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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Resenha nº 136 - O Homem Mais Inteligente da História, de Augusto Cury


Título original: O Homem Mais Inteligente da História
Autor: Augusto Cury
Editora: Sextante
Copyright: 2016
ISBN: 978-85-431-0435-5
Gênero literário: Romance
272 páginas
Bibliografia do autor (incompleta): Pais Brilhantes, Professores Fascinantes, 2003; Filhos Brilhantes, Alunos Fascinantes, 2007; O Mestre dos Mestres, vol. 1, O Mestre da Sensibilidade, vol. 2, O Mestre da Vida, vol. 3, O Mestre do Amor, vol. 4, O Mestre Inesquecível, vol. 5 – todos de 2006; O Vendedor de Sonhos: O Chamado, 2008; O Vendedor de Senhos e A Revolução dos Anônimos, 2009; O Semeador de Ideias, 2009. De Gênio e Louco Todo Mundo Tem Um Pouco, 2009; O Código da Inteligência, 2008; O Código da Inteligência: Guia de Estudo, 2009; O Código da Inteligência e A Excelência Emocional, 2011; Ansiedade – Como Enfrentar o Mal do Século, 2013; Ansiedade – Como Enfrentar o Mal do Século, para Filhos e Alunos, 2015; Ansiedade – Autocontrole – Como Controlar o Estresse e Manter o Equilíbrio, 2016; Os Segredos do Pai-Nosso, 2007; A Sabedoria Nossa de Cada Dia: Os Segredos do Pai-Nosso, 2007; Petrus Logus – O Guardião do Tempo, 2014; Petrus Logus – Os Inimigos da Humanidade, 2016; O Homem Mais Inteligente da História, 2016; O Homem Mais Feliz da História, 2017; Amor e Sacrifício, 2018.

Uma querida amiga me emprestou este O Homem Mais Inteligente da História, de Augusto Cury. Conheço o autor superficialmente, de tanto ver seus livros expostos em gôndolas de livrarias e pela frequência dele entre os livros mais lidos do ano. É indiscutivelmente, um autor que tem seu público, respeito isso. Entretanto, provavelmente, se minha amiga não o tivesse emprestado, não o teria lido, por impulso próprio. Teria perdido, desta forma, uma boa oportunidade de conhecer Augusto Cury; normalmente, o autor é relacionado a livros de autoajuda e este não é, decididamente, um gênero que eu frequente. O Homem Mais Inteligente da História, lido sem qualquer tipo de preconceito, foi uma grata surpresa. Tanto assim, que estou considerando seriamente se compro um exemplar para releitura, seguido do volume dois, O Homem Mais Feliz da História e do volume três, Amor e Sacrifício. Estou pensando.

Augusto Jorge Cury nasceu em 02/10/1958, em Colina, São Paulo. Fez o curso de medicina pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, tem doutorado internacional em Administração de Empresas pela Florida Christian University (2013). Possui, ainda, título livre em psicanálise e dedicou-se à pesquisa sobre as dinâmicas da emoção. Conta também com pós-graduação pelo Centre Medical Marmottan, em Paris, e na PUC de São Paulo. É considerado o autor mais lido dos últimos dez anos no Brasil; recebeu o prêmio de melhor ficção do ano de 2009 da Academia Chinesa de Literatura, pelo livro O Vendedor de Sonhos, adaptado para o cinema em 2016, em produção brasileira dirigida por Jayme Monjardim.

Com a publicação de Inteligência Multifocal, em 1999, ele apresentou mais de trinta elementos essenciais para a formação da inteligência humana, como o processo de interpretação e fluxo vital da energia psíquica. Desenvolveu o projeto Escola da Inteligência, que tem como principal objetivo a formação de pensadores por meio de aprendizagem das funções intelectuais e emocionais mais importantes, como pensar antes de agir, proteger a emoção, colocar-se no lugar dos outros, expor e não impor as ideias.

O psiquiatra Marco Polo é famoso e respeitado; cientista especializado no funcionamento da mente e autor do primeiro programa mundial de gestão de emoção, participa de uma reunião na ONU. É desafiado a estudar a inteligência de ninguém menos que Jesus Cristo. O dificultador: Marco Polo é ateu.

Quando a plateia o instiga, ele decide abraçar o desafio, impondo a condição de fazerem uma abordagem à luz da ciência e não da religião. É seu mote: "quando a fé entra, a ciência sai". Mergulha fundo nos estudos sobre a mente e a personalidade de Jesus; parte para um debate com Michael, neurocientista, Dr. Alberto, teólogo católico, Dr. Thomas, teólogo protestante e Sofia, secretária de Marco Polo e moderadora do evento.

Partirão do estudo do Evangelho de Lucas, numa interessante composição interpretativa entre dois teólogos e dois ateus:
“Chegando ao local do evento, sentaram-se na última fileira como no dia anterior. Sofia respirou lentamente. Olhou para Marco Polo e o viu tenso. Havia 55 pessoas presentes. Logo reconheceram os preletores: o professor doutor Alberto Mullen, teólogo do Vaticano, tão respeitado que algumas pessoas torciam para que um dia ele fosse papa. O outro conferencista era Thomas Hilton, protestante, doutor em teologia por Harvard, escritor renomado.” (página 56)
A eles se juntará, a convite de Marco Polo, o neurocientista Dr. Michael Herman.

A proposta de análise de Marco Polo partirá de um conjunto de dez habilidades básicas de Jesus:
  1. Habilidades de gestão e emoção;
  2. Capacidade de filtrar estímulos estressantes;
  3. Competência para debelar focos de tensão e se reinventar no caos;
  4. Capacidade para libertar seu imaginário e desenvolver a criatividade;
  5. Resiliência e limiar para suportar frustrações;
  6. Prazer sustentável e capacidade de contemplar o belo;
  7. Capacidade de pensar antes de reagir e autocontrole;
  8. Capacidade de ser empático e de construir pontes interpessoais;
  9. Habilidade de formar pensadores e mentes brilhantes;
  10. Capacidade de ser autor da própria história e consciência crítica.

Em sua vida particular, entretanto, Marco Polo vive seus problemas. Sua esposa contrai uma doença rara, de difícil tratamento. Seu filho adolescente, Lucas, em decorrência de tais dificuldades, torna-se um usuário de drogas.

No plano mais geral da narrativa, o debate entre os quatro convidados começa; aos poucos, as análises de Marco Polo vão dando o tom, não de ateus contra religiosos, mas numa integração de pareceres que convergem para uma avaliação firmada sob a psicologia, sociologia e psicopedagogia.

A personalidade de Marco Polo se impõe, na condução do debate:
“Marco Polo era um pesquisador raro. Usava muito mais do que o método socrático para fomentar perguntas: usava a arte da dúvida como um bisturi para penetrar em camadas mais profundas dos textos que lia, para revivê-los, dissecar suas implicações e enxergar seus limites e alcances. Tudo isso para ver os fatos com a menor contaminação possível. Por isso não se poupava, questionava suas proposições a cada instante. Queria enxergar o mundo como ele é, não como gostaria que fosse.” (página 162)
As análises sobre Jesus vão, pouco a pouco, transformando não só a concepção comum sobre o Cristo, como também vão mexendo em suas vidas – do ponto de vista intelectual e emocional. Afinal, reverem o que sabem sobre o nazareno altera tanto a vida daquelas cinco pessoas diretamente envolvidas no debate, quanto as de milhares de outras, que acompanham os estudos via internet.

Uma pitada de suspense é acrescentada à narrativa: atentados começam a acontecer, no sentido de fazer aquela sequência de revisões sobre a figura intocável de Jesus cessarem:
“O tumulto foi grande, pessoas caíram umas por cima das outras. Pânico, choro, gritos por todos os lados. Marco Polo teve de proteger Sofia para ela não ser pisoteada. Felizmente ninguém se machucou. Mas, se não fosse pelo atraso, as consequências seriam terríveis. Não apenas os debatedores estariam mortos, mas muitos membros da plateia também.
A polícia especializada em ataques terroristas teve de revistar cada canto da universidade. Era a primeira vez que uma bomba explodia dentro da instituição. Os debatedores foram longamente interrogados. Sofia chorava apoiando-se no ombro de Marco Polo.” (página 250)
O Homem Mais Inteligente da História foi nitidamente concebido como primeiro elemento de uma série, pois termina, isto é, não termina, com a suspensão da narrativa em um enorme “gancho”, a ser retomado no segundo volume, O Homem Mais Feliz da História. Esta forma de compor uma série é diferente da de formatar as séries modernas: atualmente, mesmo fazendo parte de uma trilogia, cada volume tem o seu final, constituindo um volume independente.

