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terça-feira, 24 de abril de 2012

Resenha nº 5 - Trem Noturno Para Lisboa, de Pascal Mercier

Resultado de imagem para livro trem noturno para lisboaExcelente romance suíço, com mais de dois milhões de exemplares vendidos no mundo, como anunciado na capa. “Um deleite para a alma. Um dos melhores livros que li nos últimos tempos.”, no parecer de ninguém menos que Isabel Allende.
O livro provocou alguns comentários infelizes de leitores menos avisados: foi chamado de livro sem enredo, extenso demais em suas elocubrações filosóficas. A verdade é que há enredo, embora mínimo; mas romances fortemente filosóficos ou psicológicos têm essa característica. A sequência de ações importa muito pouco, pois o foco recai, no caso do romance filosófico, nas ideias expostas; no caso do psicológico, na análise de situações sociais e indivíduos.
Há belas passagens, como por exemplo:
“Como é difícil para um pai se afirmar diante dos filhos! E como é difícil suportar a ideia de que nos inscrevemos em tuas almas com todas as nossas fraquezas, a nossa cegueira, nossos equívocos e a nossa covardia! Originalmente, essa ideia surgiu quando pensei na hereditariedade da doença de Bechterev que, graças a Deus, não passou para vocês.” (pág. 306)
“Vivo em mim próprio como num trem em movimento. Não entrei nele por livre e espontânea vontade, não pude escolher e sequer conheço o local de destino. Um dia, num passado distante, acordei no meu compartimento e senti o movimento. Era excitante, escutei o barulho das rodas, pus a cabeça para fora da janela, senti o vento e me deliciei com a velocidade com que as coisas passavam por mim. Eu queria que o trem jamais interrompesse sua viagem. De maneira nenhuma eu queria que ele parasse para sempre em algum lugar”. (pág. 389)
“Podemos estar certos de que, no leito de morte, e como parte do derradeiro balanço, uma parte tão amarga quanto cianeto, constataremos que desperdiçamos energia e tempo demais para curtir a irritação, obcecados em nos vingarmos dos outros naquele solitário teatro de sombras que apenas nós, os que o encenamos, impotentes, conhecemos. O que é que podemos fazer, então, para melhorar esse balanço? Por que nossos pais, professores e outros educadores nunca mencionaram isso? Por que nunca verbalizaram um pouco dessa imensa significação? Por que, nesse território, não nos foi dada uma bússola que pudesse ajudar-nos a evitar tamanho desgaste da alma em inúteis e autodestrutivas irritações?” (pág. 398)
“Nossa vida não passa de umas formações fugidias de areia movediça, constituídas por uma rajada de vento e apagadas pela próxima. Construções da futilidade que se dissipam antes mesmo de se constituírem.” (pág. 435)
Raimundo Gregorius é um professor de línguas clássicas, cultíssimo. Leva uma vida completamente presumível e sem surpresas; seu casamento também caiu na rotina de todos os dias. Entretanto, certo dia, debaixo de uma chuva torrencial, vê uma moça encostada à grade de uma ponte. Julga que ela vai se atirar de lá e corre a socorrê-la. É portuguesa de nascimento e para Gregorius os sons do português são apaixonantes. Encontra um livro do médico português Amadeu de Prado o Um ourives das palavras. Dedica-se a decifrar o texto numa língua que ainda não conhece e, tocado pelo texto belíssimo e intelectualmente inquietador, sai de sala no meio de uma aula e toma um trem noturno para Lisboa. Rastreia todos os passos de Amadeu, conhece seus amigos, sua história de vida, sua irmã e a mulher por quem fora apaixonado. A vida de Gregorius vira de ponta cabeça.
O nome do autor, Pascal Mercier, é o pseudônimo de Peter Bieiri, nascido em 1944, em Berna, Suíça. Vive atualmente em Berlim, onde é professor de Filosofia. Sob seu verdadeiro nome publicou, em 2001, o ensaio Das Handwerk der Freiseit.
Trem noturno para Lisboa é desses livros tornados referência numa biblioteca. É leitura recorrente e recomendável para aqueles desejosos de novas reflexões a respeito dos valores humanos e sociais.
O sucesso da obra tem sido tanto, que seu título se transformou em uma alusão à vontade ou à necessidade de mudança de vida: vou tomar um trem noturno para Lisboa.
Absolutamente imperdível!
Trem noturno para Lisboa. Editora Record,460 páginas, 8ª edição, 2011











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