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domingo, 21 de novembro de 2021

Resenha nº 175 - Azazel, de Isaac Asimov

 



Título original: Azazel

Autor: Isaac Asimov

Tradutor: Ronaldo Sergio de Biasi

Editora: Record

Copyright: 1988

Edição: S/n

ISBN: 85-01-03808-3

Gênero: Fantasia (contos)

Origem: Estados Unidos

 

Não me lembro mais de qual destes contos eu li há muito, muito tempo, provavelmente numa revista de ficção científica. Apesar da falha mnemônica, não me esqueci do nome e das características deste personagem, que dá nome à coletânea presente.

Durante todo este tempo, tenho procurado em algum sebo um volume em bom estado de conservação, pois encontra-se esgotado e fora do catálogo da Record. Finalmente, achei um volume que preenchesse as minhas exigências de leitor, além do prazer de buquinar – algo que vem se tornando mais e mais frequente. O ato de buquinar (perambular por sebos buscando exemplares de interesse) rendeu-me, ainda, mais dois volumes: Neve, de Orham Pamuk e Um poema para Bárbara, de Mônica Sifuentes.

Mas voltemos ao Azazel. Trata-se de um demônio de 2 centímetros de altura, tendo chifres, rabo e coberto com pele vermelha; mora em algum mundo em algum universo paralelo. Seus poderes misteriosos são convocados por George, um linguista, por meios igualmente misteriosos.

George Bimnut havia encontrado manuscritos de um rei dinamarquês, datados do século XI, nas ruínas de um castelo inglês. Tal documento continha as instruções de como conjurar demônios e, ao proferir estranhas palavras, George arranca, momentaneamente, Azazel de seu planeta natal e o traz para a Terra.

As dezoito histórias – contos – que compõem esta obra têm uma estrutura que não muda: é apresentada, de início, sempre num diálogo entre o narrador (o próprio Isaac Asimov) e George. Constrói-se, então, uma “deixa”, um problema de alguma pessoa, a ser somente resolvida pelas intervenções mágicas do pequeno diabo. Que quase sempre resmunga contra as conjurações do linguista, pois a criatura fantástica não tem como desobedecer ao chamamento. É apanhado no meio de atividades hilariantes em seu próprio mundo.

Caracterizado o problema, Azazel intervém. George sempre está disposto a ajudar os outros, na (aparentemente) melhor disposição do “amor ao próximo”. Quando olhamos de perto, entretanto, percebemos que George não é – digamos – o melhor exemplo cristão.

Azazel é potente em suas intervenções. Mas há um complicador: o diabrete não entende as limitações humanas. Infalivelmente, suas ações corretas no início, terminam sempre dando errado e rendendo boas situações de humor.

Estes contos foram publicados em separado na revista Isaac Asimov’s Science Fiction Magazine. Posteriormente, foram reunidas em uma coletânea, como a que aqui se apresenta, em tradução para a língua portuguesa. Os títulos são: 1) O demônio de dois centímetros; 2) Uma noite de música; 3) O sorriso roubado; 4) Ao vencedor; 5) O ruído abafado; 6) Salvando a humanidade; 7) Uma questão de princípios; 8) Os males da bebida; 9) Tempo para escrever; 10) Deslizando na neve; 11) Lógica é lógica; 12) Mania de viajar; 13) Os olhos de quem vê; 14) Mais coisas no céu e na Terra; 15) A obra da mente; 16) As brigas da primavera; 17) Galateia; 18) Voo de imaginação.

Somente o primeiro conto foi escrito especificamente para este livro, apresentando aos não leitores da revista de science fiction editada por Asimov, os personagens destas histórias, a saber: George, o narrador e a estrela da companhia, Azazel. Todos os outros contos já haviam sido publicados antes.

O narrador é sempre em primeira pessoa (ou seja, é sob seu ponto de vista que a história se constitui), relatando-nos o que lhe conta George. Esta estrutura confere um caráter individual e suspeito no quesito veracidade do que é narrado; aliás, tudo aqui é dúbio, pois o próprio George e o que ele conta não tem fiabilidade:

“Eu me esforço para não acreditar no que meu amigo George me conta. Como dar crédito a alguém que afirma ter acesso a um demônio de dois centímetros de altura chamado Azazel, um demônio que é na realidade um ser extraterreno com poderes extraordinários, embora limitados?” (página 49, O Ruído abafado)

George é resmungão, com uma tendência para a mesquinhez e sempre disposto a não pagar a conta, cuja responsabilidade ele deixa para o amigo; aqui e ali, extorque cinco ou dez dólares dele, pendurando a dívida, anotada em papeizinhos, em algum lugar do seu quarto:

“George não era dessas almas tímidas que acham que ninguém tem o direito de criticar uma refeição pela qual não está pagando. Assim, informou-me que está decepcionado com o almoço, com todo o tato de que foi capaz, ou por outra, com todo o tato que achava que eu merecia, o que, naturalmente, não é a mesma coisa.” (página 128, Lógica é lógica)

O linguista sempre deprecia das qualidades do narrador:

“Não consigo entender, amigo velho, por que você se ressente do fato de que organizações respeitáveis estejam dispostas a lhe pagar milhares de dólares por uma palestra de uma hora. Afinal, já tive a oportunidade de ouvi-lo falar e acharia muito mais razoável que você falasse de graça e se recusasse a parar a menos que lhe pagassem milhares de dólares. Isso sem querer ofender seus sentimentos, se é que você tem algum.” (página 139, Mania de viajar)

Azazel sempre faz pouco-caso da espécie humana, a qual ele considera completamente primitiva e obtusa. Na maioria dos contos, ele suspira de tédio por ser levado a intervir entre os homens:

“— Você tem um cérebro pequeno, verme primitivo, mas às vezes pode ser tortuoso e portanto útil a pessoas como eu, dotadas de qualidades mentais superiores mas incapazes de um pensamento que se afaste da retidão. De que tipo de ajuda está precisando?” (página 189, As brigas da primavera)

A gente sempre fica em dúvidas se as impressões um do outro têm algum tipo de perspicácia ou se se baseiam simplesmente na depreciação automática. George fala mal do amigo velho, com quem conversa constantemente – e de quem fila o almoço – não tem o diabrete em alta conta, apesar de ser ele o interventor que resolve as situações inusitadas, o pequeno Azazel, apesar de gostar de ajudar, considera muito mal os seres humanos a quem serve:

“Azazel, como sempre, estava de péssimo humor quando chegou. Sua cauda estava levantada em um ângulo estranho. Quando lhe perguntei o que havia acontecido, começou a fazer comentários desairosos a respeito dos meus antepassados... que, diga-se de passagem, eram totalmente falsos.

Deduzi que alguém pisara na sua cauda. Azazel é uma criatura muito pequena; não deve ter mais que dois centímetros de altura, sem contar com a cauda. Mesmo no seu mundo, suspeito que sua estatura está abaixo da média, o que, sem dúvida, devia ter contribuído para aquele incidente tão humilhante.” (página 212, Voo de imaginação)

Certamente, pelo menos na minha opinião, este não é o melhor trabalho de Isaac Asimov, como escritor de ficção científica. Na prateleira de cima estão o excelente romance fix-up (narrativa formada por contos que interagem, como capítulos de um romance) Eu, Robô ou o monumental Fundação.

Desconfio mesmo que este volume Azazel não deve ter tido boa acolhida pelo público aqui, no Brasil e, por este motivo, não houve outra edição. Não me arrependi de procurá-lo pelos sebos afora. É divertido; não divertido naquele sentido de você dar sonoras risadas pelo humor que perpassa todas as histórias. Mas aquele sorriso à inglesa, uma diversão competente que afaga o prazer de ler, certamente houve.

Os adjetivos atribuídos a Azazel por George, um emérito puxa-saco quando quer obter favores do centimétrico amigo, são um capítulo à parte: Poderoso Ser a Quem todo o Universo Presta Homenagem, Mente Colossal, Sábio dos Sábios, Ser Sublime, etc.

No mesmo plano expressional, mas com o sinal trocado, Azazel prega em George adjetivos como: Massa Repugnante de Carne Inútil, Inseto Infeliz, e coisas mais. Bons amigos, em suma.

Este livro é bastante não característico de Asimov. Está mais para uma fantasia – motivo pelo qual o autor foi resistente à publicação dos contos em sua revista de sci-fi. Em tudo perpassa o humor escrachado, entretanto, como dito pelo próprio Isaac na introdução,

“Eu disse a ela, “Shawna, essas histórias de George e Azazel são contos de fantasia, e a IASFM [Isaac Asimov Science Fiction Magazine] é uma revista de ficção científica.”

Ela replicou: “Então, transforme o pequeno demônio e sua mágica em um pequeno ser extraterrestre com uma tecnologia avançada e venda as histórias para mim.”

Eu fiz isso, e como gostava das histórias de George e Azazel, continuei a escrevê-las, de modo que agora posso incluir dezoito delas neste livro, que chamei de Azazel.” (página 10, Introdução)

Isaac Asimov se divertiu ao escrever este livro. Pode haver um motivo melhor para se escrever algo, qualquer coisa? 

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