que são: A Gaivota, Tio Vânia, As Três Irmãs e O Jardim das Cerejeiras. A representação de tais peças oferecem dificuldades aos atores, nem sempre aceitas de bom grado. Ao invés da convencionalidade do texto dramático, Tchékhov os dotou de “vida submersa no texto”.

Conforme consta, o grande Liev Tolstoi execrava seu trabalho dramatúrgico: “sabe, não consigo tolerar Shakespeare, mas suas peças são ainda piores”, teria dito ele. Não obstante, Tolstoi admirava o trabalho de Anton com os contos.

Nosso autor começou a escrever simplesmente por imposição financeira. Mas, pouco a pouco, interessou-se pela literatura e transformou-se numa referência importante do gênero conto. Até então, os contos estavam vinculados a uma mensagem moral.

Defendendo a ideia de que cabia ao autor fazer perguntas e não fornecer respostas, ele foi um inovador. Utilizou largamente a técnica narrativa do fluxo de consciência, mais tarde utilizada também por nomes de peso como James Joyce e outros modernistas (técnica também muito utilizada em Mrs. Dalloway, de Virginia Wolf).

Anton Tchékhov morreu em 15/07/1904, em Badenweiller, Império Alemão.

3.      O Livro

Como já se disse, este Sem Trama e Sem Final não é um livro escrito pelo autor russo. É um compilado de trechos de cartas, nos quais ele tece comentários a respeito do trabalho de outros autores, orientações a escritores, num total de 99 passagens selecionadas e organizadas por títulos.

O libreto se divide em um prefácio de Piero Brunello (muito bom, aconselho a leitura dele), “Questões Gerais”, que se subdivide em Por que escrever, Para quem escrever, O que e como escrever e Quando e quanto escrever. A outra divisão recebe o nome de “Questões Particulares”, subdividida em Veracidade, Descrições, Personagens, Sentimentos, O que evitar, A sociedade literária e Últimas coisas.

Esta é uma resenha difícil de se fazer. Terei, para isto, de realizar uma seleção da seleção, de acordo com meu particular senso. Lá na página 37, por exemplo, chamou-me a atenção um trecho de carta a Aleksandr Tchékhov, datada de 20/02/1883:

“Basta apenas ser mais honesto: livrar-se de si mesmo onde quer que seja, não se colocar nos protagonistas do seu romance, renunciar a si próprio nem que seja por meia hora. Tens um conto em que, durante todo o almoço, um jovem casal se beija, desmancha-se em lamúrias, chove no molhado... Nem uma palavra sensata, só blandícia! Não escreveste para o leitor... Escreveste porque esse lero-lero te dá prazer. Ora, descrevesses o almoço, como comiam, o que comiam, como era a cozinheira, quão vulgar era o teu protagonista, satisfeito com sua felicidade pachorrenta, quão vulgar era tua heroína, ridícula em seu amor por esse pilantra bem cevado, empanturrado, de guardanapo no pescoço... Todos gostam de ver pessoas bem nutridas, satisfeitas – isso é verdade; mas para descrevê-las não basta dizer o que elas conversavam e quantas vezes se beijaram... É preciso algo mais: renunciar à impressão pessoal que a felicidade melosa causa nas pessoas não exacerbadas... A subjetividade é uma coisa terrível. Já é ruim só pelo fato de desmascarar o pobre autor da cabeça aos pés.”

Anton Tchékhov era conhecido por não ter uma definição política, coisa que imprime em seus trabalhos, conforme seu depoimento, em carta a Dmítri Grigoróvitch (09/10/1888):

“Ainda não tenho do mundo uma concepção política, religiosa e filosófica: mudo-a todo mês, e por isso devo limitar-me somente à descrição de como os meus protagonistas amam, casam-se, procriam, morrem e de como falam.” (página 63)

Amigo de outro grande escritor russo contemporâneo seu, Máxim Gorki (autor do romance A Mãe), Anton lhe dá sua opinião a respeito de um dos trabalhos do romancista:

“Você pergunta qual a minha opinião sobre seus contos. Qual a opinião? Talento indiscutível e, ainda por cima, autêntico, um grande talento. No conto “Na Estepe”, por exemplo, ele se manifestou com uma força extraordinária, e cheguei a sentir inveja por não ter sido eu a escrevê-lo. Você é um artista, um homem inteligente. Sente à perfeição. É um plástico, ou seja, ao representar um objeto, você o vê e o apalpa com as mãos. Isso é arte autêntica.” (páginas 65/66)

Os contos tchekhovianos carecem de um final impactante, como o queria Edgar Allan Poe – outro importante teórico deste gênero literário tão difícil. Prevalece neles a psicologia dos personagens, como evidenciado pelo conselho dado a Aleksandr Tchékhov (10/05/1886):

“Na esfera da psique também são os detalhes que contam. Deus nos livre dos lugares-comuns! O melhor de tudo é evitar descrever o estado de espírito das personagens; deve-se fazer com que ele seja apreendido a partir de suas ações...” (página 68)

Sob o título Chorar sem que o leitor perceba”, nos vem um conselho absolutamente primordial para um conto – gênero curto por excelência – em que tudo deve ser conciso e servir a um objetivo:

“Sim, escrevi-lhe certa vez que se deve ficar indiferente ao escrever contos que despertam a compaixão. E você não me entendeu. Pode-se chorar ou gemer em cima de um conto, pode-se sofrer junto com as próprias personagens, mas, creio eu, deve-se fazer isso de um jeito que o leitor não perceba. Quanto maior a objetividade, mais forte será a impressão. É isso o que estava querendo dizer.” (página 79)

Claro está, leitor, que adorei o livro todo. Mas, sob o título “O escritor é um simples mortal” está uma das passagens que aplaudo de pé; a transcrição é um pouco longa, mas você me fará o favor de me perdoar:

