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segunda-feira, 21 de abril de 2014

Resenha nº 39 - A Partitura do Adeus, de Pascal Mercier

O autor de A Partitura do Adeus é o mesmo de Trem Noturno para Lisboa, já resenhado neste blog. Pascal Mercier é o pseudônimo de Peter Bieri, nascido em Berna, Suíça,  em 1944. Seu romance anterior vendeu, em todo o mundo, mais de 2 milhões de exemplares e foi traduzido para 15 idiomas, entre os quais o Português.

Martijn Van Vliet conhece, por acaso, Adrian Herzog. Era um dia frio, num café na Provence francesa e ambos são provenientes de Berna. Decidem então fazer a viagem de volta para casa juntos, o que cria entre eles uma intimidade que será fundamental para o desenrolar da história, como iremos ver.

Adrian Herzog era médico cirurgião, casado com Joanne; o casal tem uma filha, Leslie. Como Herzog nunca parava em casa, não dando muita atenção à família, Joanne se separa dele e vai para os EUA, levando Leslie e deixando-lhe uma contundente avaliação: “as a father, you’re failure” (como um pai, você falhou). O relacionamento com a filha tinha sido sempre distante.

Van Vliet era professor universitário e também fora casado, com Caroline; a filha se chamava Lea. A esposa adoecera e morrera precocemente. A filha fica sob sua responsabilidade e ambos têm de reaprender a vida sem Caroline. Lea e Martijn têm um relacionamento difícil. Ele tenta desastradamente manter uma conexão afetiva com a menina de 8 anos de idade, que se recolhe ao silêncio.

O professor e o ex-cirurgião (Adrian perdera totalmente sua autoconfiança como médico e se afastara do cargo) viajam juntos e isso possibilita a Van Vliet comentar sua própria vida. É por seu ponto de vista que tomamos conhecimento dos fatos.

O ponto de mudança da história se dá quando o pai e Lea caminham pelas ruas de Berna e encontram uma mulher, Loyola de Cólon,  tocando uma partitura de Bach ao violino. Lea como que ganha vida, desperta do seu mutismo e da falta de desejos e decide ter de aprender a tocar violino:

“Lea ficou parada. Nada nela tinha se alterado, seu transe se mantinha, e ainda era como se as pálpebras não conseguissem realizar sua tarefa pela impressão avassaladora do ocorrido. Havia algo infinitamente comovente em sua negação de acreditar que a apresentação tinha terminado. O desejo de que continuasse, continuasse para sempre, era tão forte que ela não acordou nem quando foi atropelada por alguns passageiros apressados. Lea continuou na nova posição com a segurança inconsciente de uma sonâmbula, o olhar imóvel dirigido a Loyola, como se a violinista fosse  uma marionete de seu olhar, que podia obrigá-la a continuar tocando. Nisso, na firmeza desse olhar, anunciava-se a extraordinária e, por fim, destruidora força de vontade de Lea, que se mostraria cada vez mais nos próximos anos.” (página 21)

Van Vliet compra um violino para a filha, matricula-a em aulas particulares do instrumento. A menina revela uma obstinação e um talento excepcionais e sob a orientação segura da professora Marie Pasteur e depois com a assessoria de um dos maiores violinistas da Suíça, David Lévy, Lea desabrocha e se torna uma musicista de primeiro time.

Entretanto, o pai não poderia adiantar as complicações daí advindas. Um trágico destino se inicia exatamente com aquela decisão de aprender violino. O sucesso de Lea aprofunda o abismo existente entre os dois. Parece a Martijn que, independente do que faça, há um destino implacável que controla a vida de pai e filha.

O romance é muito bem escrito, como o fora Trem Noturno Para Lisboa. Todavia, gostei muito mais do primeiro. Esta é uma narrativa trágica. Entre Adrian e Van Vliet não se estabelece propriamente uma amizade, mas uma aproximação de duas solidões irremediáveis. O professor realiza, durante a viagem de volta a Berna, uma enorme catarse com a qual também Adrian se identifica. Inicialmente, ele não deseja viajar com o atormentado pai de Lea, nem queria escutar sua história. Mas, pela solidão de ambos, Herzog termina por se constituir ouvinte de tudo.

Talvez o que tenha, definitivamente, feito com que eu não apreciasse tanto A Partitura do Adeus seja um motivo puramente subjetivo: não gosto do tema da inevitabilidade de um destino já traçado, pois não creio nisso. Mas está lá o estilo objetivo e conciso que tanto caracteriza Pascal Mercier.

À medida que vamos lendo muito, acredito irmos nos descolando de avaliações impressionistas do tipo “o livro é bom porque gostei dele”, “o livro não presta porque não gostei dele”. Esse tipo de julgamento seria extremamente injusto com o presente trabalho. É um bom livro, o texto é fluente, as informações que formam o enredo estão dispostas de maneira progressiva, de modo a levar o leitor a se interessar pela leitura até o fim. O drama dos personagens é bastante real – enfim, a história é verossímel.

Gostar ou não gostar, afinal, é já com o campo dos sentimentos e emoções e cada um de nós tem suas preferências em tudo. Isso faz com que sejamos seres individuais e livres.

MERCIER, Pascal. A Partitura do Adeus. Editora Record. Rio de Janeiro, RJ: 2013.

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