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terça-feira, 2 de maio de 2023

Resenha nº 204 - Mama, de Terry McMillan

 

 



Título Original: Mama

Autora: Terry McMillan

Tradutor: Petê Rissatti

Editora: TAG

Edição: 1ª

Copyright: 1987

ISBN: 978-65-88526-22-4

Gênero literário: romance

Origem: Literatura americana

 

Terry McMillan nasceu em Port Huron, no estado americano de Michigan, em 18/1/1951. O interesse dela por livros data de quando ela começou a trabalhar em biblioteca pública, na idade de 16 anos. Recebeu seu bacharelato em jornalismo, em 1986, pela Universidade da Califórnia (Bekerley). Todo o seu trabalho é caracterizado por fortes protagonistas femininas.

Seu livro de estreia foi este Mama – um volume auto-publicado. O sucesso, entretanto, lhe chegou pelo reconhecimento do seu terceiro trabalho, Waiting to Exhale, em 1992. Esta obra permaneceu na lista dos mais vendidos por onze semanas.

Terry publicou, ainda: How Stella Got Her Groove Back, Disappearing Acts, A Day Late and a Dollar Short, The Interruption of Everything. Getting to Happy, a aguardada sequência de Waiting to Exhale, saiu em 7/9/2010.

Mildred é a protagonista do romance Mama. O parágrafo inicial é impactante:

“Mildred escondeu o machado debaixo do colchão do catre eu ficava na sala de jantar. Derramou soda cáustica diluída em um saco de papel pardo e o enfiou atrás das panelas e frigideiras embaixo da pia da cozinha. Em seguida, verificou todas as três facas de açougueiro para garantir que as lâminas estavam afiadas. Sabia onde poderia conseguir uma arma em quinze minutos, mas, desde que viu seu irmão ser baleado por roubar uma cerveja do salão do bilhar, tinha medo de armas de fogo. Além disso, Mildred não queria matar Crook, só queria machucá-lo.” (página 10)

Mildred é uma mulher negra e pobre. Como se depreende do parágrafo inicial, seu estado de prontidão contra os ataques dos seus conterrâneos é evidente. Crook é marido dela, mas é uma relação na qual a dureza da vida, as limitações impostas tiram um tanto a sensibilidade das pessoas. Esta família vive na cidade fictícia de Point Haven.

Mas, Point Haven é e não é um local fictício. Ele emula a cidade de Detroit, no estado de Michigan. É a mais populosa cidade daquele estado americano. Há casos em que vale a pena, para uma maior contextualização fornecer alguns dados extra história, para melhor contextualização do leitor. E, no caso, há certas curiosidades saborosas.

Detroit é de fundação francesa, em 1701, por certo francês de nome Antoine de Lamonthe Cadillac. Com o nome inicial de Fort Ponchartrain du D’Étroit, teve esta última expressão “D’Étroit” (estreito, em francês) adaptada para a pronúncia em inglês e se rebatizou para Detroit. É, até hoje, a capital americana do automóvel, tendo as sedes da General Motors e da Ford montadas ali.

Por volta dos anos 60, o progresso da cidade arrefeceu. A concorrência com os automóveis importados do Japão e da Coreia do Sul (os tigres asiáticos, lembram-se?), a globalização cada vez mais intensa acabaram fechando as empresas locais. A icônica montadora Packard não é mais que um ponto turístico hoje; pouco a pouco, Detroit passa da condição de “motor dos EUA” para uma cidade fantasma.

Mildred tem cinco filhos, cujos nomes são trocados pelos chamados “apelidos de casa”: Dim-Dim, Lindinha, Anjinho e Boneca. A exceção que consegue ser reconhecida pelo nome próprio é Freda. De todos, o mais complicado é Dim-Dim. O apelido foi criado por ele sempre gostar muito de dinheiro.

Freda é outra personagem forte, dando suas cabeçadas, mas abrindo seu próprio caminho:

“Na verdade, Freda esperava que, no seu décimo terceiro aniversário, seu pai estivesse morto ou divorciado. Começou a odiá-lo, não conseguia entender por que Mildred simplesmente não o abandonava. Então, poderiam ir para a assistência social, como todo mundo parecia estar fazendo em Point Haven. Não se atrevia a sugerir isso para a mãe.  Freda sabia que ela odiava conselhos, por isso fazia o que Mildred não estava acostumada a fazer: mantinha a boca fechada.” (página 20)

A moral de Mildred é algo duvidosa, como entre nós, os seres não ficcionais. Isso lhe confere uma credibilidade paradoxal. Sim, por que como pode ser, alguém assim de moral duvidosa, um ser humano crível? Exatamente porque nós nos movimentamos para conseguir nossos interesses; vem sendo cada vez mais comum esta filosofia de “os fins justificam os meios”.

Mildred é verdadeira. É capaz de lutar pelo que acha ser certo e os valores familiares são sagrados, apesar de a sua ser uma família disfuncional. Quando Dim-Dim é preso, ela vai correndo livrá-lo da cadeia. E, espelhando-se fortemente em Freda, que se muda para a Califórnia, onde acredita estarem suas melhores chances de obter o desejado, Mildred também vai viver, por um tempo, naquele estado.

Como acontece muitas vezes, quando vivemos um período em uma cidade muito maior, na primeira vez que Mildred vai visitar Freda na Califórnia e retorna para Point Haven, suas impressões sobre sua cidade natal se modificam:

“Point Haven havia encolhido. Parecia que Mildred estivera fora por um ano e não apenas quinze dias. As ruas pareciam mais estreitas e curtas, as casas mais velhas e precárias. Até as pessoas em South Park pareciam ter envelhecido, e suas roupas pareciam ser de outra época. Agora, para ela, o quintal da frente de sua casa era apenas um canteiro com grama.” (página 159)

Mama é um romance de crítica social, sem ser panfletário. Notamos que os candidatos à assistência social são sempre os pretos, por estarem numa condição financeira inferior. Eles moram numa parte de Point Haven chamada de Fundão – lugar desvalorizado, que ninguém quer. Os empregos, de uma forma geral, circulam ao redor da General Motors e a Ford Motor Company.  

As edições da TAG – Experiências Literárias envia sempre, junto aos seus livros, uma revista na qual se aprofundam os comentários e se traçam contextualizações. Não abro mão desta publicação, valiosa pelo menos para mim:               

“Tudo isso ocorre no início dos anos 60. A família de Mildred Peacock vive em Point Haven, no Michigan, cujos habitantes, em sua maioria, nunca tinha ouvido falar de Malcom X, e apenas alguns tinham ideia de que tinha sido Martin Luther King. As tensões raciais da época, entretanto, permeiam constantemente a trajetória dos personagens: “A maioria dos negros não conseguia encontrar emprego e, como resultado, tinham tanto tempo livre nas mãos que, quando estavam lisos como um azulejo, entediados consigo mesmos ou chateados com tudo porque a vida havia se transformado em uma imensa decepção, sua insatisfação entrava em erupção e explodia.” (página 9 da revista)     

Terry McMillan é muitas vezes comparada a Alice Walker, autora de A Cor Púrpura. Ambas têm em seus trabalhos mulheres negras fortes e determinadas, tendo de se afirmarem contra tudo e contra todos. E o que é uma falha inexplicável, por que Mama, só agora tem uma primeira edição no Brasil, e assim mesmo inteiramente bancada pela TAG? 

Este é um livro a que voltarei, sem dúvida. Um romance com "r" maiúsculo, como dizemos por aqui. Recomendo-o sem medo de errar.                                                                                                                                                                        

 

 

 

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