“Você me escreve que os escritores são seres eleitos. Não vou discutir. Chtcheglov chama-me o Potiómkin da literatura, por isso mesmo não me cabe falar do caminho espinhoso, das decepções, e assim por diante. Não tenho ideia se alguma vez sofri mais do sofrem os sapateiros, os matemáticos ou os maquinistas dos trens; não tenho ideia de quem profetiza através dos meus lábios, se Deus ou qualquer outro de menor valor. Eu me permitirei tão somente constatar uma pequena contrariedade que sinto, a qual, por sua experiência, você também deve conhecer. Eis do que se trata. Eu e você amamos as pessoas comuns, mas somos amados por verem em nós pessoas fora do comum. A mim, por exemplo, vivem me convidando e, aonde quer que eu vá, oferecem-me comida e bebida, como a um general num casório; minha irmã se queixa de que a convidam para todo o canto por ser irmã de um escritor. Ninguém deseja amar em nós pessoas comuns. Em decorrência disso, se ama nhã aparecermos diante dos olhos de nossos bons amigos como simples mortais, deixarão de nos amar e passarão a sentir pena de nós. E isso é péssimo. É péssimo também que amem em nós o que nós mesmos muitas vezes não amamos nem apreciamos.” (página 97)

Por que valeria a pena ler um livro, cheio de recortes de cartas, com conselhos de escrita? Talvez não valesse nada, se o autor não soubesse do que fala. Mas este é Anton Tchékhov, alguém que tem o que dizer. Um gênio do conto, reconhecido entre seus pares. Autor de clássicos, dentro daquela definição de clássico que tanto prezo:

Clássico é aquele livro que, tendo a dizer muito à sua época, tem também muito a dizer a qualquer época. Um abraço! 

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Resenha nº 166 - O Mundo da Escrita, de Martin Puchner



Título original: The Written World: The Power of Stories to Shape People, History Civilization

Autor : Martin Puchner

Tradutor : Pedro Maia Soares

Editora : Companhia das Letras

Edição : 1ª

Copyright : 2017

ISBN : 978-85-359-3222-5

Origem : Estados Unidos

Gênero : História e crítica da literatura

1.  Preliminares   ares

Um livro para apaixonados por livros. “Sapiens para fanáticos por livros”, na apreciação do Bookseller. Antes de tudo, é um prazer ler textos bem escritos, como este. O livro estava na minha prateleira há algum tempo (comprei-o em junho de 1919); havia uma fila de livros para ler e desobedeci à minha própria fila. Uma viagem pelo mundo da escrita, trazendo a história dela desde as primeiras manifestações até os dias de hoje. A literatura ganhou uma bela biografia.

Martin Puchner é professor de literatura comparada na Universidade de Harvard, na qual obteve o título de Ph.D e é organizador da Norton Anthology of World of Literature. Seu trabalho de crítico literário concentra-se no modernismo. Segundo ele, estamos passando por uma revolução no mundo da escrita ainda maior do que aquela do século XX.

2.      O Livro:

O Mundo da Escrita é um livro interessantíssimo, de não ficção; trabalho de fôlego, em 456 folhas. Entretanto, em uma obra que pretende traçar a evolução e a influência da escrita – e por tabela – os textos em qualquer suporte sobre os valores da humanidade, em menos de quinhentas páginas, forçosamente, algo se perde. Deduz-se, facilmente, tratar-se de uma panorâmica muito bem-vinda.

“Às vezes tento imaginar o mundo sem literatura. Eu sentiria falta dos livros nos aviões. Livrarias e bibliotecas teriam espaço de sobra nas estantes (e as minhas não estariam transbordando). A indústria editorial não existiria como a conhecemos, nem a Amazon, e não haveria nada em minha mesa de cabeceira quando não consigo dormir à noite.” (página 9, O nascer da Terra)

Páginas adiante, Puchner nos diz que o primeiro texto lido no espaço fora da Terra, a bordo da Apollo 8, foi a gênese bíblica. Um texto fundador. E ele nos ensina:

“Foi apenas quando a narração cruzou com a escrita que a literatura nasceu. Antes, o relato de histórias existia em culturas orais, com diferentes regras e objetivos. Mas, depois que a narração se ligou à escrita, a literatura despontou como uma força nova. Tudo o que se seguiu, toda a história da literatura, começou com esse momento de intersecção, o que significava que, para contar a história da literatura, eu teria de tratar tanto da narrativa quanto da evolução das tecnologias criativas, como o alfabeto, o papel, o livro e a impressão.” (página 18)

Martin Puchner divide a grande história da literatura em quatro etapas, a saber:

1)      Primeira etapa:

“A etapa inicial foi a dos pequenos grupos de escribas que dominaram sozinhos os primeiros e difíceis sistemas de escrita e, portanto, controlavam os textos que compilavam de contadores de histórias, como a Epopeia de Gilgamesh, a Bíblia hebraica e a Ilíada e a Odisseia de Homero.” (página 19)

2)      Segunda etapa:

“À medida que cresceu sua influência, esses textos fundamentais foram contestados, numa segunda etapa, por professores carismáticos como Buda, Sócrates e Jesus, que denunciaram a influência de sacerdotes e escribas e cujos seguidores desenvolveram novos estilos de escrita.” (página 19)

3)      Terceira etapa:

“Numa terceira etapa da literatura, começaram a surgir autores individuais, auxiliados por inovações que facilitaram o acesso à escrita. Embora esses autores imitassem textos mais antigos, escritores mais ousados, como a sra. Murasaki no Japão e Cervantes na Espanha, logo criaram novos tipos de literatura, sobretudo romances.” (página 19)

4)      Quarta etapa:

“Por fim, numa quarta etapa, o uso generalizado do papel e da imprensa deu início à era da produção em massa e da alfabetização em massa, com jornais e folhetos, bem como a novos textos, como a Autobiografia de Benjamin Franklin ou O Manifesto do Partido Comunista.” (página 19)

Alexandre, O Grande, é apontado por Puchner como um grande bibliômano: consta que o grande macedônio sempre levava consigo, para a cama ao dormir, seu punhal e uma caixa, com o manuscrito da Ilíada, de Homero. Alexandre se espelhava nos relatos homéricos e tanto ele era realmente um bibliômano que ao fundar a cidade de Alexandria, no Egito, tratou de mandar construir uma biblioteca que se tornou famosa e perpetuou seu nome – a Biblioteca de Alexandria.

