Título original: Trotzdem Ja zum Leben
sagen
Título em português: Em
Busca de Sentido
Autor: Viktor E. Frankl
Editoras: Sinodal/Vozes
Tradutores: Walter O.
Schlupp/Carlos C. Aveline
Edição: 43ª (revista)
Copyright: 1977 (parte
1); 1984 (partes 2 e 3)
ISBN: Sinodal
978-85-233-0886-5; Vozes 978-85-326-0626-6
Gênero: Ensaios
Páginas: 184
Bibliografia do autor
(incompleta): Em Busca de Sentido, 1946; A Vontade de Sentido, 1969; A Presença
Ignorada de Deus, 1943; Psycotherapy And Existentialism, 1967; Um Sentido Para
A Vida, 1978; O Sofrimento de Uma Vida Sem Sentido, 1977; O Que Não Está
Escrito Nos Meus Livros; O Homem Incondicionado, 1968.
Ao
longo da leitura deste Em Busca de Sentido, fui passando por emoções insuspeitadas. Sim, porque, de propósito, evitei
qualquer informação sobre o autor, sobre sua logoterapia, sua biografia. Parti,
portanto, do solo mais ignorante possível. Das primeiras páginas, a impressão
que me assaltou foi a de estar diante de um livro bem escrito, mas de
autoajuda, gênero ao qual não me ajusto bem. Insisti. Foi a melhor atitude. Paulatinamente,
a narrativa da primeira parte, Em Busca de Sentido, me fez inquieto e, em alguns momentos, triste. Ali, o doutor Frankl falava
sobre sua experiência como prisioneiro de campo de concentração. Auschwitz
sempre pesa sobre minha memória construída por alguns livros lidos como a
sucursal do inferno. Não era, entretanto, um relato qualquer. Viktor Frankl era
já um médico, especialista em neurologia e deste ponto de vista ele estabelecia
suas observações. Passei da admiração àquele respeito silencioso, reverente –
algo perigoso, eu sei, pois ele facilmente nos leva a estabelecer gurus – em relação
ao autor. A profunda humanidade, a compreensão deste espírito livre sobre a
realidade terrível, que nem os horrores de Auschwitz conseguiram domar,
entretanto, fizeram desta leitura uma emocionada constatação de que este livro –
Em Busca de Sentido – faz e fará todo
o sentido para a minha vida. É daqueles livros-referência. Não me importo, se
me criticarem por acharem a filosofia-psicoterapia do doutor Viktor Frankl
autoajuda.
Viktor Emil Frankl nasceu em Viena,
Áustria, a 26/03/1905 e faleceu em Viena, a 02/07/1997. Foi médico psiquiatra. Em
sua juventude, manteve correspondência com o pai da psicanálise, Sigmund Freud.
Já em 1921, Frankl deu sua primeira conferência sobre o tema A respeito do sentido da vida. Em 1925, já
como estudante de medicina, encontrou-se com Freud e se aproximou de Alfred
Adler. Um ano mais tarde, foi expulso da Association
de Psycologie Individuelle, por discordâncias com Adler.
Em setembro de 1942, Viktor Frankl,
sua esposa e família são presos, por serem judeus, e mandados para campos de
concentração. Só foi libertado ao final da guerra e toma, então, conhecimento
de que perdera sua família e sua esposa para o Holocausto nazista. Torna-se
diretor da policlínica de neurologia de Viena. Em 1948 doutora-se em filosofia,
defendendo a tese “O Deus Inconsciente”. Em 1955, torna-se professor de
neurologia na Universidade de Viena. Elabora, em grande parte usando suas
anotações e observações nos campos de concentração, a chamada logoterapia; em
1970, ele passa a lecionar numa universidade dos Estados Unidos e funda o
primeiro Instituto de Logoterapia do mundo. Recebeu o título de doutor honoris causa de diversas
universidades ao redor do globo, inclusive pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Como conferencista, deu palestras em vários lugares, tendo
passado pelo Brasil em 1984 (Porto Alegre), 1986 (Rio de Janeiro) e 1987 (Brasília).
