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terça-feira, 23 de novembro de 2021

Resenha nº 176 - O Que Ela Sussurra, de Noemi Jaffe

 

Título original: O que ela sussurra

Autora: Noemi Jaffe

Editora: Cia das Letras

Copyright: 2020

ISBN: 978-85-359-3324-6

Edição: 1ª

Gênero: romance

Origem: literatura brasileira

 


 Noemi Jaffe nasceu em São Paulo, no ano de 1962. Tem doutorado em literatura brasileira pela Universidade de São Paulo, e atua também na área de crítica literária. É autora, entre outros títulos, de A verdadeira história do alfabeto (2012) – vencedor do prêmio Brasília de Literatura,  Írisz: As orquídeas (2015), Não está mais aqui quem falou (2017).

Já desejava resenhar algum livro desta escritora. Aconteceu de eu assistir a um vídeo do YouTube, em que a autora comentava alguns aspectos desta nova obra, O que ela sussurra. Logo fiquei interessado pelo que ouvia: Noemi valera-se de fatos da vida real, ou melhor, da vida do casal Óssip Mandelstam e Nadejda, na Rússia soviética.

Impressionei-me com o que ouvia: após a morte do marido, Nadejda recita todos os dias, para si mesma, os poemas do marido. O motivo: não deixar a obra dele cair no esquecimento, pelo valor de resistência expresso nos trabalhos. Foi assim que os poemas dele chegaram ao conhecimento dos dias atuais.

A resiliência desta mulher me fez comprar o volume e levá-lo para a praia, onde me dediquei à leitura entusiasmada; e a escrita de Noemi Jaffe conseguiu a proeza de trazer Nadejda para o meu metaverso literário.

A opressão do regime socialista, esmagando o indivíduo em favor de uma coletivização imposta, é o pano de fundo desta obra. Imagine, caro leitor – aqueles que viveram as experiências dos Anos de Chumbo aqui no Brasil me entenderão melhor – que qualquer das pessoas que frequentem a sua casa possa ser um delator disfarçado, um espião. Óssip e Nadejda restringem a recepção de amigos e vizinhos, mas a ameaça, ainda que sem contornos precisos, está por toda parte.

Incorporando versos do poeta, este texto, escrito a partir do discurso em primeira pessoa, da narradora Nadejda, é denso, como se pode depreender já na abertura do romance:

“Engano a passagem do tempo e quando ele passa por perto nem se dá conta, porque se deixa embalar pela minha voz, não entende direito o que eu digo, se distrai, esquece que deve passar e para. O que é um sussurro para o tempo? O que é o tempo para um sussurro que o desfaz e o tempo deixa de passar enquanto eu digo em voz baixa: ‘Como se eu pendesse de minhas próprias pestanas’. Quando sussurro, sou como os grilos, assoviando para que o medo não venha; não tão logo, que fique ainda longe, escorado por esse ruído mínimo. Falo devagar, enquanto passo a linha no caseador meio enguiçado: ‘Assim responde a criança:/Eu te darei a maçã’ – ou: ‘Não te darei a maçã’./ E seu rosto é a exata matriz da voz que estas palavras diz”. (página 9)

Lembra-me, até certo ponto, daquela Penélope, que durante o dia tece e durante a noite destece, enganando o tempo e os pretendentes a um novo casamento, enquanto aguarda o retorno do seu amado Ulisses. Aqui, Óssip não retornará; entretanto, Nadejda tece a permanência da obra, de certa forma, garantindo vida ao poeta.

Elemento importantíssimo dentro desta narrativa, em outro trecho ele é explicitado:

“Faço com o tempo o que fiz com o casaco: fico segurando. De vez em quando eu grito, sozinha, e nessas horas o tempo passa mas era isso mesmo que eu queria, ou você acha que é fácil ficar segurando o fluxo das coisas? Quase sempre eu gostaria mesmo é de morrer também; não aguento mais dar aulas para quem não se interessa por nada, eu também sendo perseguida só por estar viva, por ter sido tua mulher, porque a educação, para esses primatas do governo, é só louvação daquele dos dedos grossos e curtos.” (página 10)  

Há uma intensa simbiose entre a narradora Nadejda e o marido morto, Óssip Mandelstam. E é mesmo simbiose, definida como “associação íntima entre dois seres”. O canal que possibilita esta superposição de vozes, este imbricamento de seres é a Literatura (escrita assim mesmo, com maiúscula); e como qualquer obra de arte que consiga atravessar os espaços e atingir aquele que a frui, realiza também uma simbiose que une leitores, une aficionados da Arte.