A cópia da Ilíada utilizada por Alexandre continha anotações do seu professor, Aristóteles.

Não será possível, no espaço exíguo de uma resenha, resumir todos os passos importantes nesta história da literatura. Assim, sigamos adiante e vamos chegar à Epopeia de Gilgamesh:

“Graças a Assurbanípal, a Epopeia de Gilgamesh foi copiada muitas vezes e levada para longe, até o Líbano e a Judeia, a Pérsia e o Egito, como forma de assegurar território e assimilar culturas estrangeiras. Desse modo, a escrita passou a ser uma ferramenta para construir um império não somente por seus efeitos na administração e na economia, mas também em virtude da literatura. O ato de escrever, a vida urbana centralizada, os impérios territoriais e as histórias escritas eram aliados estreitos e assim permaneceriam por milhares de anos. Assurbanípal tanto percebeu a importância estratégica de ter um texto fundamental, como tomou Gilgamesh por modelo de suas conquistas, adotando seu título: Reis Poderosos, Sem Rivais.” (página 68)

Prosseguindo – estou arrolando somente as passagens mais importantes – chegamos à narrativa dos evangelhos:

“Concentrando-se na humilhação e morte do mestre, eles criaram um tipo incomum de herói, um rebelde que era também vítima. Não era como se supunha que um herói devia ser representado, mas os escritores perceberam que parte da estranha atração exercida por Jesus era que ele viera como um homem comum. Eles descreveram a humilhação de seu mestre porque eles, e seus leitores, podiam se identificar com ela.” (página 113)

Aos chineses devemos a existência do papel, como todos sabemos, mas a surpresa é que devemos também a da imprensa; o primeiro documento de que se tem notícia, impresso em papel, é o Sutra do Diamante – um texto do budismo – cuja cópia encontra-se bem guardada na Inglaterra. Ele havia sido impresso por um sistema de tipos de madeira, demorado e trabalhoso, o mesmo princípio do carimbo.

A proximidade da China e do Japão, não só geograficamente, como também pelos seus sistemas de representação escrita – ambos não utilizam alfabeto fonético, mas ideogramas – fez com que textos fossem intercambiados, o que se convencionou chamar escrita dos pincéis. E o trabalho que mais se aproxima da forma narrativa de um romance é Romance de Genji, escrito por certa Murasaki Shikibu, em 1000 d.C.

Esta obra, de acordo com Puchner, é riquíssima em referências à cultura, modo de vida e costumes da nobreza chinesa.

Um salto no tempo e aterrissamos na Pérsia – suposta origem das Mil e Uma Noites. Nesta obra, Sherazade usa de sua astúcia narrativa para entreter o rei e adiar sua morte. Como o sultão havia prometido, após a noite de núpcias ele mataria cada uma de suas esposas, como vingança por ter sido traído por uma delas. A inteligência com que Sherazade entretece suas histórias acaba fazendo o sultão se apaixonar por ela e poupar-lhe a vida.

Mil e Uma Noites traz uma narrativa em moldura. Por este nome entende-se a construção que se utiliza de histórias fechadas em si, mas que deixam “ganchos” para uma outra história a ser contada em outro momento. Eu diria, pela semelhança, quase como nossas modernas telenovelas.

Nesta nossa viagem, chegamos finalmente aos anos 1440. Gutenberg dá maior amplitude à utilização da prensa com tipos móveis. A seu favor, havia o alfabeto latino, de base fonética, muito mais simples de imprimir que os ideogramas chineses:

“Com a Bíblia, Gutenberg tocava no texto mais reverenciado e sagrado de todos. Teria de demonstrar que suas máquinas podiam produzir um livro tão nítido, preciso, correto e elegante com aqueles elaborados pelos escribas mais bem treinados, que costumavam ser monges que haviam dedicado a vida a esse propósito. Seu escriba, Peter Schöffer, criara o modelo para letras novas e mais elegantes. E Gutenberg planejava imprimir em duas cores, acrescentando um vermelho-rubi, à maneira de muito calígrafos que copiavam a Bíblia em duas cores diferentes – a Bíblia mecânica pareceria ter sido escrita à mão.” (página 192)

É reservado um papel proeminente a Martinho Lutero e sua decisão de fazer publicar panfletos em larga escala, propagandeando sua reforma da igreja. Além disso, ele fez publicar a Bíblia em língua nacional; ela havia sido publicada, tanto em manuscritos quanto nas edições impressas, na língua litúrgica por excelência: o latim.

“A Bíblia de Lutero tornou-se o protótipo de outras traduções da Bíblia. Muitas passaram a enfrentar a censura da Igreja, o que acabou por dar origem ao infame índex de obras proibidas, por meio do qual a Igreja procurou controlar a impressão. Evidentemente, o índex também foi impresso, e quase ao mesmo tempo instalou-se a primeira impressora no Vaticano.” (página 294)

Puchner nos diz que a invenção do livro se deu em duas frentes, independentes entre si: uma na Eurásia e outra, entre os maias da América Central:

“Para criar livros, os maias inventaram uma superfície de escrita apropriada. Na Eurásia, demorara mais de mil anos para que o papel chinês chegasse ao Oriente Próximo, e muitas centenas de anos para que desembarcasse na Espanha, justo a tempo de os espanhóis levarem seus livros de papel para o Novo Mundo. O equivalente maia baseava-se em empapar casca de árvore numa solução de limão, depois bater para transformar em folhas e então colar várias delas.” (página 215)

O Popol Vuh torna-se, então, o livro fundador da cultura maia. Nele, há o mito da criação, “a criação do céu-terra, como o universo é chamado, a partir da matéria informe”. Como nos diz apropriadamente Martin Puchner, “a história da literatura é a história da queima de livros” e este também foi o destino da literatura maia, considerada bárbara demais pelos espanhóis colonizadores.

