Excelente romance suíço, com mais de dois milhões de exemplares vendidos no mundo, como anunciado na capa. “Um deleite para a alma. Um dos melhores livros que li nos últimos tempos.”, no parecer de ninguém menos que Isabel Allende.
O livro provocou alguns comentários infelizes de leitores menos avisados: foi chamado de livro sem enredo, extenso demais em suas elocubrações filosóficas. A verdade é que há enredo, embora mínimo; mas romances fortemente filosóficos ou psicológicos têm essa característica. A sequência de ações importa muito pouco, pois o foco recai, no caso do romance filosófico, nas ideias expostas; no caso do psicológico, na análise de situações sociais e indivíduos.
Há belas passagens, como por exemplo:
“Como é difícil para um pai se afirmar diante dos filhos! E como é difícil suportar a ideia de que nos inscrevemos em tuas almas com todas as nossas fraquezas, a nossa cegueira, nossos equívocos e a nossa covardia! Originalmente, essa ideia surgiu quando pensei na hereditariedade da doença de Bechterev que, graças a Deus, não passou para vocês.” (pág. 306)
“Vivo em mim próprio como num trem em movimento. Não entrei nele por livre e espontânea vontade, não pude escolher e sequer conheço o local de destino. Um dia, num passado distante, acordei no meu compartimento e senti o movimento. Era excitante, escutei o barulho das rodas, pus a cabeça para fora da janela, senti o vento e me deliciei com a velocidade com que as coisas passavam por mim. Eu queria que o trem jamais interrompesse sua viagem. De maneira nenhuma eu queria que ele parasse para sempre em algum lugar”. (pág. 389)
“Podemos estar certos de que, no leito de morte, e como parte do derradeiro balanço, uma parte tão amarga quanto cianeto, constataremos que desperdiçamos energia e tempo demais para curtir a irritação, obcecados em nos vingarmos dos outros naquele solitário teatro de sombras que apenas nós, os que o encenamos, impotentes, conhecemos. O que é que podemos fazer, então, para melhorar esse balanço? Por que nossos pais, professores e outros educadores nunca mencionaram isso? Por que nunca verbalizaram um pouco dessa imensa significação? Por que, nesse território, não nos foi dada uma bússola que pudesse ajudar-nos a evitar tamanho desgaste da alma em inúteis e autodestrutivas irritações?” (pág. 398)
“Nossa vida não passa de umas formações fugidias de areia movediça, constituídas por uma rajada de vento e apagadas pela próxima. Construções da futilidade que se dissipam antes mesmo de se constituírem.” (pág. 435)
Raimundo Gregorius é um professor de línguas clássicas, cultíssimo. Leva uma vida completamente presumível e sem surpresas; seu casamento também caiu na rotina de todos os dias. Entretanto, certo dia, debaixo de uma chuva torrencial, vê uma moça encostada à grade de uma ponte. Julga que ela vai se atirar de lá e corre a socorrê-la. É portuguesa de nascimento e para Gregorius os sons do português são apaixonantes. Encontra um livro do médico português Amadeu de Prado o Um ourives das palavras. Dedica-se a decifrar o texto numa língua que ainda não conhece e, tocado pelo texto belíssimo e intelectualmente inquietador, sai de sala no meio de uma aula e toma um trem noturno para Lisboa. Rastreia todos os passos de Amadeu, conhece seus amigos, sua história de vida, sua irmã e a mulher por quem fora apaixonado. A vida de Gregorius vira de ponta cabeça.
O nome do autor, Pascal Mercier, é o pseudônimo de Peter Bieiri, nascido em 1944, em Berna, Suíça. Vive atualmente em Berlim, onde é professor de Filosofia. Sob seu verdadeiro nome publicou, em 2001, o ensaio Das Handwerk der Freiseit.
Trem noturno para Lisboa é desses livros tornados referência numa biblioteca. É leitura recorrente e recomendável para aqueles desejosos de novas reflexões a respeito dos valores humanos e sociais.
O sucesso da obra tem sido tanto, que seu título se transformou em uma alusão à vontade ou à necessidade de mudança de vida: vou tomar um trem noturno para Lisboa.
Absolutamente imperdível!
Trem noturno para Lisboa. Editora Record,460 páginas, 8ª edição, 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário