Título original: O Homem Mais
Inteligente da História
Autor: Augusto Cury
Editora: Sextante
Copyright: 2016
ISBN: 978-85-431-0435-5
Gênero literário: Romance
272 páginas
Bibliografia do autor (incompleta): Pais Brilhantes,
Professores Fascinantes, 2003; Filhos Brilhantes, Alunos Fascinantes, 2007; O
Mestre dos Mestres, vol. 1, O Mestre da Sensibilidade, vol. 2, O Mestre da
Vida, vol. 3, O Mestre do Amor, vol. 4, O Mestre Inesquecível, vol. 5 – todos de
2006; O Vendedor de Sonhos: O Chamado, 2008; O Vendedor de Senhos e A Revolução
dos Anônimos, 2009; O Semeador de Ideias, 2009. De Gênio e Louco Todo Mundo Tem
Um Pouco, 2009; O Código da Inteligência, 2008; O Código da Inteligência: Guia
de Estudo, 2009; O Código da Inteligência e A Excelência Emocional, 2011; Ansiedade
– Como Enfrentar o Mal do Século, 2013; Ansiedade – Como Enfrentar o Mal do Século,
para Filhos e Alunos, 2015; Ansiedade – Autocontrole – Como Controlar o
Estresse e Manter o Equilíbrio, 2016; Os Segredos do Pai-Nosso, 2007; A Sabedoria
Nossa de Cada Dia: Os Segredos do Pai-Nosso, 2007; Petrus Logus – O Guardião do
Tempo, 2014; Petrus Logus – Os Inimigos da Humanidade, 2016; O Homem Mais
Inteligente da História, 2016; O Homem Mais Feliz da História, 2017; Amor e
Sacrifício, 2018.
Uma
querida amiga me emprestou este O Homem Mais Inteligente da História, de Augusto Cury. Conheço o autor superficialmente,
de tanto ver seus livros expostos em gôndolas de livrarias e pela frequência
dele entre os livros mais lidos do ano. É indiscutivelmente, um autor que tem
seu público, respeito isso. Entretanto, provavelmente, se minha amiga não o tivesse
emprestado, não o teria lido, por impulso próprio. Teria perdido, desta forma,
uma boa oportunidade de conhecer Augusto Cury; normalmente, o autor é
relacionado a livros de autoajuda e este não é, decididamente, um gênero que eu
frequente. O Homem Mais Inteligente da História, lido sem qualquer tipo de preconceito, foi uma grata surpresa. Tanto
assim, que estou considerando seriamente se compro um exemplar para releitura,
seguido do volume dois, O Homem Mais Feliz da História e do volume três, Amor e Sacrifício. Estou pensando.
Augusto Jorge Cury nasceu em
02/10/1958, em Colina, São Paulo. Fez o curso de medicina pela Faculdade de
Medicina de São José do Rio Preto, tem doutorado internacional em Administração
de Empresas pela Florida Christian University (2013). Possui, ainda, título
livre em psicanálise e dedicou-se à pesquisa sobre as dinâmicas da emoção. Conta
também com pós-graduação pelo Centre Medical Marmottan, em Paris, e na PUC de
São Paulo. É considerado o autor mais lido dos últimos dez anos no Brasil;
recebeu o prêmio de melhor ficção do ano de 2009 da Academia Chinesa de
Literatura, pelo livro O Vendedor de Sonhos,
adaptado para o cinema em 2016, em produção brasileira dirigida por Jayme
Monjardim.
Com a publicação de Inteligência Multifocal, em 1999, ele
apresentou mais de trinta elementos essenciais para a formação da inteligência
humana, como o processo de interpretação e fluxo vital da energia psíquica. Desenvolveu
o projeto Escola da Inteligência, que tem como principal objetivo a formação de
pensadores por meio de aprendizagem das funções intelectuais e emocionais mais
importantes, como pensar antes de agir, proteger a emoção, colocar-se no lugar
dos outros, expor e não impor as ideias.
O psiquiatra Marco Polo é famoso e respeitado; cientista especializado no funcionamento da
mente e autor do primeiro programa mundial de gestão de emoção, participa de
uma reunião na ONU. É desafiado a estudar a inteligência de ninguém menos que
Jesus Cristo. O dificultador: Marco Polo é ateu.
