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segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Resenha nº 57 - Inés da Minha Alma, de Isabel Allende

Resultado de imagem para livro Inés da Minha Alma“Sou Inés Suárez, moradora da leal cidade de Santiago da Nova Extremadura, no Reino do Chile, no ano de 1580 de Nosso Senhor. Não tenho certeza da data exata de meu nascimento, mas, segundo minha mãe, nasci depois da miséria e da tremenda pestilência que assolou a Espanha quando morreu Felipe, o Belo. Não acho que a morte do rei provocasse a peste, como muitas pessoas diziam ao ver passar o cortejo fúnebre, que deixou flutuando no ar, durante dias, um cheiro de amêndoas amargas, mas nunca se sabe. A rainha Juana, ainda jovem e bonita, percorreu Castilha durante mais de dois anos levando de um lado para o outro o ataúde, que abria de vez em quando para beijar os lábios de seu marido, como a esperança de que ressucitasse.” (página 11)

Assim se inicia o romance Inés da Minha Alma, da escritora chilena radicada nos Estados Unidos, Isabel Allende. Este é, por assim dizer, um romance de fundação. Analogia traçada com os romances de formação, em que a história de um personagem é acompanhada, desde sua infância até o seu desenvolvimento. Isabel Allende conta-nos a saga da fundação do Império do Chile.

A personagem que dá nome à obra é de Palsencia, Espanha, sob o reinado de Carlos V e sua bela prima, a rainha Isabel de Portugal. Inés é casada com Juan de Málaga, com que vive um tórrido relacionamento. Ele resolve viajar de navio à procura das terras do El Dorado, no novo mundo. Inés fica, então, sem notícias do marido (a última referência é ele estar na Venezuela) e, em desespero, resolve procurá-lo. Obtém a permissão para a viagem. Conta com o apoio de Pedro de Valdívia, mestre-de-campo de Francisco Pizarro. Viajam juntos na expedição pela América do Sul, com destino a Lima, no Peru. Enfrentam extremas condições adversas, desde uma natureza exuberante, mas agressiva, calor, ataque de animais e de índios inamistosos.

Como é da tradição de Isabel Allende, a protagonista do romance é uma mulher forte, independente, mas ao mesmo tempo, impulsiva. Atravessam o inóspito deserto de Atacama e fundam – Pedro e Inés – Santiago, que será a capital do Chile, local além de tudo, infestado pelos temidos índios Mapuche, hostis aos espanhóis. Entretanto, os espanhóis contam com a fidelidade de outra tribo de índios, desta vez os Yanconas.

O livro é narrado em primeira pessoa, em tempo de memória. É Inés, já velha e sentindo o peso da idade, quem nos resgata seu passado de aventuras e determinações:

“Hoje, ao sair da cama, me falharam as forças pela primeira vez em minha longa vida. Com ajuda das criadas me vesti para ir à missa, como faço todo dia, já que gosto de saudar Nossa Senhora do Socorro, agora dona de sua própria igreja e de uma coroa de ouro com esmeraldas; fomos amigas por muito tempo. Procuro ir à primeira missa da manhã, a dos pobres e dos soldados, porque a essa hora a luz na igreja parece vir direto do céu.” (página 232)

Em Santiago, há um militar, Rodrigo de Quiroga, bastante próximo à Inés. Em dado momento, não tendo com quem deixar a filha Isabel, ele pede à ela que cuide da menina. Isabel será, mais tarde, a dedicada ouvinte a quem Inés relatará suas memórias.

Mulher extremamente dura quando acha que te de ser, tem entretanto, preocupação com os mais deserdados, como ficou patente na citação acima, na qual ela gosta de “ir à missa pela manhã, a dos pobres e dos soldados”. Estes têm muito respeito por ela, não só pela sua determinação, como também por sua capacidade combativa.

Visivelmente, a escritora realizou uma pesquisa minuciosa sobre a história dos povos da América Espanhola. Sua protagonista realmente existiu, embora retocada pela imaginação criativa da autora. O livro se constitui num épico sangrento, num relato de superação de medos, condições desumanas, sem lugar para fraquezas.

Algumas descrições são temperadas com tom poético:

“Nunca vi nada como a magnífica cidade de Cuzco, umbigo do império inca, lugar sagrado onde os homens falavam com a divindade. Talvez Madri, Roma ou algumas cidades dos mouros, que têm fama de esplêndidas, possam se comparar a Cuzco, mas eu não as conheço. Apesar dos destroços da aguerra e do vandalismo sofrido, era uma jóia branca e resplandecente sob um céu cor de púrpura. Perdi o fôlego e durante vários dias andei sufocada, não pela altura e o ar rarefeito, como tinham me avisado, mas pela pesada beleza de seus templos, fortalezas e edifícios. Dizem que quando os primeiros espanhóis chegaram havia palácios laminados a ouro, mas agora as paredes estavam nuas.” (página 87)

Ouço muita gente dizer que não aprecia os romances históricos. Realmente, este tipo de obra pauta-se muito por batalhas, às vezes descrições, incluindo datas. No presente caso, um romance de fundação, a autora teve não explicitamente confessada intenção em ser fiel aos acontecimentos, mas isso é evidente pela pesquisa feita. Há no final do livro umas notas bibliográficas, comentando a cuidadosa apuração de dados sobre a conquista e construção do império chileno; ela compulsou vários livros de história, inclusive da Espanha.

Mais um bom livro de Isabel Allende, o terceiro dela resenhado aqui no blogue: Zorro, A Cidade das Feras e Inés da Minha Alma. A trama do livro é cheia de reviravoltas, batalhas, sucessos, derrotas, muita luta e – nem seria necessário dizê-lo – alguns amores.

ALLENDE, Isabel. Inés da Minha Alma. Editora Bertrand Brasil, 4ª Edição. Rio de Janeiro, RJ: 2006

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