A logoterapia é frequentemente
chamada de a terceira escola de terapia vienense. A primeira, a de Freud, centrada
nos desejos reprimidos do inconsciente; a segunda, a de Alfred Adler, para quem
as neuroses se originam das nossas ânsias pelo poder. A de Viktor parte de uma
outra premissa, a da vontade de sentido.
Explicando, se alguém não vê sentido em sua vida, isto lhe trará uma série de
problemas, podendo levá-lo ao suicídio. Para Frankl, se não se vê sentido para
a vida, não se verá, igualmente, um sentido para o sofrimento. Sob este ângulo,
toda a terapia deste psiquiatra se orienta para levar o paciente a descobrir ou
construir um sentido e sublimar o sofrimento. Esta explicação faz-se necessária
para se entender o livro.
Em
Busca de Sentido – Um psicólogo no campo de concentração nos relata os três
sofridos anos passados pelo doutor Viktor, principalmente em Auschwitz:
“Este livro não trata de fatos e acontecimentos externos, mas de experiências pessoais que milhares de prisioneiros viveram de muitas formas. É a história de um campo de concentração visto de dentro, contada por um de seus sobreviventes. Não vamos descrever os grandes horrores (já bastante denunciados, embora nem sempre se acredite neles), mas sim as inúmeras pequenas torturas. Em outras palavras, tentarei responder à seguinte pergunta: “De que modo se refletia na mente do prisioneiro médio a vida cotidiana do campo de concentração?” (página 15)
Sempre deste ponto de vista, o
autor vai pontuando a rotina horrorosa do campo. Desde o momento em que os prisioneiros
chegam e são selecionados, uns para a direita, outros para a esquerda. Depois se
sabe, aqueles que foram selecionados à direita são os que tiveram sorte (?), serão
mantidos vivos, para trabalhos forçados. Os outros, muito doentes ou com deficiências
graves, irão para a morte direta. Os que permanecem são despojados de suas
roupas, seus pertences, sua identidade e são tatuados com um número. Daí para
frente, nem a um nome terão direito; serão apenas um número.
“Os sapatos, com os quais em princípio podíamos ficar, foram um capítulo à parte. Calçados de relativa qualidade acabavam sendo tirados da gente, recebendo-se em troca um par que não servia. Deram-se mal aqueles que seguiram o conselho, aparentemente bem-intencionado, dos prisioneiros veteranos da guarda na antessala de cortar o cano alto de suas elegantes botas e disfarçar esse “ato de sabotagem” passando sabão no corte. A SS parecia estar esperando justamente por isso e mandou que todos se apresentassem para a vistoria dos sapatos. Quem entrasse em suspeita de ter cortado o cano de sua bota era obrigado a entrar num pequeno quarto contíguo. Pouco depois se ouviam os estalos do açoite e os berros dos torturados.” (página 30)
O sofrimento constante, as pequenas
torturas de todos os dias, executadas pelos capos,
os vigilantes diretos, acabam por levar uma boa parte dos prisioneiros a um
estado de apatia.
“Na maioria dos prisioneiros, a preponderância dos instintos primitivos e a peremptória necessidade de se concentrar sobre a pura e simples preservação da vida constantemente ameaçada suscitam uma depreciação radical de tudo aquilo que não serve a esse interesse exclusivo. Assim se explica a ausência absoluta de sentimentos por parte do prisioneiro quando avalia os acontecimentos.” (página 49)
Frankl anota que os impulsos
sexuais exaltados, tão comuns em prisioneiros comuns, não se manifestam num
campo de concentração. O doutor está entre aqueles que, de algum modo, têm uma
esperança no futuro, construída dia a dia – encontram um sentido para suas
miseráveis vidas. Sob o subtítulo Quando nada mais resta, ele nos relata:
“Enquanto avançamos aos tropeços, quilômetros a fio, vadeando pela neve ou resvalando no gelo, constantemente nos apoiamos um no outro, erguendo-nos e arrastando-nos mutuamente. Nenhum de nós pronuncia uma palavra mais, mas sabemos neste momento que cada um só pensa em sua mulher. Vez por outra olho para o céu onde vão empalidecendo as estrelas, ou para aquela região no horizonte em que assoma a alvorada por trás de um lúgubre grupo de nuvens. Mas agora meu espírito está tomado daquela figura à qual ele se agarra com uma fantasia incrivelmente viva, que eu jamais conhecera antes na vida normal. Converso com minha esposa. Ouço-a responder, vejo-a sorrindo, vejo seu olhar como que a exigir e animar ao mesmo tempo; e – tanto faz se é real ou não a sua presença – seu olhar agora brilha com mais intensidade que o sol que está nascendo.” (página 55)
E segue, na mesma página, um pouco
abaixo:
“Compreendo agora o sentido das coisas últimas e extremas que podem ser expressas em pensamento, poesia – e em fé humana: a redenção pelo amor e no amor!”