Quando a plateia o instiga, ele
decide abraçar o desafio, impondo a condição de fazerem uma abordagem à luz da
ciência e não da religião. É seu mote: "quando a fé entra, a ciência sai". Mergulha fundo nos estudos sobre a mente e a
personalidade de Jesus; parte para um debate com Michael, neurocientista, Dr.
Alberto, teólogo católico, Dr. Thomas, teólogo protestante e Sofia, secretária
de Marco Polo e moderadora do evento.
Partirão do estudo do Evangelho de
Lucas, numa interessante composição interpretativa entre dois teólogos e dois
ateus:
“Chegando ao local do evento, sentaram-se na última fileira como no dia anterior. Sofia respirou lentamente. Olhou para Marco Polo e o viu tenso. Havia 55 pessoas presentes. Logo reconheceram os preletores: o professor doutor Alberto Mullen, teólogo do Vaticano, tão respeitado que algumas pessoas torciam para que um dia ele fosse papa. O outro conferencista era Thomas Hilton, protestante, doutor em teologia por Harvard, escritor renomado.” (página 56)
A eles se juntará, a convite de
Marco Polo, o neurocientista Dr. Michael Herman.
A proposta de análise de Marco Polo
partirá de um conjunto de dez habilidades básicas de Jesus:
- Habilidades de gestão e emoção;
- Capacidade de filtrar estímulos estressantes;
- Competência para debelar focos de tensão e se reinventar no caos;
- Capacidade para libertar seu imaginário e desenvolver a criatividade;
- Resiliência e limiar para suportar frustrações;
- Prazer sustentável e capacidade de contemplar o belo;
- Capacidade de pensar antes de reagir e autocontrole;
- Capacidade de ser empático e de construir pontes interpessoais;
- Habilidade de formar pensadores e mentes brilhantes;
- Capacidade de ser autor da própria história e consciência crítica.
Em sua vida particular, entretanto,
Marco Polo vive seus problemas. Sua esposa contrai uma doença rara, de difícil
tratamento. Seu filho adolescente, Lucas, em decorrência de tais dificuldades,
torna-se um usuário de drogas.
No plano mais geral da narrativa, o
debate entre os quatro convidados começa; aos poucos, as análises de Marco Polo
vão dando o tom, não de ateus contra religiosos, mas numa integração de
pareceres que convergem para uma avaliação firmada sob a psicologia, sociologia
e psicopedagogia.
A personalidade de Marco Polo se
impõe, na condução do debate:
“Marco Polo era um pesquisador raro. Usava muito mais do que o método socrático para fomentar perguntas: usava a arte da dúvida como um bisturi para penetrar em camadas mais profundas dos textos que lia, para revivê-los, dissecar suas implicações e enxergar seus limites e alcances. Tudo isso para ver os fatos com a menor contaminação possível. Por isso não se poupava, questionava suas proposições a cada instante. Queria enxergar o mundo como ele é, não como gostaria que fosse.” (página 162)
As análises sobre Jesus vão, pouco
a pouco, transformando não só a concepção comum sobre o Cristo, como também vão
mexendo em suas vidas – do ponto de vista intelectual e emocional. Afinal,
reverem o que sabem sobre o nazareno altera tanto a vida daquelas cinco pessoas
diretamente envolvidas no debate, quanto as de milhares de outras, que acompanham os
estudos via internet.
Uma pitada de suspense é
acrescentada à narrativa: atentados começam a acontecer, no sentido de fazer
aquela sequência de revisões sobre a figura intocável de Jesus cessarem:
“O tumulto foi grande, pessoas caíram umas por cima das outras. Pânico, choro, gritos por todos os lados. Marco Polo teve de proteger Sofia para ela não ser pisoteada. Felizmente ninguém se machucou. Mas, se não fosse pelo atraso, as consequências seriam terríveis. Não apenas os debatedores estariam mortos, mas muitos membros da plateia também.
A polícia especializada em ataques terroristas teve de revistar cada canto da universidade. Era a primeira vez que uma bomba explodia dentro da instituição. Os debatedores foram longamente interrogados. Sofia chorava apoiando-se no ombro de Marco Polo.” (página 250)
O
Homem Mais Inteligente da História foi nitidamente concebido como primeiro
elemento de uma série, pois termina, isto é, não termina, com a suspensão da
narrativa em um enorme “gancho”, a ser retomado no segundo volume, O Homem Mais Feliz da História. Esta forma
de compor uma série é diferente da de formatar as séries modernas: atualmente,
mesmo fazendo parte de uma trilogia, cada volume tem o seu final, constituindo
um volume independente.