E então, chegamos ao ano de 1605 – ano da impressão de outra referência literária – o Dom Quixote, de Cervantes:

“Um amplo sortimento de papel foi importante para Dom Quixote, já que a demanda pelo livro superou rapidamente as expectativas. Desde que a Igreja Católica havia despertado para o poder da impressão, cada livro precisava obter uma licença. Por sorte Dom Quixote recebeu aprovação no outono de 1605, permitindo que o editor Francisco Robles e o impressor Juan de la Cuesta produzissem uma primeira edição, que se esgotou com velocidade gratificante.” (página 241)

Outros passos dessa deliciosa história da escrita são dados pelo nosso autor de O Mundo da Escrita, mas precisamos abreviar esta já extensa manifestação escrita. Diremos que Benjamin Franklin, tão importante para a história da fundação dos Estados Unidos faz parte da história da escrita, de vez que ele importou impressoras da Europa e fez publicar jornais no país nascente, que se tornaram uma verdadeira febre de leitura.

Importante também foi o escritor alemão Goethe, com sua busca de uma literatura universal. Atuando como divulgador de obras alheias, o famoso autor de Os sofrimentos do jovem Werther contribuiu poderosamente para este conceito de literatura universal; mais livros passaram a ser publicados, vindos de culturas as mais variadas. Outra importante contribuição para esta longa história foi O manifesto do partido comunista, de Marx e Engels. Texto que inaugura o gênero textual manifesto, foi amplamente impresso e distribuído, alcançando os quatro cantos do mundo, sendo lido e cultuado por Lênin, Ho Chi Min, Mao e Fidel Castro.

Mas a poeta russa Anna Akhmátova e o escritor Alexander Soljenítsin inauguram um novo momento, o dos escritores produzindo contra o estado constituído. Pouco conhecida no Brasil, Akhmátova foi chamada de a Safo russa (alusão à produção erótica da poeta Safo, na ilha grega de Lesbos); Soljenítsin, mais conhecido, é autor de uma obra-referência da literatura de resistência, O arquipélago Gulag.

A Epopeia de Sundiata é texto fundador da África Ocidental (onde estão hoje o Mali e a Guiné), contando a história da fundação do Império Mali, ou Império dos Mandingas), no final da Idade Média. Tem, para aquela parte da África, a importância da Epopeia de Gilgamesh para a Suméria.

Puchner enceta a última etapa de sua história da escrita. Informa-nos ter chegado ao século XXI, adentrando o Pottermore.com, sítio oficial de Harry Potter:

“Me senti um pouco consolado quando o site decidiu me atribuir uma varinha de louro de 36 centímetros com um núcleo de pelo de unicórnio. Ao contrário da hiena, o unicórnio era uma criatura mágica elegante – fiquei feliz por estar associado a ele." 

"Terminada a penosa iniciação, decidi que estava pronto para a experiência completa de Hogwarts e iniciei um programa intensivo de ler e assistir as histórias de Harry Potter. Demorou cerca de um mês, e terminei um pouco sonolento e com meus ouvidos ressoando o modo como Severus Snape, o mestre de minha casa, dizia “Harry P’otter”, um desdenhoso P explodindo num perverso O.” (páginas 373/374)

Uma curiosidade, J. K. Rowling, autora inglesa de Harry Potter, escreveu outro livro, Os contos de Beedle, em tiragem limitadíssima (apenas 7 exemplares), todos escritos à mão, invertendo o processo de impressão, destinados a serem leiloados pela famosa casa Sotheby’s. A importância de Rowling nesta história? Ela revisitou o conceito de literatura universal de Goethe. Seu livro vendeu milhões ao redor do mundo todo e realmente é uma obra que formou novos leitores.

Para terminar esta resenha, Martin nos lembra que, para a nova revolução nas tecnologias de escrita se deve a duas coisas. Primeiro, a viagem do homem à lua, através da Apollo 8. Foi necessário desenvolver computadores capazes de lidar com cálculos complexos e gestão da viagem. Segundo, a invenção da Arpanet, precursora da atual Internet.

“Os computadores pessoais e as redes de informática mudaram tudo, desde o modo como a literatura é escrita ao modo como é distribuída e lida. É como se o papel, o livro e a impressão tivessem surgido todos ao mesmo tempo.” (página 376)

Você é, leitor amigo, como eu, maluco por livros? Então, valerá a pena ler este ótimo O Mundo da Escrita, do competente Martin Puchner. Se não e, claro, se houver curiosidade e paciência suficiente de sua parte, valerá ter adquirido algum conhecimento a mais sobre este importante suporte de conhecimento, prazer e informação.

Resta ainda comentar: em que medida este livro pode ser comparado ao Sapiens – Uma Breve História da Humanidade, de Yuval Noah Harari? Harari aponta a importância da criação da narrativa para o desenvolvimento da humanidade; a partir dela, o homem cria cultura, desenvolve o raciocínio e ganha uma ferramenta para preservar sua vida. Para Puchner, ao criar a escrita, os livros e, de quebra, a literatura, o homem embarca numa aventura sem precedentes.


segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Resenha nº 165 - Assassinatos na Rua Morgue e Outras Histórias, de Edgar Allan Poe


ASSASSINATOS NA RUA MORGUE E OUTRAS HISTÓRIAS - 9788579492808 - Livros na  Amazon BrasilTítulo original: Murders In The Rue Morgue And Other Stories
Autor : Edgar Allan Poe
Tradutor : William Lagos
Edição : 1ª
Copyright : 2016
ISBN : 11-978-7949-280-8
Coleção : Coleção Folha Grandes Nomes da Literatura
Origem: Literatura Americana



Impressões ao ler:

