Autora:
Adriana Lisboa
Editora:
Alfaguara (Ed. Objetiva)
Edição:
1ª edição, 2014
Copyright:
2010
Gênero
Literário: Romance
Bibliografia
da autora: Romances – Os fios da memória,
1999; Sinfonia em branco, 2001; Um beijo de colombina, 2003; Rakushisha, 2007; Azul-corvo, 2010; Hanói,
2013; Poesia – Parte da paisagem,
2014; Contos – Caligrafias, 2004; Contos populares japoneses, 2008; O sucesso, 2016; Livros infantis e
juvenis – Língua de trapos, 2005; O coração às vezes para de bater, 2007; A sereia e o caçador de borboletas.
Participação em antologias literárias e coletâneas de contos: 25 mulheres que estão fazendo a nova
literatura brasileira (org. Luiz Ruffato), 2004; Prosas cariocas (org. Marcelo Moutinho e Flávio Izhaki), 2004; Aquela canção, 2005; Rio literário (org. Beatriz Resende),
2005; Contos que contam, 2005; Lusofônica – La nuova narrativa in língua portoghese,
2006; Antología de cuento latinoamericano,
2007; Inimigo rumor nº 19 (revista
poesia), 2007; Dicionário amoroso da
língua portuguesa (org. Marcelo Moutinho e Jorge Reis-Sá), 2009; Brazil: A traveler’s literary companion
(org. Alexis Levitin), 2010; Brasilien
berättar: Ljud av steg (Estocolmo), 2011; Amar, verbo atemporal (org. Celina Portocarrero), 2012; Revista Granta em português, vol. 1: Medidas extremas, 2013.
Prêmios:
José Saramago, por Sinfonia em branco,
2003; Prêmio Moinho Santista, pelo conjunto da obra, 2005; Prêmio e Autor
Revelação da FNLIJ - Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, por Língua de Trapos, 2006; Altamente
recomendável pela mesma FNLIJ, por Língua
de trapos e Contos populares
japoneses; finalista do Prêmio Jabuti, categoria romance, com Um beijo de colombina, 2004 e Rakushisha, 2008; Hay Festival,
selecionada entre os 39 mais importantes autores latino-americanos até 39 anos;
finalista do Prémio Literário Casino da Póvoa, Portugal, com Rakushisha; finalista do Prix des
Lectrices de Elle Magazine, França, por Sinfonia
em branco; finalista do PEN Center USA Literary Awars, por Sinfonia em Branco, 2011; finalista do
Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio
Zaffari & Bourbon, por Azul-corvo,
2011; finalista do Prêmio São Paulo de Literatura por Hanói, 2014.
Adriana Lisboa nasceu no Rio de
Janeiro, em 1970 e cresceu em sua cidade natal. Depois, mudou-se para a França,
em Paris e Avignon; a partir de 2007 vive a maior parte do tempo nos Estados
Unidos, numa localidade próxima a Boulder, no Colorado. Seus livros foram
traduzidos para vários idiomas: inglês, francês, espanhol, alemão, árabe,
italiano, sueco, romeno e sérvio e publicados em catorze países. Pelo seu
romance Sinfonia em branco, como consta de sua bibliografia acima, ganhou o Prêmio
José Saramago, entre outros galardões literários. Adriana formou-se em música
pela Uni-Rio, foi cantora de MPB na França, então com dezoito anos; mais tarde,
abraçou a carreira de professora de música no Rio e atuou, também como
tradutora. Fez mestrado em literatura brasileira e doutorado em literatura
comparada pela UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisadora
visitante no Nichibunken, em Kyoto, em 2006, na Universidade do Novo México, em
2007 e na Universidade do Texas, em Austin, de 2008 a 2009. Traduziu autores
como Cormac McCarthy, Margaret Atwood, Stefan Zweig, Robert Louis Stevenson,
Jonathan Safran Foer, Emily Bronte e Maurice Blanchot. Sua novela O coração às
vezes para de bater foi adaptada para o cinema, no Brasil, por Maria Camargo, num
premiado filme de curta-metragem.
