Autora:
Rosa Montero
Tradução:
Paulina Wacht e Ari Roitman
Edição:
2ª
Editora:
HarperCollins
Copyright:
2003
ISBN:
978.85.209.4061-7
Gênero
Literário: Romance (?)
Bibliografia
da autora (incompleta): Crónica del
desamor (1979); La funcíon Delta
(1981); Te trataré como a uma reina (1983);
Amado amo (1988); Temblor (1990); Bella y oscura (1993); La
hija del canibal (1997); El corazón
del tártaro (2001); La loca de la
casa (2003); Historia del Rey
Transparente (2005); Instrucciones
para salvar el mundo (2008); Lágrimas
em la lluvia (2011); La ridícula idea
de no volver a verte (2013); El peso
del corazón (2015); La carne
(2016). Ganhou vários prêmios, entre os quais: Premio de la Crítica de Madrid,
em 2014, por La ridícula idea de no
volver a verte e Premio José Luis Sampedro, em 2016, pelo conjunto de sua
obra.
Rosa Montero nasceu em 3 de
janeiro de 1951, em Madri. É consagrada jornalista e escritora espanhola e
trabalha no jornal El País desde
1977. Realizou várias entrevistas importantes e começou a escrever na infância,
quando sofreu tuberculose dos cinco aos nove anos. Inscreveu-se na Faculdade de
Filosofia aos 17 anos, tendo, no ano seguinte, mudado para a Escola de Jornalismo.
Ao mesmo tempo, fez teatro independente. A partir de 1976, passou a trabalhar exclusivamente
para o já citado diário espanhol. Dois anos depois, ganhou o Prémio Mundo de
entrevistas. Lançou seu primeiro livro em 1979, Crónica del desamor. Desde que seu marido morreu, Rosa Montero
passa alguns meses por ano num condomínio na cidade de Cascais, em Portugal. No
Brasil, alguns de seus livros foram traduzidos, como Paixões, Histórias de
Mulheres, Muitas coisas que Perguntei
e Algumas que disse, A Louca da Casa,
História do Rei Transparente, A Filha do Canibal, Instruções para salvar o mundo e Lágrimas na chuva.
Ao receber meu kit da TAG - Experiências Literárias, já no começo de A Louca da Casa observei que seria
difícil resenhar este livro. Por quê? Se o leitor se deu ao trabalho de prestar
atenção nos dados catalográficos acima, verá classificado como gênero literário
a palavra “romance”, seguida de um ponto de interrogação posto logo adiante,
entre parênteses. Coloquei o sinal entre parênteses exatamente por questionar a
classificação do livro, em sua ficha. Não é, exatamente um romance; pelo menos
não no sentido corrente.
Um romance é uma narrativa que
trabalha com vários núcleos dramáticos que se encadeiam, formando um enredo. A
Louca da Casa não tem esta estrutura. Trata de vários núcleos dramáticos, mas a
ligação entre eles é frouxa; não que seja um defeito, é antes uma escolha da
autora. A história é composta de várias colagens, eventos, fatos, memórias e
sensações.