Este livro é o que podemos chamar de roman à thèse:

« Le roman à thèse est une expression utilisée en littérature pour classer des romans dans lesquels la réflexion philosophique, politique, scientifique ou religieuse prime sur l'histoire. Ce sont des romans mettant en scène des personnages destinés à illustrer ou représenter des concepts ou des courants philosophiques. Il s'agit d'un genre didactique qui naît principalement au xviiie siècle, avec les Lumières, à travers des auteurs tels que Denis Diderot ou Voltaire. L’œuvre se veut réaliste, « fondée sur une esthétique du vraisemblable et de la représentation » (Wikipedia).

“Romance de tese é uma expressão utilizada em literatura para classificar os romances nos quais a reflexão filosófica, política, científica ou religiosa preponderam sobre a história. Estes são os romances que põem em cena personagens destinados a ilustrar ou representar os conceitos ou as correntes filosóficas. Trata-se de um gênero didático que nasce principalmente no século XVIII, com os iluministas, por meio de autores tais como Denis Diderot ou Voltaire. A obra se quer realista, “fundada sobre uma estética da verdade e da representação.” (tradução livre)

E, por conta desta característica de roman à thèse, temos alguns problemas neste O Homem Mais Inteligente da História, segundo minha leitura.

Alguns diálogos me pareceram terrivelmente artificiais, como por exemplo:
“Países ricos podem ter um povo com baixos níveis de felicidade e vice-versa. O que acham da tese da FIB?
— Fascinante – disse Sofia.
— Encantadora – assegurou o Dr. Thomas.
— Espetacular – confirmou o Dr. Alberto.
— Admirável – declarou Michael.” (página 260)
Durante o debate, contando com ateus e religiosos, mesmo em se tendo proposto que Jesus seria analisado sob a luz da ciência, tanto os ateus quanto os religiosos abrem mão, generosamente demais, de suas posições longa e densamente construídas diante da argumentação apresentada por Marco Polo. Que ele, ateu, tenha se convencido, após profundo estudo, é aceitável; não será, do meu ponto de vista, o aceite sem intensa contra argumentação dos outros, no calor do debate.

Outro ponto a discutir, sempre dentro da minha leitura, é que não temos propriamente personagens, mas sim tipos. Explico-me: a diferença entre personagens, propriamente ditos e os tais tipos, é que aqueles são mais densos, mais individualizados; já estes, são planos, sem densidade psicológica. Isso é normal acontecer num roman à thèse e é exatamente por isso que, em sentido amplo, esta classificação acaba por se contagiar de um sentido pejorativo. Enredo e construção de personagens perdem para a defesa de ideias ou ideais.

Você leitor esperto, já identificou no tamanho do drama avaliativo em que me meti com a leitura deste O Homem Mais Inteligente da História. Não demora, e você dispara:

E aí, gostou do livro?

A resposta parece vir de cima do muro: sim e não. Vou tentar colocar ordem na casa, sem saber se o convenço ou não.

Gostei, sim: a análise da inteligência de Jesus é muito interessante, traz para a discussão uma série de observações em que não pensáramos antes. As propostas são inteligentes, feitas com propriedade, por quem milita com o assunto.

Não, não gostei: como romance, do ponto de vista de um artefato literário, o livro sofre de alguns pontos mal realizados. Alguns, já abordei: personagens planos demais, parecem uns extensão dos outros; além do mais, as cenas ditas dramáticas não têm a carga de dramaticidade que deveriam ter; o enredo tem flutuações ao longo da história, com muitos altos e baixos.

Pela apresentação das ideias, pelas análises, eu compraria a trilogia toda – ou talvez preferisse os cinco volumes de não ficção, a caixa contendo os “Mestres” (aborda, à maneira de ensaio as teses de Cury) relacionada na bibliografia de Augusto Cury.

Difícil emitir uma opinião mais embasada sobre o autor, pois não li outros volumes ficcionais dele, tão lido e publicado no exterior. Parece que o melhor dos seus trabalhos é O Vendedor de Sonhos. Virou filme, que também não vi.

Enfim, se você é um leitor curioso como eu, que aceita ler alguma interpretação diferente da canônica sobre a figura sempre interessantíssima de Jesus Cristo, leia o livro. É o que tenho para hoje.

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