Conhecia, de Poe, o impressionante poema O Corvo (há várias versões para o português, mas a minha preferida é a de Machado de Assis), um ou outro conto. Não posso dizer que Edgar Allan Poe seja meu escritor preferido, acho-o mórbido demais em alguns textos e não sou leitor assíduo de romances policiais – gênero literário do qual ele é considerado pai. Assim, compreenderá o leitor a curiosidade sobre minha própria reação ao tomar este apequenado volume para ler. Desfilam aqui O demônio da perversidade, Hop-frog e os oito orangotangos acorrentados, Os fatos que envolveram o caso de Mr. Valdemar, O gato preto, Nunca aposte sua cabeça com o Diabo e Assassinatos na Rua Morgue. Apesar do que tenho em contrário a Poe, achei-o genial; ele sabe criar uma atmosfera instigante como poucos o sabem. O outro gênero que Poe frequenta, as histórias de terror, também não me agrada. Mas, os textos têm seus mistérios e gostei bastante do conto O gato preto e de O demônio da perversidade. Inclusive, este segundo trabalho citado aqui me lembrou, de algum modo, do excelente Crime e Castigo, do escritor russo Dostoiévski (este sim, meu queridinho).

Pequena biografia:

Edgar Allan Poe (nome de batismo, Edgar Poe) nasceu em 19/01/1809 (Boston, Massachusetts) e faleceu em 07/10/1849 (Baltimore, Maryland). Contista, poeta, editor, crítico literário, em geral é considerado o pai do gênero romance policial. É referência, também, para o gênero ficção científica. Suas histórias envolvem o macabro, o mistério e a morte e fizeram a cabeça de muita gente boa pelo mundo afora.

A morte de Poe se deu em condições não muito apuradas: foi encontrado em deliriuns tremens numa rua de Baltimore, vestido com roupas que não eram suas. Ao ser recolhido, morreu quatro dias após. Diagnósticos possíveis: embriaguez, diabetes, sífilis, raiva ou doenças mentais raras.

É reconhecido que Dostoiévski conhecia a obra do americano. Há uma crítica do escritor russo sobre Poe, verdadeira para A narrativa de Arthur Gordon Pym (observa que Edgar põe o herói “na mais extraordinária situação externa ou psicológica” para relatar seu estado de alma com surpreendente precisão).

O trabalho de Poe Influenciou Sir Arthur Conan Doyle (Sherlock Holmes) e, ainda, Jules Verne, que escreveu uma continuação para A narrativa de Arthur Gordon Pym, intitulada A esfinge do gelo.

Este blog não pretende apresentar crítica literária, focando-se nas resenhas dos livros, mas é impossível, sem perda de boas referências, não citar outro trabalho polêmico, mas importante, de Poe. Trata-se de The Philosophy of Composition (A Filosofia da Composição), na qual Edgar descreve, passo a passo, o método de composição para o seu famoso poema The Raven (O Corvo). Foi tremendamente contestado, sob a alegação de que o poema citado é criativo demais para se encaixar num método tão calculado.

O livro:

Assassinatos na Rua Morgue e Outras Histórias é um livro de contos, com seis textos. No primeiro deles, O demônio da perversidade, Poe utiliza, para a introdução do conto, um longo trecho dissertativo sobre a questão da perversidade, definida pelo escritor como:
“No sentido que pretendo, é de fato um móvel sem motivo, um motivo não “motivirt” (não motivado). Através de seus estímulos, agimos sem um objetivo compreensível; ou, se quisermos entendê-lo como uma contradição em termos, podemos modificar a proposição para dizer que, através de seu estímulo, agimos pela razão de que não deveríamos agir.”
Isto torna-se importante para o caso narrado, pois explica por que o protagonista do conto, tendo cometido um assassinato quase perfeito, deixa inconscientemente, pistas que o denunciem, num jogo de gato e rato que lembra muito aquele parecido, perpetrado por Raskolnikóv, de Crime e Castigo, de Dostoiévski.

Trecho selecionado:
“A crise mais importante de nossa vida nos convoca com sons de trombeta para uma ação imediata e enérgica. Nós nos inflamamos e consumimos pela urgência de iniciar a obra cujo resultado glorioso é antecipado e alimenta todas as expectativas de nossa alma. Deve ser iniciada hoje mesmo; e todavia, adiamos para amanhã – e por quê? Não há resposta, exceto que sentimos aquela perversidade, usando a palavra sem compreensão do princípio que está por trás.” (página 8)
O segundo trabalho, Hop-frog ou Os Oito Orangotangos Acorrentados nos expõe uma situação bizarra, para dizer o mínimo. Hop-frog quer dizer rã saltadora. A ambientação é levada para um reinado, onde há um bobo da corte, Hop-frog, caracterizado como um anão e aleijado (bastante politicamente incorreto, não?). Serve de chacota para o rei e seu grupo de sete pessoas, aliás, como qualquer bobo da corte. Há uma amiga de Hop-frog, Tripetta.

No afã de querer brincadeiras novas que o divirtam, o rei e sua corte imediata se lançam, sem o saber, numa vendeta arquitetada pelo bobo e sua amiga: o último gracejo, a piada derradeira. Não termina nada bem para o rei.

Trecho selecionado:
“No que se refere ao refinamento, ou como ele os denominava, os “espíritos” da comédia, o rei não demonstrava grande interesse. Ele tinha admiração especial pela amplitude de uma pilhéria; e muitas vezes era capaz de suportar a extensão de uma história pelo prazer de seu alcance. As sutilezas da ironia logo o cansavam. Teria preferido o Gargantuá de Rabelais ao Zadig de Voltaire e, tudo considerado, as brincadeiras pesadas agradavam mais a seu gosto que os motejos meramente verbais.” (página 14)
Logo após, vêm Os fatos que envolveram o caso de Mr. Valdemar. Primeiramente, o narrador em primeira pessoa se caracteriza como um mesmerista, isto é, um magnetizador/hipnotizador. Aqui há a presença do macabro, levado a termo por uma interferência no processo da morte. É um conto de fundo escatológico, com um final repulsivo.