Eu não a conhecia, fato de que me
penitencio agora, ao resenhar este excelente Azul-corvo. Tomei contato com o nome Adriana Lisboa por meio do
pessoal da TAG – Experiências Literárias, quando recebi o kit de maio/2016,
pois Adriana foi a curadora do mês e indicou-nos O caminho estreito para os confins do norte, de Richard Flanagan –
já resenhado neste blog.
A protagonista de Azul-corvo é Evangelina, mais conhecida
pelo apelido de Vanja. É uma adolescente de treze anos e deixa o Rio de Janeiro
para ir morar num subúrbio de Denver, no Colorado, EUA. Sua mãe havia morrido e
ela parte em busca do pai, do qual não sabe muitas coisas. Havia escrito a ele
(Fernando) uma carta, utilizando o endereço de que dispunha; ele respondeu,
dizendo que sim, poderia recebê-la em terras americanas. Já em contato com ele,
Vanja fica sabendo: Fernando, seu pai, não é seu pai. A pedido de sua mãe, ele
registrara seu nome, na Certidão de Nascimento de Evangelina, como seu
progenitor. Daí para frente, a vida de Vanja será a busca da sua própria
identidade, de seu pai biológico verdadeiro, um tal de Daniel, com quem sua mãe
tivera uma rápida relação.
Este não é um spoiler; é apenas a trama básica, sobre
a qual se constituirá o romance Azul-corvo.
Muitas e muitas peripécias vão acontecer, Vanja encontrará outras personagens,
como Elisa, Isabel, Carlos, Florence; saberá com mais minúcias do passado de
Fernando, a quem se afeiçoa.
O personagem Carlos explica à Vanja
que existem dois tipos de corvos, o corvus corax (raven, em inglês) e o corvus brachyrhynchos
(crow, em inglês). O raven tem características mais individuais,
enquanto o crow é mais sociável. Mas os
crows possuem uma característica mais
interessante: quando jovens, seus olhos são azul-claros, escurecendo depois. É
essa mudança (ou indefinição) que liga a característica da ave ao tema do
livro.
A simplicidade da trama é um
achado. O romance não se caracteriza como uma obra de ação, mas um trabalho de
reflexão. O que move Vanja, e também afeta os outros personagens é a busca da
identificação. Vejamos um pequeno trecho:
“Eu tinha treze anos. Ter treze anos é como estar no meio de lugar nenhum. O que se acentuava devido ao fato de eu estar no meio de lugar nenhum. Numa casa que não era minha, numa cidade que não era minha, num país que não era o meu, com uma família de um homem só que não era, apesar das interseções e das intenções (todas elas muito boas), minha.
Os nós dos dedos ficavam esbranquiçados, querendo rachar. Era estranho. Eu parecia me transformar progressivamente em outra coisa, como se estivesse passando por uma lenta mutação.” (página 16)
O tom que perpassa o livro é o de
uma amargura contida, mas que, estranhamente, não impossibilita algo de
esperança de um futuro. E um dos recursos literários de que se vale Adriana Lisboa
– ela é, sem dúvida, uma escritora que sabe manejar muito bem vários deles – é a
ironia:
“Quanto a mim, quando alguém me perguntava o que eu gostaria de ser quando crescesse só me passavam pela cabeça atividades que se desenrolassem numa faixa de areia, diante de alguma arrebentação. Vendedora de empada? Assim, o ano compartilhado entre Copacabana e a Barra do Jucu, com a máquina possante chamada Fiat 147, era cem por cento conveniente. E fora Janis Joplin viva, nada mais me faltava. Nunca.” (páginas 46/47)
Permito-me transcrever outro
trecho, pois, ao mesmo tempo em que ele me servirá para dar ao leitor uma ideia
do estilo detalhista da autora, ainda nos dará a indicação do tempo em que
Vanja vivia (ainda pequena) no Brasil:
“Os anos eram os noventa e ela votava para presidente da República, todos os brasileiros maiores de idade votavam para presidente da República, ainda estavam aprendendo a manejar esse grau de civismo, mas um dia chegariam lá, ela dizia. Chegaríamos lá. Se eu não fosse uma criança tão pequena, à época, poderia ter perguntado como, se a primeira coisa que o primeiro presidente eleito democraticamente em três décadas tinha feito, em seu primeiro dia de governo, havia sido confiscar o dinheiro que as pessoas tinham na caderneta de poupança. Segundo ele, ia devolver depois. Isso aconteceu um ano antes da nossa volta ao Brasil e minha mãe lavava as mãos, mas Elisa certamente esbravejou e disse palavrões que eu poderia ter registrado para futura referência, se estivesse presente e tivesse condições de entendê-la. Mas, fosse como fosse, eles eram adultos e deviam saber o que estavam fazendo, elegendo-se, confiscando-se, xingando-se.” (páginas 41/42, destaques da autora)
Fernando havia sido um militante
na Guerrilha do Araguaia. De acordo com a Wikipédia, a “Guerrilha do Araguaia
foi um movimento guerrilheiro existente na região amazônica brasileira, ao
longo do rio Araguaia, entre fins da década de 1960 e a primeira metade da
década de 1970. Criada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), tinha por
objetivo fomentar uma revolução socialista, a ser iniciada no campo, baseada
nas experiências vitoriosas da Revolução Cubana e da Revolução Chinesa.”
