Autor:
Edney Silvestre
Editora:
Intrínseca
Copyright:
2013
Número
de páginas: 242
Gênero
Literário: Romance
ISBN:
978-85-8057-389-3
Romance
Brasileiro
Bibliografia:
Se eu fechar os olhos agora (2009), A felicidade é fácil (2011), Vidas Provisórias (2013) e Boa Noite A Todos (2014). Welcome to Copacabana (2016) é a sua
primeira incursão na área do conto. Outras obras: Contestadores (entrevistas, 2003); Outros tempos (crônicas e memórias, 2002); Dias de cachorro louco (crônicas, 1995); Grandes entrevistas do milênio, 2009); em co-autoria, O livro das grandes reportagens e As melhores reportagens da Globo.
Edney
Silvestre é apresentador do programa Globo News Literatura, no canal por
assinatura Globo News. Nasceu em Valença, Rio de Janeiro, em 27/04/1950. É jornalista,
apresentador de TV, escritor, documentarista; recebeu o prêmio Jabuti por Se eu fechar os olhos agora (Livro do
Ano, em 2010) e Prêmio São Paulo de Literatura, como autor estreante. Na área
jornalística, talvez a cobertura que mais lhe tenha tornado a imagem conhecida
junto ao grande público foi a dos acontecimentos do 11 de setembro, nos EUA.
Para os que não se lembram mais, foi quando os americanos sofreram um grande
atentado, com a destruição das Torres Gêmeas (World Trade Center) em Nova Iorque, onde pereceram milhares de
pessoas.
Neste Vidas
Provisórias há o retorno de seus personagens Paulo (de Se eu fechar os olhos agora) e Bárbara (de A felicidade é fácil). Estes dois seres estão separados geográfica
e temporalmente. Paulo é um expatriado pelo regime da ditadura militar para o
Chile e, posteriormente, para a Suécia, depois França. Já Bárbara vai
ilegalmente para os EUA, ainda adolescente, com passaporte falso tentar a vida.
Trabalha como faxineira e manicure.
O livro apresenta uma interessante solução gráfica
para as duas linhas de condução da trama. Temos, de um lado, “O Livro de Paulo”,
em texto com tipos pretos e afastado em relação à margem interna; de outro, “O Livro
de Bárbara, com tipos azuis e texto de tamanho reduzido em relação à margem
inferior. As duas vidas correm paralelas sem se tocarem, até quase o final da
obra.
O romance trabalha a questão da perda da
identidade. Paulo tem seu passado completamente apagado: documentos novos,
identidade nova; Bárbara porta um passaporte falsificado e torna-se Barbara
Jannuzzi, argentina de nascimento. Mas a questão da perda de identidade não se
restringe a documentos. Como veremos, o problema é bem mais agudo. Paulo vive
na Suécia e, apesar de não contar com o seu passado, mas com algo criado para apagar completamente sua existência no Brasil da ditadura, é um homem atormentado por suas
próprias recordações. Tem dificuldades com o idioma sueco, não fala inglês, mas
se apaixona por Anna, militante da Anistia Internacional:
“What’s your name? ’, ela perguntou, enquanto o despia – primeiro, desenrolando o cachecol em torno do pescoço com pontas de barba escura, logo, desabotoando e tirando o sobretudo úmido de neve, depois o paletó, em seguida o boné –, na quarta língua em que tentava se comunicar. Ele não entendia sueco, como a maioria dos sul-americanos na reunião da Anistia Internacional em que o tinha conhecido, há algumas horas. Francês e alemão, os outros idiomas em que ela se movimentava com facilidade, tampouco tinham funcionado.
‘What’s your name, Brazilian guy?’ ela insistiu, com um sorriso de dentes perfeitos e hálito de cigarro.