Trecho selecionado:

“Minha atenção, durante os últimos três anos, foi repetidamente atraída para o assunto do mesmerismo; cerca de nove meses atrás, ocorreu-me, muito subitamente que, na série de experiências realizadas até agora, houve uma omissão realmente notável e inexplicável – nenhuma pessoa tinha ainda sido hipnotizada in articulo mortis (na hora da morte).” (página 28)
A seguir, o meu conto preferido da coletânea: O gato preto. Antes, é preciso dizer que trata-se de uma verdadeira obra-prima deste gênero. Talvez o melhor trabalho de toda esta coletânea. O autor introduz na narrativa um gato preto e lembra que tal animal é referido como representante da bruxaria, do mal. O narrador e a esposa adoram o bichano, mas pouco a pouco, o narrador passa a ter repulsa por ele. E o que modifica seu estado de ânimo em relação ao bichano é o uso excessivo de álcool, causando um estado alterado de consciência.

Caracterizando-se como um narrador não confiável (está sob embriaguez constante), num acesso de fúria arranca o olho do gato, com um canivete. A partir daí, as coisas vão saindo do controle e ele acaba cometendo um assassinato. De novo, um ato não consciente o denuncia aos investigadores do caso.

Trecho selecionado:
“Não espero nem peço que acreditem nesta narrativa ao mesmo tempo estranha e despretensiosa que estou a ponto de escrever. Seria realmente doido se esperasse, neste caso em que até mesmo meus sentidos rejeitaram a própria evidência. Todavia, não sou louco e certamente não sonhei o que vou narrar. Mas amanhã morrerei e quero hoje aliviar minha alma.” (página 39)
Nunca aposte sua cabeça com o Diabo vem logo depois. É o conto de que menos gostei. O narrador constituído por Poe discute, no início, o terem dito sobre ele que nunca escrevera um conto com fundo moral. Então, faz uso de uma citação em latim, defuncti injuria ne afficiantur (não serão feitas injúrias aos mortos). Narra-se um acidente mortal e o desfecho do conto caminha para a morbidez, uma vez mais.

Trecho selecionado:
“Muitos problemas são assim poupados para os autores em geral. Um novelista, por exemplo, não precisa se preocupar nem um pouco com a moral. Ela já se encontra em seus escritos – quer dizer, deve estar em alguma parte –, assim a moral e os críticos podem tomar conta de si mesmos.” (página 54)
O último conto – Assassinatos na Rua Morgue – nos deixa claro por que Sir Arthur Conan Doyle foi tão elogioso com Poe. O narrador participante da história, em primeira pessoa, nos conta sobre certo francês, chamado Auguste Dupin. Dupin tem uma característica que se tornará famosa depois: é dono de uma perspicácia intrigante. Usa o método indutivo com maestria. Por método indutivo entende-se a pesquisa de fatos interrelacionados para se chegar a uma constatação abrangente. Há um crime aparentemente insolúvel, misterioso mesmo, no qual não se deixa claro o motivo do crime, associam-se condições sobre-humanas e testemunhos confusos, que mais embaralham do que explicam. É neste ambiente que o protagonista, Monsieur Dupin, detetive diletante, empreende sua investigação para deslindar o que a polícia não conseguiu descobrir.

Naturalmente, o enredo é bastante rocambolesco, com uma série de dados bizarros se ajuntando para criar a aparência irresolúvel.  Temos aqui uma semelhança muito grande com Sherlock Holmes e Watson. Não só de estrutura narrativa – Holmes é o protagonista como Dupin e Watson, bem como o narrador inglês de Poe, são encarregados de narrar o que se passa e servir de "escada" para a mente brilhante do protagonista em sua capacidade indutiva. Também, apresenta-se um crime com aspectos tão herméticos, que somente uma “mente equipada com suprema capacidade analítica e associativa” é capaz de desvendar.

Trecho selecionado:
“ — Não podemos julgar os meios – disse Dupin – a partir de um exame tão superficial. A polícia parisiense, que é tão exaltada por sua argúcia, é esperta, mas nada mais que isto. Não existe método em seus procedimentos, além do método sugerido pela inspiração do momento. Desfilam uma série de medidas tomadas a fim de satisfazer ao público; mas não é infrequente que estas sejam tão mal adaptadas ao objetivo proposto, que nos recordam a fase famosa de Monsieur Jourdain, que mandou buscar seu robe-de-chambre pour mieux entendre la musique (mandou buscar o roupão para melhor entender a música)”. (página 86)
As narrativas componentes desta obra são um pouco arrastadas, uma vez que Edgar Allan Poe é muito analítico. Detalhista, mesmo. A interposição de digressões, explicações tornam os trabalhos com apresentação lenta. É preciso, portanto, que o leitor esteja ciente disto para se adaptar, se desejar mesmo usufruir dos contos.

Poe consegue impor aspectos fantasmagóricos, macabros, consegue nos assustar ou causar repúdio sem apelar para fantasmas. Não é curioso, isto? Sua histórias, pelo menos neste pequeno volume, não contam com aparições sobrenaturais; aliás, aqui, o gótico prescinde do sobrenatural.

Embora não seja o gênero de minha predileção, não pretendo ficar somente neste opúsculo. A narrativa de Arthur Gordon Pym, O escaravelho do diabo, A queda da casa de Usher, O barril de Almontillado, O poço e o pêndulo, A máscara da morte escarlate, por exemplo, são contos tão famosos que tenho muita curiosidade em conhecê-los. Agora, que já venci uma primeira experiência com Edgar Allan Poe, o estranhamento e o susto passam ao largo.


segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Resenha nº 164 - Sul da Fronteira, Oeste do Sol, de Huraki Murakami


O inventário de silêncios de “Sul da Fronteira, Oeste do Sol” | by ...Título Original: Kokkyo no Minami, Taiyo no Nishi
Autor: Haruki Murakami
Tradutor: Rita Kohl
Edição: 1ª
Editora: TAG/Alfaguara
Copyright: 1992
ISBN: 978-85-5652-106-4
Gênero Literário: Romance
Origem: literatura japonesa

Impressões ao ler

A gente não sabe, previamente, se um livro vai nos apaixonar ou não. São muitos os elementos e uma capa bonita, uma edição bem cuidada são apenas dois dos ingredientes para conquistar o público. À medida que lia as primeiras páginas deste Sul da Fronteira, Oeste do Sol, foi ficando claro que estava diante de um texto que, irremissivelmente, não me largaria. A história meio misteriosa de Shimamoto e de Hajime foi decisiva, naturalmente; entretanto, o que conduziu minha leitura foi a abordagem psicológica do protagonista. Num texto que não chega a ser lento, mas que está longe do apressado, Murakami conseguiu o feito de dotá-lo da respiração adequada para o fim proposto: Hajime é o narrador-personagem que, se não se mostra todo, mostra o necessário para entendermos o fundamental de seu funcionamento psíquico. Livro candidato a leituras recorrentes.