Enfatizando sempre a vivência
interior, única ênfase que pode manter a pessoa em relativo estado de sanidade
neste parque de horrores, Frankl vai fazendo suas observações e construindo as
premissas do que mais tarde, já fora do campo de concentração, se transformará
num corpo teórico consistente e coeso, a logoterapia.
Em dado momento, ele cita
Dostoiévski, o grande escritor russo (sempre ele!), depoimento, aliás, que está
transcrito para a quarta capa do livro: “Temo somente uma coisa: não ser digno
do meu tormento.” E Frankl conclui,
“A liberdade espiritual do ser humano, a qual não se lhe pode tirar, permite-lhe, até o último suspiro, configurar a sua vida de modo que tenha sentido. Pois não somente uma vida ativa tem sentido (...) Se é que a vida tem sentido, também o sofrimento necessariamente o terá.”
Dois pequenos ensaios vão completar
o volume Em Busca de Sentido. O
primeiro deles, Conceitos Fundamentais de
Logoterapia, como se depreende, vai nos explicar as bases de funcionamento
desta terapia calcada na construção de sentido para a vida do paciente. Não cabe
aqui resenhar este ensaio, mas apenas para o leitor ter uma ideia, o terapeuta
fala, por exemplo, da vontade de sentido.
Este conceito vai se contrapor, dentro da psicanálise freudiana, ao impulso da libido, do prazer; dentro da
psicoterapia individual de Adler, à vontade
de poder. Ou seja, nos limites da logoterapia, buscamos um sentido para
nossa vida e este sentido é individual, mutável e intransferível. Ele se torna
possível de alcançar quando temos uma vontade de sentido. E o sentido da vida
pode ser amar alguém, manter-se no trabalho, realizar um trabalho intelectual
(como aconteceu com Viktor, que escrevia suas observações em qualquer pedacinho
de papel no campo de concentração).
O doutor Frankl aborda a frustração existencial. Discorda de
Freud neste e em outros tantos pontos. Enquanto o pai da psicanálise afirma que,
aquele que questiona a própria existência é um neurótico, o logoterapeuta diz
que este questionamento é essencialmente humano, de alguém que busca para si um
sentido para a vida. Frankl cunha o termo neuroses
noogênicas – do termo grego noos,
mente – para designar qualquer coisa pertinente à dimensão especificamente
humana. É um pouco longo, mas acho que vale a pena transcrever o trecho inteiro
da exemplificação de um caso tratado pelo doutor:
“Um diplomata americano de alto escalão dirigiu-se a meu consultório em Viena a fim de continuar o tratamento psicanalítico iniciado cinco anos antes com um analista em Nova Iorque. Logo de início, perguntei-lhe por que ele pensava que deveria ser analisado, por que, em si, começara com a análise. Revelou-se que o paciente estava descontente com sua carreira e tinha extrema dificuldade em concordar com a política exterior dos Estados Unidos. Seu analista, no entanto, lhe havia dito repetidamente que ele devia tentar reconciliar-se com seu pai, porque o governo dos Estados Unidos bem como seus superiores eram “nada mais” que imagens paternas, e, consequentemente, a insatisfação com seu emprego se devia ao ódio inconsciente contra o pai. Uma análise que já vinha durando cinco anos induzira o paciente a aceitar cada vez mais as interpretações de seu analista, até que, de tantas árvores de símbolos e imagens, ele não mais conseguiu ver a floresta da realidade. Após algumas poucas entrevistas, ficou claro que sua vontade de sentido estava sendo frustrada por sua profissão e que ele na realidade ansiava engajar-se em outra espécie de trabalho. Como não tinha motivo para ele não largar sua profissão e abraçar outra, assim o fez, com os mais gratificantes resultados.” (página 127)
A última divisão do livro é outro
ensaio, desta vez sobre o que em logoterapia se entende por A Tese do Otimismo Trágico:
“Vamos começar perguntando-nos o que se deve entender por “otimismo trágico”. Em resumo, significa que a pessoa é e permanece otimista apesar da “tríade trágica”, como é chamada em logoterapia a tríade daqueles aspectos da existência humana que podem ser circunscritos por: 1) dor; 2) culpa; 3) morte.” (página 161)
No primeiro caso, o da dor,
recomenda Viktor, temos de considerá-la (a dor, o sofrimento) como evitável e
inevitável. Se for inevitável, há que se encontrar um sentido para ela; se for
evitável, há que se removê-la.
