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quinta-feira, 28 de junho de 2012

Resenha nº 13 - O Menino do Pijama Listrado, de John Boyne

A família é composta por Bruno, de 9 anos de idade, o pai, a mãe, a irmã Gretel, de 12 anos. Vivem na Alemanha hitlerista, numa casa de cinco andares em Berlim. Trabalham na mansão da família o mordomo Lars e a governanta Maria. Bruno tem três melhores amigos: Karl, Daniel e Martin.

Essa aparente tranquilidade começa a ser perturbada quando o pai de Bruno é designado para uma tarefa de alta consideração; sendo comandante do exército de Hitler, é enviado para um local distante, cujo nome Bruno não consegue pronunciar perfeitamente. O campo de concentração de Auschwitz só lhe sai “Haja-Vista”. Também o Füher é transformado, na boca de Bruno, em o “Fúria”.

Inicialmente, o menino detesta a nova casa: só tem três andares, não há o corrimão pelo qual ele gostava de escorregar. Não há vizinhos nem outras crianças com quem possa brincar. Sobretudo, pensa Bruno, não existem coisas interessantes a explorar. Desta forma, só tem a irmã Gretel com quem interagir. Mas ela é um Caso Perdido. Implica com ele o tempo todo, se vangloriando de sua inteligência e “experiência” maiores; afinal, ela tem 12 anos e Bruno, apenas 9!

Toda a história é contada do ponto de vista do menino. Ele não entende direito o funcionamento do mundo dos adultos. Entretanto, é inquieto, indagador dentro de suas possibilidades. Gosta de ler histórias, sente falta da avó que lhe proporcionava atuar em peças escritas por ela mesma, encenadas na época do Natal. Ela sempre fazia roupas adequadas à personagem interpretada:

“Lembra-me das peças que ela costumava encenar comigo e com Gretel”, disse Bruno, tirando os olhos de Shmuel, enquanto recordava aqueles dias distantes, ainda em Berlim, parte das muito poucas memórias que se recusavam a se desvanecer. “Lembra-me de como ela sempre tinha a roupa certa para mim. Usando a roupa certa, você se sente como a pessoa que está fingindo ser, ela sempre me dizia.” (página 178)

Certo Sr. Lizt é contratado para dar aulas para Bruno e Gretel. Ele só lhes ensina História (da Alemanha, é claro) e Geografia. Diz que o resto não tem importância. Nessa vidinha de interior, sem ter nada para fazer, o menino se aproxima das pessoas simples da casa, como Maria e Pavel, um estranho homem, convocado a trabalhar como servente da cozinha e que demonstra conhecimentos médicos quando Bruno se machuca ao cair do balanço:

“O que vai acontecer comigo, então?”, perguntou Bruno, sentindo o pânico crescer dentro de si, uma emoção que poderia levá-lo às lágrimas. “É capaz de eu sangrar até a morte.”

“Pavel sorriu gentilmente e balançou a cabeça. “Você não vai sangrar até a morte”, disse o servente, puxando um banco e acomodando sobre ele a perna de Bruno. “Fique parado um instante. Há um estojo de primeiros socorros bem ali.” (página 74)

Da janela da casa Bruno vê um campo imenso, cercado de arame e decide que tem de ir lá explorar. Encontra Shmuel, um menino triste, que nasceu no mesmo dia e ano que ele: 15 de abril de 1934. Ambos têm, portanto, 9 anos. Shmuel mora do outro lado da cerca. A amizade entre os dois toma proporções cada vez mais profundas. Embora com uma carga de experiência amarga, a qual lhe proporciona uma melhor visão sobre sua própria condição, Shmuel é doce e desesperadamente necessitado de um amigo.

Mais tarde, Bruno descobre a palavra “judeu”: seu amigo Shmuel e todos os que vivem do lado de lá da cerca são judeus, assim como Pavel, o servente. O jovem não sabe exatamente o que a palavra significa, mas intui, aos poucos,  que algo de muito ruim acontece aos judeus. Eles sofrem as piores humilhações, são apartados do convívio com os alemães (os soldados germânicos são vistos por eles como uma constante ameaça e perigo de vida).

O livro pode ser entendido de algumas maneiras. É um libelo contra o holocausto e, nesse item, aproxima-se de O Diário de Anne Frank; é também a exaltação da amizade, que, sendo pura, pode extrapolar classes sociais díspares. Ainda, mostra alemães contrários ao projeto hitlerista, assumindo como podem suas posições contrárias ao regime dominante. A briga entre o comandante e sua mãe é exatamente por isso: ela não concorda com a atuação dele, principalmente, com a adesão do filho à ideologia hitlerista. A mãe de Bruno também se sente mal com as escolhas do marido, mas é fraca demais para contrariá-lo.

O texto é enxuto, liricamente construído em 186 páginas. Li, em alguns textos críticos, que John Boyne (autor de O menino do pijama listrado) perdeu a oportunidade de ser mais contundente na condenação do holocausto. Discordo completamente. O valor do livro como um libelo contra o nazismo, contra os horrores do holocausto, está exatamente na forma como o autor narra a história. Escolhendo o ponto de vista de Bruno, com sua candidez, ingenuidade, Boyne atinge a meta de seu projeto literário: o testemunho pela emoção. Como se nos dissesse: a sensibilidade é capaz de nos elevar, ou de nos levar a não cometermos erros monstruosos como os de Auschwitz.

John Boyne. O menino do pijama listrado. Tradução de Augusto Pacheco Calil. Cia das Letras, São Paulo, SP, 2007. 186 páginas.

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