Pequena biografia:

Haruki Murakami nasceu em Quioto, em 12/01/1949. Escritor e tradutor japonês, seus livros têm tido imenso sucesso ao redor do mundo – já foi traduzido para mais de cinquenta idiomas. Embora muito apreciado e premiado, Murakami nem sempre recebe elogios dos seus pares. Constantemente, aliás, é criticado pelo establishment literário de seu país, sendo acusado de não japonês, de escritor sem identidade com a cultura japonesa. Um peso-pesado da literatura nipônica, Kenzaburo Oe (autor de Dias Tranquilos, também já traduzido para o português), por exemplo, acusa Haruki de não refletir aspectos da cultura japonesa.

Nosso autor é filho de um sacerdote budista e sua mãe era filha de um comerciante de Osaka. Apesar de nascido em Quioto, viveu boa parte da sua juventude nas cidades de Shukugawa, Ashiya e Kobe. Frequentou a Universidade de Waseda, em Tóquio, onde dedicou-se aos estudos de teatro. Dono de um bar de jazz, o Peter Cat – experiência que repercute em Sul da Fronteira, Oeste do Sol – Murakami parte para a Europa e, posteriormente, para os Estados Unidos, onde decidiu se fixar. Seu primeiro livro foi escrito em 1979, Ouça a canção do vento, mas apenas em 1987 seu nome se tornou um sucesso no Japão, com Norwegian Wood. Aficionado aos esportes e à música, nosso escritor é bastante influenciado pela cultura ocidental. Alguns outros trabalhos de Murakami: Crônica do Pássaro de Corda, 2006; Kafka à beira-mar, 2006; Sputnik, meu amor, 2005.

O livro:

Hajime é o protagonista do livro, acumulando as funções de narrador-personagem ou, se quiserem, narrador participante da história. A voz que narra o texto é em primeira pessoa. Voz adequada para falar de suas características psíquicas, seus dramas, suas limitações e sofrimentos. Eis como tudo se inicia, nesta história:
“Eu nasci no dia 4 de janeiro de 1951. Na primeira semana do primeiro mês do primeiro ano da segunda metade do século XX. Pode-se dizer que é uma data digna de comemoração. Por isso, recebi o nome Hajime, que significa começo. De resto, não há nada notável em relação ao meu nascimento. Meu pai trabalhava em uma grande empresa de corretagem e minha mãe era dona de casa comum. Meu pai foi recrutado para o serviço militar quando estudante e enviado para Singapura, e depois da guerra passou um tempo em um campo de prisioneiros. A casa da minha mãe foi atingida pelas bombas de um B-29 e destruída pelo fogo, em 1945. Ambos pertenciam à geração marcada pela longa guerra.” (página 9)
Temos então, a partir deste introito, Hajime, pelo menos em sua infância, tendo sofrido os ecos daquela guerra mundial, da qual seus pais tiveram experiências e lembranças bem mais impactantes – viveram no cenário do conflito.

Hajime tem uma característica que vai marcá-lo durante toda a sua trajetória: é filho único numa sociedade em que as famílias eram grandes, com muitos filhos. Este sentimento de incompletude, de inadequação só vai encontrar lenitivo no contato com a jovem Shimamoto, durante a escola. Ela também é uma solitária.
“Shimamoto vestia um suéter azul de gola redonda. Ela tinha vários suéteres azuis, acho que devia gostar desta cor. Ou, quem sabe, era porque combinavam com o casaco azul-marinho que ela sempre usava na escola. A gola de sua camisa branca aparecia sob o suéter. Usava também uma saia xadrez e meias de algodão brancas. O suéter justo e o tecido macio me permitia vislumbrar o volume discreto em seu peito. Ela estava sentada no sofá com as duas pernas dobradas sob o corpo. Ouvia a música e tinha um dos cotovelos apoiado sobre o encosto e o olhar de quem contempla uma paisagem distante.
— Ei — disse ela. — você acha que é verdade que os pais que só têm um filho não se dão muito bem?
Pensei um pouco a respeito, mas não entendi muito bem a relação entre as duas coisas.
— Onde você ouviu isso?
— Alguém me falou, já faz tempo. Que quando um casal só tem um filho, é porque eles não se gostam muito. Achei triste...
— Hum...
— Seu pai e sua mãe se dão bem?
Não consegui responder na hora. Nunca tinha pensado no assunto.
— No meu caso, foi porque a saúde da minha mãe não é muito boa – falei. — Não entendo muito bem, mas parece que ter um bebê exige muito do corpo.” (páginas 18/19)
O jovem casal é visto junto por todos os lados. Serem filhos únicos os enlaça e aproxima; não é spoiler adiantar que um sentimento de amor vai se construindo e se revelando entre os dois.