Este livro é o que podemos chamar
de roman à thèse:
« Le roman à thèse est une expression utilisée en littérature pour classer des romans dans lesquels la réflexion philosophique, politique, scientifique ou religieuse prime sur l'histoire. Ce sont des romans mettant en scène des personnages destinés à illustrer ou représenter des concepts ou des courants philosophiques. Il s'agit d'un genre didactique qui naît principalement au xviiie siècle, avec les Lumières, à travers des auteurs tels que Denis Diderot ou Voltaire. L’œuvre se veut réaliste, « fondée sur une esthétique du vraisemblable et de la représentation » (Wikipedia).
“Romance de tese é uma expressão utilizada em literatura para classificar os romances nos quais a reflexão filosófica, política, científica ou religiosa preponderam sobre a história. Estes são os romances que põem em cena personagens destinados a ilustrar ou representar os conceitos ou as correntes filosóficas. Trata-se de um gênero didático que nasce principalmente no século XVIII, com os iluministas, por meio de autores tais como Denis Diderot ou Voltaire. A obra se quer realista, “fundada sobre uma estética da verdade e da representação.” (tradução livre)
E, por conta desta característica de
roman à thèse, temos alguns problemas
neste O Homem Mais Inteligente da
História, segundo minha leitura.
Alguns diálogos me pareceram terrivelmente
artificiais, como por exemplo:
“Países ricos podem ter um povo com baixos níveis de felicidade e vice-versa. O que acham da tese da FIB?
— Fascinante – disse Sofia.
— Encantadora – assegurou o Dr. Thomas.
— Espetacular – confirmou o Dr. Alberto.
— Admirável – declarou Michael.” (página 260)
Durante o debate, contando com
ateus e religiosos, mesmo em se tendo proposto que Jesus seria analisado sob a
luz da ciência, tanto os ateus quanto os religiosos abrem mão, generosamente demais, de suas posições longa
e densamente construídas diante da argumentação apresentada por Marco Polo. Que
ele, ateu, tenha se convencido, após profundo estudo, é aceitável; não será, do
meu ponto de vista, o aceite sem intensa
contra argumentação dos outros, no calor do debate.
Outro ponto a discutir, sempre
dentro da minha leitura, é que não temos propriamente personagens, mas sim tipos. Explico-me: a diferença entre
personagens, propriamente ditos e os tais tipos,
é que aqueles são mais densos, mais individualizados; já estes, são planos, sem
densidade psicológica. Isso é normal acontecer num roman à thèse e é exatamente por isso que, em sentido amplo, esta
classificação acaba por se contagiar de um sentido pejorativo. Enredo e
construção de personagens perdem para a defesa de ideias ou ideais.
Você leitor esperto, já identificou
no tamanho do drama avaliativo em que me meti com a leitura deste O Homem Mais Inteligente da História. Não
demora, e você dispara:
E aí, gostou do livro?
A resposta parece vir de cima do
muro: sim e não. Vou tentar colocar ordem na casa, sem saber se o convenço ou
não.
Gostei, sim: a análise da inteligência
de Jesus é muito interessante, traz para a discussão uma série de observações
em que não pensáramos antes. As propostas são inteligentes, feitas com propriedade,
por quem milita com o assunto.
Não, não gostei: como romance, do
ponto de vista de um artefato literário, o livro sofre de alguns pontos mal
realizados. Alguns, já abordei: personagens planos demais, parecem uns extensão
dos outros; além do mais, as cenas ditas
dramáticas não têm a carga de dramaticidade que deveriam ter; o enredo tem
flutuações ao longo da história, com muitos altos e baixos.
Pela apresentação das ideias, pelas
análises, eu compraria a trilogia toda – ou talvez preferisse os cinco volumes
de não ficção, a caixa contendo os “Mestres” (aborda, à maneira de ensaio as teses de Cury) relacionada na bibliografia de
Augusto Cury.
Difícil emitir uma opinião mais
embasada sobre o autor, pois não li outros volumes ficcionais dele, tão lido e
publicado no exterior. Parece que o melhor dos seus trabalhos é O Vendedor de Sonhos. Virou filme, que também não vi.
Enfim, se você é um leitor curioso
como eu, que aceita ler alguma interpretação diferente da canônica sobre a
figura sempre interessantíssima de Jesus Cristo, leia o livro. É o que tenho
para hoje.
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