Batizada Nadejda – nome que, em russo, significa “esperança” – a narradora constrói uma contextualização para seu nome de batismo, com alta voltagem poética, quando nos diz:

“Por que, na alvorada da nova era, no começo do século XX, eu recebi o nome de Nadejda? Foi a esperança que eles quiseram me nomear, para que eu ficasse condenada ao futuro, projetando-me para a frente, quando meu corpo só me puxa para trás. Sou o passado lançado para um futuro, cujo único conteúdo conhecido é continuar a sussurrar teus poemas.” (página 16)

Nas páginas 20 e 21, Nadejda tenta compreender o processo no qual está mergulhada. Tão intenso que, segundo ela,

“Os poemas que memorizo mas que também parecem me memorizar, como se eu só pudesse existir através deles, me levam para um passado que fica no futuro.”

Aqui temos, novamente, a ideia da simbiose através do sussurrar dos poemas e a própria fusão do tempo, expresso pela poesia de “um passado que fica no futuro”. Os limites se coagulam, escorrem, como naquele célebre quadro de Salvador Dalí, extraordinário pintor surrealista, em que o relógio escorre e com ele, as horas, o tempo.

O famoso escritor Máximo Gorki (ou simplesmente Gorki, como o preferirem) é visto como um inimigo, um vigarista. Pois, mantendo-se a coerência de uma narradora que se vê, a si mesma, e ao companheiro perseguidos pelo detestável regime político, outra não poderia ser sua concepção. Sabemos todos, os que gostam de literatura russa, Gorki foi a voz em defesa do comunismo, por excelência, dentro da literatura.

Nadejda Mandelstam tem uma primorosa reflexão sobre o seu feito, escrito com a mesma tinta poética que perpassa o texto todo:

“Só que não posso me dar ao luxo de morrer, nem posso controlar minha vida. Sussurrar teus poemas não é uma missão, nem sou uma espécie de heroína, cumpridora de um sacrifício pago com minha própria vida. Óssip, se for algo que passe mesmo perto disso, se mais tarde, quando teus poemas já estiverem salvos e publicados, alguém nem sequer pensar em mim como pessoa, essa que salvou tua vida, ou tua memória, então prefiro desistir de tudo agora.” (página 29)

Não, a simbiose não é completa, como de início supúnhamos. No trecho acima, Nadejda solta-se desta fusão e deseja sua individualidade e o reconhecimento exato do seu trabalho. Não deseja a glória das missões, não quer a fama das heroínas. Apenas o justo reconhecimento dos seus feitos.

Outra figura da resistência contra o regime socialista aparece nas páginas deste livro, a poetisa – hoje se diz poeta para uma autora, não? – Anna Akhmátova:

“Anna Akhmátova estava com a roupa errada para a temperatura de Moscou e, além disso, também irritada, porque, desajeitado como sempre, seu filho não tinha conseguido encontrá-la na estação. E não era só por isso, mas porque ela preferia que Óssip fosse buscá-la e que eles então viessem de lá até nossa casa contando piadas idiotas um para o outro. Sabe por que os judeus têm nariz grande? Porque o ar é de graça. Ou: um rato começa a correr loucamente e outro rato, correndo atrás dele, pergunta, por que você está nessa correria? E aí ele responde que ouviu dizer que os camelos vão ser castrados. Mas você não é um camelo! Está certo, então tente provar isso para a polícia! Ela era apressada enquanto Óssip era lento e um tentava convencer o outro de que a sua velocidade era a mais certa.” (página 37)

Óssip Mandelstam não fora um companheiro perfeito. Nadejda o reconhece no trecho abaixo, mas não se insurge contra ele:

“É. Pintora. Eu queria ter sido pintora e não fui. Por que não fui? Porque Óssip não queria e eu, eu queria o que ele queria. E Óssip não queria porque, por que nem sei, mas acho que ele me queria inteiramente dele, queria que eu me dedicasse a ouvir e escrever seus poemas, a suportar suas infidelidades suportáveis, a estar em casa quando ele chegasse, queria me ter como alguém que pudesse ficar atrás, do lado, por baixo dele. Às vezes acima. E eu aceitei, não sei por que aceitei, mas não me arrependo. Até disseram que eu teria futuro pintando, que podia entrar para alguma academia, sair daqueles cestos de frutas repetitivos, ir no caminho das vanguardas, pintar formas geométricas, pintar sobre a pintura, coisas de que eu poderia até vir a gostar um dia, depois que praticasse mais maçãs, laranjas e mamões. Nunca acreditei nisso. Fiz uns retratos e autorretratos também.” (página 73)

Há, ainda, o simbolismo da blusa branca, de rendas, feita à mão. Ela passa de mulher em mulher, sempre dentro da família. Símbolo do sofrimento e da resiliência feminina, Nadejda nos diz, sobre esta peça:

“Eu praticamente nunca a usei, mas gostava de vê-la pendurada no cabide, sozinha em meio a quase nada, um ou dois vestidos, um xale cinza de crochê, umas poucas blusas tão mais simples e vazias de história, um par de sapatos e um de botas.” (página 113)

E, mais adiante, numa inversão de valores, aos olhos da narradora:

“Como é estranhamente bom não ter nada e pensar em ter, falar sobre ter, brincar de ter. era assim com a blusa de renda de três gerações que um dia a polícia tirou do armário e rasgou e usou como proa da nossa condição burguesa. Possuíamos uma blusa de renda, denúncia de algum vizinho indignado, que se considerava poderoso por contribuir para o ‘confisco de uma propriedade de mais-valia”. (página 113)

Como o leitor já terá notado, o texto de Noemi Jaffe é profundo, poético e reflexivo. Não será um livro para se ler apressadamente; porque, como se pode ler um trecho como o que vai abaixo, sem a necessária releitura, não para degustação literária, mas para o encontro consigo mesmo, o famoso “conhece-te a ti mesmo”?

“Para nós, e até hoje para mim, a liberdade é a escolha de fazer o que se deve, já disse isto antes e sei que choca muita gente. Uma ética do dever, mais que do querer. Se for para fazer o que quero, preciso antes fazer o que devo. É assim que penso e podem pôr isso na conta do sofrimento, podem ser compreensivos e dizer: ah, para ela é diferente, considerando tudo o que passou, mas não concordo, acho que isso vale para quem sofreu e para quem não sofreu, vale para as pessoas que vivem não na sua proteção doméstica, mas na história, que é sempre cheia de dor. Eles deveriam considerar como mais-valia a licenciosidade, isso sim.” (página 114)

A Nadejda criada por Noemi Jaffe possivelmente não será, ipsis litteris, aquela pessoa de carne e osso, dirão alguns. Pouco importa, diante do projeto literário da escritora. A narradora vai crescendo na narrativa e, a partir de um certo ponto, aquela simbiose inicial se desfaz, Nadejda se sobressai da História, ressurge inteira. Ao enfatizá-la, Noemi cria uma figura de resistência como só mulheres muito sofridas e muito conscientes podem ser.

Maravilhoso livro, este O que ela sussurra. Na quarta capa dele, está escrito que Noemi Jaffe é “uma das autoras mais originais da literatura brasileira contemporânea”. Concordo plenamente. Cuidadosa pesquisa, conhecimento a respeito da história da literatura, voz autoral, texto profundo e bem-escrito. É um autêntico prazer repartir com meus leitores esta resenha.

domingo, 21 de novembro de 2021

Resenha nº 175 - Azazel, de Isaac Asimov

 



Título original: Azazel

Autor: Isaac Asimov

Tradutor: Ronaldo Sergio de Biasi

Editora: Record

Copyright: 1988

Edição: S/n

ISBN: 85-01-03808-3

Gênero: Fantasia (contos)

Origem: Estados Unidos

 

Não me lembro mais de qual destes contos eu li há muito, muito tempo, provavelmente numa revista de ficção científica. Apesar da falha mnemônica, não me esqueci do nome e das características deste personagem, que dá nome à coletânea presente.