Mas Hajime se muda para outra cidade, acompanhando sua família. Pouco a pouco, sua vida se solidifica com outras referências. Shimamoto e ele não mais se veem. Outra garota importante em sua vida, Izumi, aparece e ambos sentem atração. É, inclusive, com esta garota que acontece a primeira cena erótica de várias integrantes do livro:
“Ela foi à minha casa em domingo. Era começo de novembro, o dia estava muito bonito, mas já um pouco frio. Meus pais tinham saído para um compromisso familiar, acho que era aniversário de morte de alguém da minha família paterna, e na verdade era para eu ter ido também, mas disse que precisava estudar para uma prova e fiquei sozinho em casa. Eles só voltariam tarde da noite. Izumi chegou no começo da tarde. Deitamos na minha cama, ela fechou os olhos e, sem dizer nada, deixou que eu a despisse. Mas eu me atrapalhei todo. Não sou muito jeitoso no geral, e as roupas femininas são um negócio terrivelmente complexo. No meio do caminho Izumi desistiu de esperar, abriu os olhos e tirou, ela mesma, toda a roupa. Usava uma calcinha pequena azul-clara e um sutiã da mesma cor. Devia ter comprado ambos especialmente para esse dia, com o próprio dinheiro. Até então, ela sempre usava lingeries comuns, do tipo que as mães compravam para as filhas estudantes do ensino médio.” (página 37)
Hajime se torna um adulto, novas experiências chegam, ele se casa com Yukiko, tem duas filhas e abre um bar onde serve drinks fantásticos, além de ter jazz band ao vivo. O empreendimento vai tão bem que ele abre uma filial, maior e mais bem montada.

Haruki Murakami costuma se servir de elementos de fantasia para compor suas obras. Não é isso o que acontece aqui, neste Sul da Fronteira, Oeste do Sol. Optando pelo drama psicológico de Hajime, cujo fato de ser filho único é apenas um dos elementos de conflito interno – o protagonista, na verdade, não consegue encontrar seu lugar no mundo; à exceção de com Shimamoto, não consegue entender-se com as mulheres que amou – o autor realiza uma obra com fortes tintas contemporâneas.

Neste mundo líquido, como proposto pelo sociólogo Zygmunt Bauman, sofremos pelas referências semoventes. Explico-me melhor: vivemos numa época em que aquela segurança das coisas imutáveis dos tempos de nossos pais ou avós cai por terra constantemente. Valores que, até ontem nos balizavam, hoje já não nos servem mais; o que era moderno, torna-se ultrapassado. A tecnologia em ebulição cada dia nos joga mais dentro do vórtice que tudo liquidifica e absorve.

Sul da Fronteira, Oeste do Sol não propõe uma solução, nem seria esperável que o fizesse. Hajime, Shimamoto, Izumi, Yukiko são personagens à busca de sua própria identidade, e talvez, a própria sociedade japonesa que perde rapidamente suas referências do passado e de sua cultura mais tradicionais (isto é muito mais evidente numa megalópole como Tóquio) não ajuda a melhorar os conflitos internos de seus habitantes.

Os protagonistas de Murakami – está dito na revista da TAG que acompanha esta bela edição – são, normalmente, homens maduros na casa dos trinta e poucos anos, tendo que lidar com seus fantasmas. Fazem parte do cardápio relações amorosas tumultuadas.

Duas imagens atravessam a narrativa, constituindo-se em duas referências literárias: uma é o deserto: “cada um vive do seu jeito, morre do seu jeito. Mas isso não importa muito. No fim, sobra apenas o deserto. A única coisa viva de verdade é o deserto”. É curiosa esta associação, pois deserto é tradicionalmente concebido como um lugar cuja vida não vinga. Torna-se, nas mãos de Murakami, e de modo amargo, “a única coisa viva de verdade”.

A segunda, é a água. Mas o significado que se pode atribuir não será somente o de representar a vida. Como vem sempre associado ao feminino, e em contraste claro com a imagem  do deserto (sem água), pode ser lido como “proporcionadora de vida”. Num belo trecho, Murakami escreve: “eu a olhei nos olhos. eram como a água de uma nascente silenciosa, à sombra de uma rocha, fora do alcance do vento. Tudo estático, sem nenhum movimento. Tive a impressão de que, se ficasse olhando, conseguiria ver os reflexos na superfície da água”.

Sul da Fronteira, Oeste do Sol, afinal, deve seu título a uma música de Nat King Cole, que Hajime e Shimamoto escutam com frequência (South of the Border, West of the Sun). A oeste do sol está a Sibéria, território permanentemente frio, em cujo inverno árido e rigoroso obriga as pessoas a viverem em isolamento dentro de suas casas.

A letra da música diz, em sua primeira estrofe, “South of the Border – down Mexico way/That’s were I fell in love, where the stars above – come out to play/And now as I wander – my thoughts ever stray” (Sul da fronteira – no caminho do México/Foi aí que eu me apaixonei, onde as estrelas acima – saíram para brincar/E agora, enquanto vagueio – meus pensamentos sempre se perdem).

De novo, a associação de uma vida sem significado, gerando seres perdidos por um lado e, por outro, o amor que seria o antídoto para a solidão. Não obstante, na minha leitura deste livro de Murakami, nem o amor consegue realizar a união dos seres.

Outro ponto a depender de interpretação envolve a personagem Shimamoto. Para alguns leitores, ela seria uma idealização de Hajime, não teria, portanto, existência dentro da história. Rita Kohl, a tradutora da obra e autora de um excelente posfácio que acompanha o livro, entende ser possível tal caminho interpretativo, mas não concorda com ele. Eu, também não. Há muitas pistas, muitas passagens deixadas pelo autor que me permitem construir um raciocínio interpretativo segundo o qual Shimamoto seja personagem “real”, assim como Hajime, Izumi ou os demais seres. Infelizmente, não posso defender minha interpretação com excertos do livro, porque aí eu encheria esta resenha de spoilers.

Esta é a primeira obra de ficção de Haruki Murakami que leio. Por todas as informações obtidas sobre o autor, seus livros, seus personagens, suas preferências temáticas, ambientação, posso dizer-me interessado em ler outros livros dele.

Disse acima ter sido esta a primeira obra de ficção de Murakami que leio. Isto porque, em 2017, no mês de maio, li o livro Romancista como vocação, uma não ficção exatamente de Haruki Murakami e o postei neste blogue.