Uma narrativa um tanto autobiográfica, mas de uma autobiografia nem sempre fiel aos fatos vividos, como Rosa
Montero vai deixar claro no post scriptum
do livro:
“Tudo o que conto neste livro sobre outros livros ou outras pessoas é verdade, quer dizer, responde a uma verdade oficial documentalmente verificável. Mas receio que não possa garantir o mesmo sobre o que se refere à minha própria vida. Porque toda autobiografia é ficcional, e toda ficção, autobiográfica, como dizia [Roland] Barthes. ”
A autora, portanto, se de um
lado, acrescenta dados autobiográficos não muito confiáveis, de outro, adiciona
dados confiáveis de vários escritores, como por exemplo:
“Por isso, Stevenson, que tinha uma relação muito fluida com seus brownies[1], pôde sonhar seu O médico e o monstro, uma história que hoje todo mundo conhece embora quase ninguém tenha lido o romance. E por que foi tão importante esse relato, por que passou a fazer parte da cultura popular, da representação convencional do mundo? Porque Stevenson, com seu livro, descreveu aquilo que todos intuímos mas não podíamos saber porque não tínhamos palavras para nomear: que os seres humanos somos muitos dentro de cada um de nós; que estamos dissociados, que como diz Henri Michaux numa frase formidável, “o eu é um movimento na multidão”. (página 76)
Rosa faz várias reflexões sobre o
ato de escrever, sobre outros escritores e suas relações com suas obras. Dotada
de autocrítica ferina, suas observações, às vezes, recaem sobre ela própria,
pois também escritora:
“Não conheço nenhum romancista que não sofra do vício descontrolado da leitura. Somos, por definição, bichos leitores. Roemos as palavras dos livros incessantemente, como a carcoma emprega todo o seu ser ao devorar a madeira. Além disso, para aprender a escrever é preciso ler muito; por exemplo, George Eliot tinha uma vastíssima cultura e lia Homero e Sófocles em grego e Cícero e Virgílio em latim: eu sou incapaz de semelhante proeza e esta pode ser uma das razões pelas quais escrevo pior que ela. Em seu precioso ensaio Letra ferida, Nuria Amat propõe aos escritores uma pergunta cruel que consiste em decidir entre duas mutilações, duas catástrofes: se, por alguma circunstância que não vem ao caso, você tivesse que escolher entre nunca mais escrever ou nunca mais ler, o que escolheria? Nestes últimos anos, formulei esta inquietante questão, na base da brincadeira, a quase todos os autores com quem me encontrei pelo mundo afora e descobri duas coisas interessantes. A primeira é que a esmagadora maioria deles, pelo menos noventa por cento e possivelmente mais ainda, escolhe (escolhemos: eu também) continuar lendo. ” (páginas 126/127)
A Louca da Casa é uma leitura extremamente prazerosa, um texto
fácil, que conversa conosco. Vai arrolando coisas, em tom assim, de
brincadeira, de crítica às vezes. Livro fino, de 172 páginas, pode ser lido
quase que de uma sentada só. Sem esforço.
Quando comecei a leitura, o
título me era estranho: por que a autora o havia escolhido? E, a partir de
certa altura da narrativa, as razões foram ficando muito claras, até fazer o
leitor concordar: não poderia ser outro o título: A Louca da Casa. É um livro cujo assunto é a imaginação, a
criatividade, a “loucura” proporcionada pela imaginação criadora. Os escritores
e, de quebra, todos os artistas, são vistos por muita gente como seres
estranhos, prestigiados conforme o caso, mas estranhos.
Não é à-toa que os governos
ditatoriais de qualquer parte do mundo veem com maus olhos essa atividade
humana, a da criação artística. É o campo do incontrolável. É o campo das
ideias subjacentes, metáforas enlouquecidas. No caso dos escritores, é o lugar
do texto que não se deixa apreender por um sentido apenas, podendo autorizar
várias leituras, todas elas coerentes com determinada proposta interpretativa, autorizada pelo texto. E
aqui, não é demais lembrar o falecido e genial Umberto Eco, quando ele nos diz
que os limites da interpretação são exatamente os do
texto. Quer dizer, não posso elaborar qualquer proposta interpretativa, não validada pelo próprio objeto de análise, mas
posso, sem dúvida, elaborar uma grande quantidade: a obra aberta.
Enfim, leitor, esse é um livro original, originalíssimo. Há um fio tênue que amarra tudo, como disse no
início. Esse fio é a criatividade, a imaginação. Basta lembrarmos: artistas de
vanguarda nem sempre são aceitos ou compreendidos pelo público e pela crítica
de sua época; muitas vezes, são necessários anos se passarem, para ele então
ser considerado como verdadeiro artista.
Ulysses, de James Joyce, continua incompreendido de muita gente.
John Williams não vendeu nada de seu absolutamente fantástico livro Stoner (já resenhado neste blog) e o
livro teve de esperar cinquenta anos para alcançar sucesso de público e de crítica no ocidente. Depois de
John morto. Picasso foi incompreendido, com seus traços vanguardeiros.
Enfim, assim é a arte!
[1] Brownies: Eram duendes marrons da mitologia da Irlanda. Viviam nas
casas e, se bem tratados, auxiliavam os moradores com as tarefas domésticas,
enquanto os humanos dormiam. (consulte o blog
filhoocultodosdeuses.blogspot.com.br/2011/03/seres-da-mitologia-celta-e-germanica.html)
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