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segunda-feira, 30 de julho de 2012

Resenha n° 15 - Bartleby e Companhia, de Enrique Vila-Matas

Bartleby e Companhia é um livro diferente. Antes de expor o porquê da diferença, tornam-se necessárias algumas explicações. O escritor americano Herman Melville, criador do clássico Moby Dick escreveu também um conto, Bartleby, o escrivão. Esse escrivão tem uma particularidade: quando lhe pedem para fazer algo, ele responde “prefiro não fazê-lo”. Dessa forma, ele se converte em apenas alguém que contempla o mundo, sem interagir com ele. Por extensão, a síndrome de Bartleby nomeia a desistência do escritor que não escreve. É um potencial a não se realizar, a arte do não.

O escritor espanhol Enrique Vila-Matas se apropria do personagem de Melville e inclui na síndrome todo aquele que podia ser, mas não é. O escritor cuja obra nunca vem a lume, e aqui vão surgindo autores de uma obra só, por motivos vários, homens brilhantes recolhidos a atividades não condizentes com seu brilhantismo. Desfilam Marcel Duchamp, Charles Baudelaire, Jerome David Salinger (autor de O apanhador no campo de centeio, 1951), etc. Há até o caso do escritor Paranoico Perez, que nunca escreveu um livro sequer, pois, quando se dispunha a fazê-lo, o escritor português José Saramago lhe “roubava” a ideia e invalidava seu trabalho.

Enrique Vila-Matas inventa alguns fatos e autores, mas a originalidade do livro se baseia na ausência de um texto principal, sendo construído todo por notas do autor a esse texto em potencial. Alguns trechos do livro:

Desde que comecei estas notas sem texto ouço como ruído de fundo algo que escreveu Jaime Gil de Biedma sobre o não escrever. Sem dúvida, suas palavras trazem maior complexidade ao labiríntico tema do Não: “Talvez fosse necessário dizer algo mais sobre isso, sobre o não escrever. Muita gente me pergunta isso, eu me pergunto. E perguntar-me por que não escrevo inevitavelmente desemboca em outra inquisição muito mais inquietante: por que escrevi? Afinal de contas, o normal é ler. Minhas respostas favoritas são duas. Uma, que minha poesia consistiu – sem que eu soubesse – em uma tentativa de inventar uma identidade para mim; inventada, e assumida, já não tenho vontade de colocar-me inteiro em cada poema, que era o que me apaixonava quando os escrevia. Outra, que tudo foi equívoco: eu pensava que queria ser poeta, mas no fundo queria ser um poema.” (página 43)

“Na verdade, a doença, a síndrome de Bartleby, vem de longe. Hoje chega a ser um mal endêmico das literaturas contemporâneas essa pulsão negativa ou atração pelo nada que faz com que certos autores literários jamais cheguem, aparentemente, a sê-lo.” (página 23)

“Disponho-me, então, a passear pelo labirinto do Não, pelas trilhas da mais perturbadora e atraente tendência das literaturas contemporâneas: tendência em que se encontra o único caminho que permanece aberto à autêntica criação literária; que se pergunta o que é e onde está a escrita e que vagueia ao redor de sua impossibilidade e que diz a verdade sobre o estado, de prognóstico grave – mas sumamente estimulante – da literatura deste fim de milênio.” (página 11)

Por todo o seu livro, Vila-Matas trata os bartlebys com humor, ele mesmo sendo um bartleby, pois ficou muito tempo sem escrever. O nome próprio – Bartleby – transforma-se num adjetivo a caracterizar os autores do Nada. A obra Bartleby e Companhia recebeu o Prêmio Cidade de Barcelona, de 2001 e Prêmio de Melhor Livro Estrangeiro, França, 2002.

De certa forma pode-se fazer uma ligação a outro livro que, oportunamente, estou lendo, O Poder dos Quietos, de Susan Cain: ela aborda os introvertidos e suas características e os bartlebys são, na verdade, todos introvertidos diante de suas muralhas intransponíveis, dos textos que poderiam ter sido e nunca o foram.

Entre os brasileiros, um portador da síndrome de que trata o livro de Vila-Matas é o nosso Raduan Nassar. Após ter produzido duas importantes obras, Um copo de cólera e Lavoura Arcaica, simplesmente deixou de escrever.

Enrique Vila-Matas nasceu em Barcelona, em 1948; estreou na ficção em 1973 e tem publicados 28 livros em mais de vinte países. Tem prêmios na Espanha, França, Itália e América Latina. Em português foram publicados A viagem vertical (2004), esse Bartleby e Companhia (2004), O mal de Montano (2005), Paris não tem fim (2007), Suicídios exemplares (2009), Doutor Pasavento e Dublinesca.

Enrique Vila-Matas. Bartleby e companhia. Editora Cosacnaify, São Paulo: SP, 2004.188 páginas

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