‘Nelson’, ele mentiu, dizendo um dos muitos codinomes que utilizara nos últimos anos, enquanto dobrava o corpo para ela puxar o suéter demasiado largo, como as outras roupas de frio que lhe tinham sido doadas ao desembarcar em Estocolmo. ” (página 9)
Barbara tem de abrir mão dos seus sonhos de fazer
faculdade, de viajar por vários países. Ela foge do Brasil do governo Collor. Vive
o medo, tão comum entre os imigrantes ilegais nas terras do Tio Sam, de ser
descoberta, de ser presa pelo Departamento de Imigração. Faz faxina para
sobreviver e sua clientela é composta de prostitutas brasileiras que trabalham
em Atlanta, um homossexual e algumas americanas:
“Nem se dão ao trabalho de checar atentamente seu passaporte. Tudo é anódino na jovem que chega no voo lotado do Brasil: os cabelos castanhos presos em rabo de cavalo, o rosto pálido por trás dos óculos arredondados, as roupas em tons de cinza, o suéter de lã acrílica azul-marinho, o cachecol preto, o sapato baixo de couro preto, a bagagem de náilon preto na mão, a única mala de roupas, também preta, igualmente de náilon.
Carimbam o visto de entrada, chamam o brasileiro seguinte na fila, ela contorna a cabine, caminha na direção que indica Exit, a primeira palavra que abafa o medo de ser pega antes mesmo de entrar no país para o qual foge, escorraçada por tudo o que a faz sentir-se irrelevante e esmagada no Brasil. ” (página 13, não numerada)
Enquanto Paulo, em Estocolmo, capital da Suécia, tem no aspecto amoroso,
mais sorte, pois consegue viver com Anna e constituir uma família – que mais
tarde se muda para Lausanne (ainda na Suécia), Barbara tem um amor impossível nos
Estados Unidos. Em contrapartida, enquanto Barbara busca tornar-se neutra para
não se expor, não ser descoberta, Paulo vive com os fantasmas do seu passado;
passou por torturas, há um drama familiar que o envergonha.
Edney Silvestre impõe ao seu romance um ritmo
fragmentário, que torna o texto moderno, dotado de agilidade, mas não chega a ser o ritmo de uma
história de ação, em que o leitor é quase surpreendido por ação nova a cada
parágrafo. É mais contido, mais reflexivo, pois irá tratar dos problemas
íntimos dos dois personagens envolvidos.
Uma pequena amostra do que chamei de estilo
fragmentário de Silvestre:
“Anna. Anna. Anna.
Pedi que soltasse o cabelo. Ou eu mesmo soltei seus cabelos. Tão bonita, tão bonita que parecia iluminada por dentro.
Anna.
Anna.
Anna.
Por que não peguei seu telefone, seu endereço? Onde a encontrar?
Sou mais velha que você, ela me disse, I’m older than you, ela falou. Eu entendi. Older é o superlativo de old. Mais velha. You are just a boy, me lembro que ela me disse, um menino, my Brazilian boy, ela me chamou. Eu entendi. Eu gostei.
Bela. Tão bela quanto um pequeno milagre, se eu acreditasse neles.” (página 74)
Engraçado como os livros têm momento certo para
serem lidos. Quando tomei pela primeira vez o Vidas Provisórias nas mãos,
iniciei a leitura e não passei da página 42. Ao retomá-lo, entretanto, desde o
início, a leitura se tornou fluente. Em apenas dois dias, sem muita pressa, lá
se foram as 234 páginas do texto.
Li, em uma crítica – com a qual não concordo – que o livro, perto do final, não atinge um
crescendo para depois ser arrematado pelo desfecho. Bem sei que tais discussões
estão longe do interesse do público, mas creio ser importante dizer algumas
coisas. Tudo num livro deve ser significativo; não é como na vida, em que
pessoas absolutamente casuais entram e saem de nossas vidas, sem afetá-las de
qualquer modo. Personagens têm uma função dentro da obra literária.
Assim, há um projeto, mesmo que o autor não se dê
conta disso, não tenha botado um esquema no papel ou no computador, que vá
seguir fielmente. Mas há um projeto, até porque o todo (o romance) terá de
funcionar convincentemente.
Vidas Provisórias tem como projeto tratar
exatamente disso: vidas que, por um motivo ou outro, carecem de marcas
próprias, de identidade e como esses personagens lidam com essa ausência
identitária. Não há grandes lances emocionantes exatamente porque as vidas são
provisórias, indefinidas. É um texto reflexivo.
Claro está, não irá agradar a todos, como de resto,
qualquer obra. Não obstante, é um bom romance, escrito com a segurança de quem
já é autor há mais tempo, acostumado no trato com os livros – inclusive como
leitor. E o que é melhor, a experiência jornalística de Edney contribui muito
para a qualidade do livro. Lugares variados são descritos, muitos fatos são interpretados e
seus personagens se movem entre eles e são afetados por eles.
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