Autora: Heloisa Seixas
Editora: Galera/Record
S/Ed.
Copyright: 2009
ISBN: 978-85-01-08123-0
112 páginas
Gênero: Contos (Minicontos)
Bibliografia da autora (incompleta): Pente
de Vênus: histórias do amor assombrado (contos) – 1995; A porta (romance)
– 1996; Diário de Perséfone (romance) – 1998; Através do vidro (novela)
– 2001; Contos mínimos (contos) – 2001; Pérolas absolutas (romance)
– 2003; Sete vidas: sete contos mínimos de gatos (contos) – 2003; Histórias
de Bicho Feio (infantil) – 2006; Frenesi: história de duplo terror (contos)
– 2006; O lugar escuro (romance) – 2007; O prazer de Ler (contos)
– 2011; Pena e Pincel (crônicas, com Leonel Brayner e Ruy Castro) –
2011; Contos mais que mínimos (contos) – 2011; Terramarear (textos
sobre viagens, com Ruy Castro) – 2011; Crônicas para ler na escola (crônicas)
– 2013; Uns cheios, outros em vão (crônicas e receitas) – 2013; Carmen,
a grande pequena notável (biografia infantil, com Julia Romeu) – 2014;
O oitavo selo (romance) – 2014.
Heloisa Seixas é uma autora nascida no Rio de Janeiro, em
26/07/1952. É jornalista, formada pela Universidade Federal Fluminense, tendo
trabalhado na agência de notícias O Globo. Posteriormente, atuou na assessoria
de imprensa da ONU. É também tradutora. Sua estreia como escritora se deu em
1995, ao lançar o livro de contos Pente
de Vênus: Histórias do Amor Assombrado. A editora Record, um ano mais
tarde, publicou seu primeiro romance, A
Porta. Durante sete anos, Heloisa Seixas manteve a coluna Contos Mínimos no JB – Jornal do Brasil.
Um dia qualquer, de
uma semana qualquer, mês de setembro. Numa livraria de shopping, eis que este
fuçador bibliômano investe seu tempo de espera em mais uma prospecção
literária. Não desejava gastar muito, afinal, era preciso economizar e especificamente
o mês de setembro já estava no trinco econômico-financeiro. Resultado: vamos à
bacia das almas – o saldão dos livros. Às vezes, a gente consegue coisas boas
por preços módicos. Não deu outra: saí de lá com este Uma Ilha Chamada
Livro, por R$ 7, 95. Trouxe para casa
também outros dois volumes: A Caixa,
de Günter Grass, por R$ 14,90 e Dias Perdidos, de Lúcio Cardoso, por R$ 9,95. E, imediatamente após a compra,
saboreando um expresso na cafeteria próxima, iniciei a leitura do livro da
Heloisa Seixas.
Os minicontos deste Uma Ilha Chamada Livro estão no limite
poroso entre contos curtos e crônicas. São uma invenção relativamente recente,
afinada com estes tempos de pressa em que vivemos. O mais relevante, porém, é
que apesar de serem textos curtos, não perderam a qualidade literária. Heloisa
Seixas escreve com a sensibilidade a serviço tanto do leitor quanto dela
própria, como autora.
O volume se apresenta divido em
três partes: 1) Ler; 2) Escrever; 3) Contar. Este tríptico já nos adianta
alguma coisa sobre o que nos aguarda: serão textos sobre as atividades enunciadas
por estes três verbos tão simpáticos.
“Imaginem um menino. Um menino qualquer, nem gordo nem magro, nem alto nem baixo, nem bonito nem feio, mas de uma inteligência aguda e de olhos bem grandes, abertos para o mundo, todos os mundos. Ele era assim, Filho único, era capaz de ficar horas a fio trancado no quarto lendo, pois tinha nos livros seus grandes companheiros. Não que fosse um menino solitário, isto não. Tinha amigos, jogava bola, namorava. Mas ler era um prazer especial, que desfrutava com avidez.” (página 9)
Heloisa inicia o
primeiro conto da primeira parte, a sobre Ler. Senti-me tão identificado que
tive inveja nada branca: aquele texto musical bem que poderia ser meu. Tinha gosto
e cheiro de infância. Da minha infância de leitor iniciante.