O segundo caso, o da culpa. Vale a
pena a transcrição das palavras do doutor Frankl a um conjunto de criminosos presos:
“Vocês são seres humanos como eu, e como tais tiveram a liberdade de cometer um crime, de tornar-se culpados. Agora, no entanto, vocês têm a responsabilidade de superar a culpa erguendo-se acima dela, crescendo para além de vocês mesmos e mudando pessoalmente para melhor.” (página 171)
O terceiro caso, a morte, o
terapeuta nos diz que, se ele fala de morte, também fala de vida, pois nos instantes
de que a vida é feita estamos morrendo, igualmente:
“Mas porventura não é essa transitoriedade algo que nos estimula e desafia a fazer o melhor uso possível de cada momento de nossas vidas? Certamente sim, e daí surge meu imperativo: Viva como se você estivesse vivendo pela segunda vez e como se tivesse agido tão erradamente na primeira vez como está por agir agora.” (página 172)
Para concluir, Viktor Frankl não
aceita a culpa coletiva. Ele nos diz que as responsabilidades são individuais.
Em
Busca de Sentido, um livro simplesmente maravilhoso. A logoterapia é contestada
pelos freudianos, junguianos e adlerianos por muitas colocações de Frankl,
entre as quais a valorização da dimensão espiritual do homem. Ele não condena a
religião, nem combate a ideia de Deus.
Nada sei de psicologia, leitor, nem
sou sequer um estudioso da matéria. Entretanto, este livro, em particular,
lançou luzes sobre algumas decisões de minha vida e sou grato ao autor por
isto. Adquiri um profundo respeito por este doutor Viktor Emil Frankl. Afinal,
alguém que sofreu o que ele sofreu em um campo de concentração, por três anos
sem trégua, tendo perdido toda sua família, esposa e mesmo assim, nunca ter-se
posto como vítima da Maldade Humana (assim mesmo, com maiúsculas, como se fosse
uma entidade supra-humana) dá autoridade e coerência ao seu método
psicoterápico.
E, respondendo porque este livro,
que vendeu milhões de exemplares no mundo todo, não figura sequer no segundo
lugar entre as preferências dos sobreviventes do holocausto (o primeiro lugar é
O Diário de Anne Frank), Frankl responde
que pode ser porque em seu livro, nenhuma vez figura a palavra judeu. Em nenhum trecho ele vocifera
contra os alemães. Ele compreende o humano, com suas oscilações entre o mal e o
bem, entre o acerto e o erro.
Em
Busca de Sentido é, por tudo o que se disse acima, uma destas obras
preciosas. A leitura dela me fez sentir quase um privilegiado por ter investido
tanto esforço, tanto tempo em me tornar um leitor razoavelmente maduro. E digo
razoavelmente porque este é um processo sem fim. Enquanto eu ler, estarei em
maturação. E isto está para mim, após a leitura deste volume, mais claro que
antes.
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