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quarta-feira, 25 de abril de 2012

Resenha nº 6 - Leite Derramado, de Francisco Buarque de Hollanda

Chico Buarque de Hollanda vem construindo sua carreira de escritor de maneira sólida. Antes de sua atual fase de romancista, já havia escrito as peças Roda Viva (1968), Calabar (1973), Gota d’água (1975) e Ópera do malandro (1979). Em 1974, veio a novela Fazenda Modelo. Seus romances se iniciam com Estorvo (1991), Benjamim (1995), Budapeste (2003) e este Leite Derramado (2009).
José Saramago, em entrevista à Folha de São Paulo, teceu elogios ao livro Budapeste. Acrescentou: “Sei que ele está terminando um livro, mas não pode escrever uma linha abaixo de ‘Budapeste’.”
E, de fato, Chico Buarque se saiu muito bem, atingindo as expectativas de Saramago. Leite Derramado é um ótimo romance, construído de maneira enxuta e densa: em exíguas 195 páginas, traça a saga da família Assumpção, desde os ancestrais lusitanos, passando pelo império dos baronatos brasileiros até os tempos modernos. E faz isso pela ótica de um descendente da família Assumpção: Eulálio Montenegro Assumpção é um ancião, preso ao leito do hospital que, em regime de flash back, nos dá sua visão da história do Brasil. As memórias são às vezes repetitivas, desconexas, como o seriam se expressas por alguém que já vai perdendo o domínio das lembranças.
São impressões sobre uma elite racista, autoritária e decadente. O depoimento do ancião não tem destinatário claro. Dirige-se tanto às enfermeiras que cuidam dele, quanto ao público em geral. Ele conta seu amor por Matilde, um tanto ingênuo e sensual. Há outros personagens, entrevistos nas recordações descontínuas, por vezes contraditórias, de Eulálio: Dubos, o francês, Balbino, ex-escravo, Amérigo Palumba.
Leite Derramado recebeu o Prêmio Jabuti e Prêmio Portugal Telecom de Livro do Ano de 2010. Li apenas os dois últimos romances, Budapeste e Leite Derramado; pessoalmente, gosto mais do Budapeste.
Eulálio Montenegro Assumpção é um velho preso a uma cama de hospital. Diariamente, é cuidado por enfermeiras, que vêm em turnos cuidar dele. Conversa com elas, contando-lhes suas memórias. Mas, como suas lembranças vêm em flashes, nem sempre coerentes, isso resulta numa narrativa entrecortada, fragmentada, num ir e vir constante. Aos poucos, vai sendo traçado um quadro da história do Brasil dos dois últimos séculos, vistos por alguém pertencente à elite. É uma saga familiar, contando a ascensão e queda dos Assumpção, desde um barão do império até os dias atuais. Não resta nada da antiga grandeza e poder.
Leite Derramado, editora Companhia Das Letras, 195 páginas, 2010





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