O estilo de Heloisa é assim. Tem um
quê de literatura infantil, da simplicidade do dizer dos livros realmente
literários. Ela explicita o seu amor pelos livros com muita sinceridade – um amor
difícil de entender para aqueles que vêm no livro apenas seu aspecto exterior,
um conjunto de páginas, cheias de letras de um texto lido apenas uma vez e logo
depois esquecido. Não. Ela, como eu, ama os livros pela alma que eles têm:
“Esse amor pelos livros me comove, um amor que venho aprendendo a desenvolver nos últimos anos. Antes, guardava meus livros de qualquer jeito, sem qualquer ordem nas estantes. E, ao lê-los, pouco me importava se os abria demais, se os virava ao contrário, se deixava a ponta da capa se enrolar numa feia orelha.” (página 18)
Já sei, posso senti-lo, esta não
será uma resenha strictu senso. Está mais
para um depoimento de amor partilhado. Você, leitor talvez exigente e muito
sério, talvez não goste deste tom, por isso o estou avisando: você pode
escolher outro texto, mais analítico que apaixonado. Saberei compreender.
Em tons altamente poéticos, segue
nossa amiga, desta vez inaugurando a segunda parte, a de Escrever:
“Há, no seio de uma ostra, um movimento – ainda que imperceptível. Qualquer coisa imiscuiu-se pela fissura, uma partícula qualquer, diminuta e invisível. Venceu as paredes lacradas, que se fecham como a boca que tem medo de deixar escapar um segredo. Venceu. E agora penetra o núcleo da ostra, contaminando-lhe a própria substância. A ostra reage, imediatamente. E começa a secretar o nácar. É um mecanismo de defesa, uma tentativa de purificação contra a partícula invasora. Com uma paciência de fundo de mar, a ostra profanada continua seu trabalho incansável, secretando por anos a fio o nácar que aos poucos se vai solidificando. É dessa solidificação que nascem as pérolas.” (página 44)
Será que Heloisa Seixas, por acaso,
não leu o A Elegância do Ouriço, de
Muriel Barbery (resenha neste blogue)?
E vai concluindo que as pérolas
são, então, o resultado de uma contaminação. Associa: a arte também. Ela é
quase sempre a transformação da dor. E como se saltasse sobre as pedras
precárias dentro d’água, Heloisa pontilha que
“Fico lembrando de quando comecei. Estava com quase quarenta anos e de repente alguma coisa dentro de mim clamou por ser escrita, mas clamou ferida, gritando. E eu cedi. As pessoas às vezes me perguntam se não é preciso coragem para começar a escrever tão tarde, mas responde que não foi por coragem que comecei, e sim por covardia. Tinha medo de morrer. Ou melhor, tinha certeza de que morreria se não escrevesse.” (página 44)
A terceira parte, Contar, se inicia
com o texto Conto Mínimo, em que
Heloisa nos conta de um acidente com um avião japonês. A aeronave não explodiu,
sequer pegou fogo, não se partiu no ar. Apenas caiu, quase planando em seu
destino inexorável de chocar-se com a terra. Quando a equipe de resgate chegou
ao local, encontrou somente restos e mortes. Entretanto, diz a autora, entre
tantos corpos, havia anotações em guardanapos, pedaços de cadernetas de passageiros
que, diante do inevitável, quiseram deixar suas experiências relatadas por
escrito. E conclui, num texto pungente, mas fácil de se ler:
“É a pura verdade. Somos todos – não só artistas, mas todos nós – como aqueles japoneses desesperados. Vivemos tentando deixar nossas pegadas, apressadas entre o início e o fim da viagem, sem saber ao certo o que acontecerá. E a vida passa num sopro, uma rajada, não dura mais do que alguns minutos diante do arco da eternidade.
É como um conto mínimo.” (página 90)
Uma
Ilha Chamada Livro – Contos mínimos sobre ler, escrever e contar é assim. Pelo
estilo, pela sinceridade apaixonada, pela coragem de revelar o amor, para mim,
se irmana poeticamente a O Profeta,
de Gibran Kalil, a A Pérola, de John Steinbeck, O Pequeno Príncipe, de Vincent de Saint-Éxupery.
São livros que podem até ser acessados pela razão analítica do leitor, mas se
dirigem mais ao coração, à alma de quem os lê. E por isso fazem um bem danado. São
verdadeiros oásis neste deserto desencantado de nossas vidas.
Taí: me ocorreu um título-tema para
um livro, coisa com a qual estou tentando atinar há um tempão: Um Oásis Chamado Livro. Gostei. Duplamente
obrigado, Heloisa!
Nota (muito afetada pelos
sentimentos): 10.