Vanja se apodera dos relatos de
Fernando e nos repassa; a participação de Fernando nos fatos narrados sobre a
Guerrilha do Araguaia vai ser o que justificará a permanência dele lá nos
Estados Unidos. Os guerrilheiros trouxeram vários benefícios para a população
pobre da região: assistência médica gratuita, alfabetização, enquanto recebiam
treinamento eficiente; logo, vários dos militantes eram capazes de sobreviver
sozinhos na selva, portando apenas armas, munição, sal e farinha.
Há no livro todo um sentimento de
não pertencimento a qualquer lugar; ao tomar imigrantes ilegais nos Estados
Unidos, Adriana Lisboa acentua essa sensação, que se não chega a ser nomeada
explicitamente pelos personagens criados, permeia a psique de todos eles. A
família de Carlos é porto-riquenha, vive assustada com as intervenções
policiais próximas a sua casa.
Fernando trabalha como vigia numa
biblioteca pública, coisa que – raciocina Vanja em determinado trecho – é no
mínimo estranho, pois se, como dizia o escritor argentino Borges, “sempre
imaginei o paraíso como um tipo de biblioteca”, como então um lugar com status
de paraíso poderia precisar de um vigia?
Azul-corvo é um livro absolutamente sensacional. Adriana Lisboa,
uma escritora de mão-cheia, como diziam os antigos. Dá vontade de sair copiando
trechos, deixar o texto falar por si e, por isso mesmo, o leitor há de ser
paciente e me perdoará por mais uma transcrição (a última, prometo!).
Escolhi uma pequena parte, na
qual outra característica do estilo lisboano fica bem evidente: o da palavra-que-puxa-outra-palavra,
ou ideia-puxa-outra-ideia:
“Fui eu quem consegui nos tirar do corn maze. Fernando deixou tudo por minha conta. Carlos estava nervoso, com o mesmo nervosismo de uma criança pequena que vai ver pela bilionésima vez o lobo mau tentando enganar a Chapeuzinho. E que olhos grandes você tem etc. O drama se encena mesmo quando o desfecho já é sabido de cor. E você do mesmo jeito. É desse modo que as crianças testam o mundo, verificam se ele de fato vai dar sempre a mesma resposta para a mesma pergunta. E concluem que sim. Mais uma das promessas falsas de campanha do mundo adulto. Sim, Carlos, somos coerentes. Cresça e veja você mesmo. ” (página 145)
A referência feita à personagem
Chapeuzinho Vermelho, de nossas histórias infantis evoca a visualização dos
acontecimentos da própria história. (Esse processo mental é muito comum e se
constitui em certo tipo de intertextualidade (um texto dialoga com outro, num
jogo de espelhos).
A leitura de Azul-corvo foi repleta de prazer da boa leitura e gratas
descobertas estilísticas. Livro destinado a várias releituras no futuro, por
isso, vai a recomendação. Boa leitura, leitor amigo!
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