Este Trapo é o quinto romance escrito por Cristovão Tezza e o primeiro que lhe rendeu aplausos incondicionais da crítica nacional. O autor vem construindo uma sólida carreira literária e hoje é considerado um autor digno de figurar na galeria dos escritores mais importantes deste país. Merecidamente, aliás. É o terceiro livro dele que leio, o segundo que resenho aqui neste blog. O primeiro foi O Fotógrafo; já havia lido, há um tempo, O Filho Eterno com que Tezza ganhou o prêmio Jabuti.
Trapo é um romance em terceira pessoa. O professor universitário Manuel, numa noite qualquer, recebe a visita de certa Izolda, dona de uma pensão. Ela tem aparência vulgar – a palavra prostituta aparece na cabeça do mestre – e lhe entrega dois pacotes mal-amarrados, contendo os manuscritos de Trapo. Esse estranho apelido nomeia um morador de sua pensão barata, supostamente um poeta, a quem muito se afeiçoara Izolda:
“- Isso é para o senhor!
Dois pacotes amarrados de qualquer jeito aparecem da calçada para os meus pés, como quem se livra de um lixo.
- Para mim?!
Ela passa um lenço perfumadíssimo no rosto suado:
- Ai, como pesam!
- A senhora…
- Senhorita!
- Perdão. Os pacotes… ahn… a senhorita não quer entrar um momentinho…” (página 9)
Foi a perdição do professor. Izolda entra, toma conta da casa, pede um cafezinho; percebendo que o professor só tem café velho, dirige-se à cozinha e faz um café novinho. Critica a bagunça da casa de homem viúvo e desiludido (o professor perdera a esposa cinco anos antes e não se casara novamente), lava-lhe a louça. Posteriormente, despede a empregada que, uma vez por semana, “arruma” a residência de Manuel.
Ao ler o espólio de Trapo, o professor dá com poemas amalucados, cartas tresloucadas a uma tal Rosana, namorada do poeta. Mesmo não dando o braço a torcer, Manuel se interessa pelo material e pela vida do protegido de Izolda. O que teria levado ao suicídio um jovem de 21 anos? Então, o mestre começa a investigar a vida de Trapo: tentar contactar pessoas do círculo de amizade do morto, vai ao bar que frequentava, ouve conversas sobre ele.
As relações do escritor morto e sua família não eram boas, como fica claro na página 44:
“- Trapo só falava mal. “Meu irmão é um babaca, só pensa em se encher de dinheiro. Meu pai é um sem-vergonha.” – Escândalo de Izolda: – Bem assim que ele falava, professor, “sem-vergonha”! “E minha mãe é uma idiota, mas uma idiota que está do lado deles. Que pena que a senhora não é minha mãe.” Nunca me esqueci, professor. Era de cortar o coração. Eu dava conselho: que é isso, Trapo, família é família, não presta falar essas coisas. E ele ouvia?” (página 44)
Manuel prossegue em sua pesquisa, conhece o pai de Trapo, as amigas dele, tenta contato com Rosana, enfim, aumenta seu conhecimento sobre aquela figura estranha. Mas, o mais importante, enquanto Manuel mergulha na vida de Trapo, buscando significar todo aquele acervo literário que lhe fora entregue, o próprio Manuel vai, pouco a pouco, também mudando sua vida. Os dois processos – de um lado, a aquisição de mais dados sobre o investigado, de outro, a modificação de sua vida – são entrelaçados e progressivos.
Vamos a um outro trecho, na página 157, um diálogo entre o professor Manuel e o principal amigo do Trapo, Hélio:
“- Isso é verdade, professor. Um porra-louca. – Tentou consertar a inconveniência: – Quer dizer, um esculhambado na vida… o senhor entende…
- O aspecto pessoal é irrelevante neste caso. É obrigação do crítico analisar estritamente a obra, não a biografia – acrescentei, didático, disposto a manter o comando da conversa e reduzi-lo ao silêncio. Prossegui: – Quando o Trapo projetou seus modos de assassinar a poesia…
- Ah, ele me falou disso! num fogo que nós tomamos na…
- Pois é – cortei. – Parece-me que nestes “assassinatos” ele estava respondendo mais a um sentimento de frustação do que de poesia propriamente dita.
Hélio devolveu-me a farpa, numa ironia cautelosa:
- É… se bem que a gente não deve levar muito em conta essa opinião pessoal, não é, professor? Como o senhor mesmo disse…
Engoli em seco, vermelho.
- Exatamente.”
O livro é excelente. São 254 páginas de um texto que pega a gente pela gola, volta nossa cabeça para ele e não nos larga – até o finale. Se, ao ler minha resenha de O Fotógrafo, você gostou, não perca igualmente este Trapo. Vale a pena.
Cristovão Tezza. Trapo.Editora Record, Rio de Janeiro, RJ: 2007, 254 páginas.
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