Durante todo este tempo, tenho procurado em algum sebo um volume em bom estado de conservação, pois encontra-se esgotado e fora do catálogo da Record. Finalmente, achei um volume que preenchesse as minhas exigências de leitor, além do prazer de buquinar – algo que vem se tornando mais e mais frequente. O ato de buquinar (perambular por sebos buscando exemplares de interesse) rendeu-me, ainda, mais dois volumes: Neve, de Orham Pamuk e Um poema para Bárbara, de Mônica Sifuentes.

Mas voltemos ao Azazel. Trata-se de um demônio de 2 centímetros de altura, tendo chifres, rabo e coberto com pele vermelha; mora em algum mundo em algum universo paralelo. Seus poderes misteriosos são convocados por George, um linguista, por meios igualmente misteriosos.

George Bimnut havia encontrado manuscritos de um rei dinamarquês, datados do século XI, nas ruínas de um castelo inglês. Tal documento continha as instruções de como conjurar demônios e, ao proferir estranhas palavras, George arranca, momentaneamente, Azazel de seu planeta natal e o traz para a Terra.

As dezoito histórias – contos – que compõem esta obra têm uma estrutura que não muda: é apresentada, de início, sempre num diálogo entre o narrador (o próprio Isaac Asimov) e George. Constrói-se, então, uma “deixa”, um problema de alguma pessoa, a ser somente resolvida pelas intervenções mágicas do pequeno diabo. Que quase sempre resmunga contra as conjurações do linguista, pois a criatura fantástica não tem como desobedecer ao chamamento. É apanhado no meio de atividades hilariantes em seu próprio mundo.

Caracterizado o problema, Azazel intervém. George sempre está disposto a ajudar os outros, na (aparentemente) melhor disposição do “amor ao próximo”. Quando olhamos de perto, entretanto, percebemos que George não é – digamos – o melhor exemplo cristão.

Azazel é potente em suas intervenções. Mas há um complicador: o diabrete não entende as limitações humanas. Infalivelmente, suas ações corretas no início, terminam sempre dando errado e rendendo boas situações de humor.

Estes contos foram publicados em separado na revista Isaac Asimov’s Science Fiction Magazine. Posteriormente, foram reunidas em uma coletânea, como a que aqui se apresenta, em tradução para a língua portuguesa. Os títulos são: 1) O demônio de dois centímetros; 2) Uma noite de música; 3) O sorriso roubado; 4) Ao vencedor; 5) O ruído abafado; 6) Salvando a humanidade; 7) Uma questão de princípios; 8) Os males da bebida; 9) Tempo para escrever; 10) Deslizando na neve; 11) Lógica é lógica; 12) Mania de viajar; 13) Os olhos de quem vê; 14) Mais coisas no céu e na Terra; 15) A obra da mente; 16) As brigas da primavera; 17) Galateia; 18) Voo de imaginação.

Somente o primeiro conto foi escrito especificamente para este livro, apresentando aos não leitores da revista de science fiction editada por Asimov, os personagens destas histórias, a saber: George, o narrador e a estrela da companhia, Azazel. Todos os outros contos já haviam sido publicados antes.

O narrador é sempre em primeira pessoa (ou seja, é sob seu ponto de vista que a história se constitui), relatando-nos o que lhe conta George. Esta estrutura confere um caráter individual e suspeito no quesito veracidade do que é narrado; aliás, tudo aqui é dúbio, pois o próprio George e o que ele conta não tem fiabilidade:

“Eu me esforço para não acreditar no que meu amigo George me conta. Como dar crédito a alguém que afirma ter acesso a um demônio de dois centímetros de altura chamado Azazel, um demônio que é na realidade um ser extraterreno com poderes extraordinários, embora limitados?” (página 49, O Ruído abafado)

George é resmungão, com uma tendência para a mesquinhez e sempre disposto a não pagar a conta, cuja responsabilidade ele deixa para o amigo; aqui e ali, extorque cinco ou dez dólares dele, pendurando a dívida, anotada em papeizinhos, em algum lugar do seu quarto:

“George não era dessas almas tímidas que acham que ninguém tem o direito de criticar uma refeição pela qual não está pagando. Assim, informou-me que está decepcionado com o almoço, com todo o tato de que foi capaz, ou por outra, com todo o tato que achava que eu merecia, o que, naturalmente, não é a mesma coisa.” (página 128, Lógica é lógica)

O linguista sempre deprecia das qualidades do narrador:

“Não consigo entender, amigo velho, por que você se ressente do fato de que organizações respeitáveis estejam dispostas a lhe pagar milhares de dólares por uma palestra de uma hora. Afinal, já tive a oportunidade de ouvi-lo falar e acharia muito mais razoável que você falasse de graça e se recusasse a parar a menos que lhe pagassem milhares de dólares. Isso sem querer ofender seus sentimentos, se é que você tem algum.” (página 139, Mania de viajar)

Azazel sempre faz pouco-caso da espécie humana, a qual ele considera completamente primitiva e obtusa. Na maioria dos contos, ele suspira de tédio por ser levado a intervir entre os homens:

“— Você tem um cérebro pequeno, verme primitivo, mas às vezes pode ser tortuoso e portanto útil a pessoas como eu, dotadas de qualidades mentais superiores mas incapazes de um pensamento que se afaste da retidão. De que tipo de ajuda está precisando?” (página 189, As brigas da primavera)

A gente sempre fica em dúvidas se as impressões um do outro têm algum tipo de perspicácia ou se se baseiam simplesmente na depreciação automática. George fala mal do amigo velho, com quem conversa constantemente – e de quem fila o almoço – não tem o diabrete em alta conta, apesar de ser ele o interventor que resolve as situações inusitadas, o pequeno Azazel, apesar de gostar de ajudar, considera muito mal os seres humanos a quem serve:

“Azazel, como sempre, estava de péssimo humor quando chegou. Sua cauda estava levantada em um ângulo estranho. Quando lhe perguntei o que havia acontecido, começou a fazer comentários desairosos a respeito dos meus antepassados... que, diga-se de passagem, eram totalmente falsos.

Deduzi que alguém pisara na sua cauda. Azazel é uma criatura muito pequena; não deve ter mais que dois centímetros de altura, sem contar com a cauda. Mesmo no seu mundo, suspeito que sua estatura está abaixo da média, o que, sem dúvida, devia ter contribuído para aquele incidente tão humilhante.” (página 212, Voo de imaginação)

Certamente, pelo menos na minha opinião, este não é o melhor trabalho de Isaac Asimov, como escritor de ficção científica. Na prateleira de cima estão o excelente romance fix-up (narrativa formada por contos que interagem, como capítulos de um romance) Eu, Robô ou o monumental Fundação.

Desconfio mesmo que este volume Azazel não deve ter tido boa acolhida pelo público aqui, no Brasil e, por este motivo, não houve outra edição. Não me arrependi de procurá-lo pelos sebos afora. É divertido; não divertido naquele sentido de você dar sonoras risadas pelo humor que perpassa todas as histórias. Mas aquele sorriso à inglesa, uma diversão competente que afaga o prazer de ler, certamente houve.

Os adjetivos atribuídos a Azazel por George, um emérito puxa-saco quando quer obter favores do centimétrico amigo, são um capítulo à parte: Poderoso Ser a Quem todo o Universo Presta Homenagem, Mente Colossal, Sábio dos Sábios, Ser Sublime, etc.

No mesmo plano expressional, mas com o sinal trocado, Azazel prega em George adjetivos como: Massa Repugnante de Carne Inútil, Inseto Infeliz, e coisas mais. Bons amigos, em suma.

Este livro é bastante não característico de Asimov. Está mais para uma fantasia – motivo pelo qual o autor foi resistente à publicação dos contos em sua revista de sci-fi. Em tudo perpassa o humor escrachado, entretanto, como dito pelo próprio Isaac na introdução,

“Eu disse a ela, “Shawna, essas histórias de George e Azazel são contos de fantasia, e a IASFM [Isaac Asimov Science Fiction Magazine] é uma revista de ficção científica.”

Ela replicou: “Então, transforme o pequeno demônio e sua mágica em um pequeno ser extraterrestre com uma tecnologia avançada e venda as histórias para mim.”

Eu fiz isso, e como gostava das histórias de George e Azazel, continuei a escrevê-las, de modo que agora posso incluir dezoito delas neste livro, que chamei de Azazel.” (página 10, Introdução)

Isaac Asimov se divertiu ao escrever este livro. Pode haver um motivo melhor para se escrever algo, qualquer coisa?