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quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Resenha nº 194 - Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Johann Wolfgang von Goethe

 



Título original: Die Leiden des jungen Werthers

Título em português: Os Sofrimentos do Jovem Werther

Autor: Johann Wolfgang von Goethe

Tradutor: Daniel Martineschen

Editora: TAG Experiências Literárias

Copyright: domínio público

ISBN: 978-65-88526-21-7

Origem: Literatura alemã

Gênero Literário: romance

 

Johann Wolfgang von Goethe nasceu em 28/08/1749, na cidade de Frankfurt e faleceu em 22/03/1832, em Weimar, ambas localidades da Alemanha. O escritor alemão foi polímata e estadista do Sacro Império Romano-Germânico, fazendo, inclusive, incursões pelas ciências naturais. Figura mais importante da literatura alemã, Goethe é um dos valores do cânone da literatura ocidental.

É apontado como introdutor do Romantismo na Alemanha, período que compreende o final do século XVIII e início do XIX. Juntamente com Friedrich Schiller, foi um dos líderes do movimento literário alemão denominado Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto).

Goethe foi um autor prolífico; o ponto alto de toda a sua obra, sem dúvida, é Fausto – um drama trágico –, em que explora o mito fáustico. Este mito, em sua interpretação mais ampla, tem tudo a ver com o homem moderno e sua luta incessante pela busca do sentido para sua vida. Mas o que tornou o autor conhecido do público foi este Os Sofrimentos do Jovem Werther. O espantoso é que ele o escreveu aos 25 anos, em quatro semanas. Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister é outra obra importante, inauguradora do que se convencionou chamar “romance de formação”. Por esta denominação entende-se aquela narrativa que acompanha determinado personagem, desde a mais tenra idade até a fase madura.

O autor foi apontado como gênio no Segundo Reich, sendo também fundamental para a instauração da República de Weimar, logo após a Primeira Guerra Mundial. Lido por ninguém menos que Napoleão – coisa de que o autor alemão se gabava – influenciou vários escritores ao redor do mundo. Aqui, no Brasil, dois gigantes literários sofreram sua influência: Machado de Assis e Guimarães Rosa.

Quanto à religiosidade, o escritor era cristão. Entretanto, um cristão diferente: acreditava na mensagem de Cristo, sem se vincular a uma expressão religiosa. Para ele, qualquer especulação metafísica racionalista era incapaz de mensurar os movimentos do universo, e compreender o mistério divino em sua integridade.

Envolveu-se em pesquisas de alquimia, filiou-se, em 1780, à sociedade secreta Illuminati, conhecida como “Maçonaria Iluminada”, de grande prestígio entre as elites europeias de então.

Do ponto de vista político, ele se classificava como um “liberal moderado”. Este liberalismo tinha toques de conservadorismo. Era defensor do federalismo, posicionando-se como crítico da centralização do poder na Alemanha (durante muito tempo, a Alemanha fora composta de vários territórios, sob o nome geral de Sacro Império Romano-Germânico).

Caro leitor, estamos diante de um clássico, considerando-se aquela caracterização de que “um clássico é uma obra que, tendo sido escrita há muito tempo, continua tendo coisas a dizer ao mundo atual”. Sem dúvida, Os Sofrimentos do Jovem Werther tem coisas importantes a nos dizer.

Um triângulo amoroso: o jovem Werther, Charlotte (Lotte) e Alfred, noivo dela. Você poderá dizer: meu Deus, tantas histórias lidas por mim envolvem este mesmo drama. Se fosse só isso, este livro não poderia ser enquadrado como um clássico. Há muito mais.

É um romance epistolar, curto (minha edição conta com 172 páginas). A narrativa é feita por cartas, organizadas cronologicamente. Elas são escritas por certo Werther e dirigem-se, em sua maioria, ao amigo Wilhelm. Portanto, sabemos apenas suas impressões sobre o mundo, seus sofrimentos, de que nos fala o título.

Werther muda-se de uma cidade do interior. Eis como ele fala de sua nova moradia ao amigo Wilhelm:

“Fiz todo tipo de amizade, mas ainda não encontrei companhia. Não sei o que tenho de tão atraente para as pessoas; tantas gostam de mim e se aproximam, e fico muito triste quando nosso caminho é o mesmo apenas por um curto trecho. Se você me perguntasse como são as pessoas daqui, teria que lhe responder: como de qualquer lugar! É uma coisa uniforme, o ser humano. A maioria das pessoas trabalha a grande parte do tempo para viver, e o pouco de liberdade que lhes resta lhes exige tanto que procuram todas as formas para se livrar dela. Ah, a determinação do ser humano!” (página 16)

O protagonista conhece a bela Charlotte (Lotte) e por ela se apaixona desvairadamente. O problema é que Lotte está prometida a Alfred. A princípio, contenta-se em amá-la sem lhe confessar seus sentimentos:

“Ela é sagrada para mim. Todo desejo se cala na presença dela. Nunca sei como agir quando estou com ela; é como se a alma se torcesse em todos os meus nervos. Ela tem uma melodia que toca ao piano com a força de um anjo, tão simples e espirituosa! É sua canção preferida, e me remove de toda dor, confusão e martírio tão logo toca a primeira nota.” (página 47)

Não há nada a fazer. Ainda mais que Werther aprecia Alfred; seu rival é um homem adequado para Lotte, bem capaz de fazê-la feliz:

“Chega, Wilhelm, o noivo chegou! Um homem dedicado e querido a quem devemos ser bons. Felizmente não estive presente na sua chegada! Isso teria me partido o coração. Ele também é bastante horado, não beijou Lotte nem uma única vez na minha presença. Que Deus lhe pague! Devo amá-lo, pelo respeito que tem pela menina. Ele quer o meu bem, e especulo que isso seja mais obra de Lotte do que seu próprio sentimento pois para isso as mulheres têm fino senso e entendimento. Quando podem manter dois admiradores em boa convivência, a vantagem é sempre delas, mesmo que isso só raramente funcione.” (página 51)

Pouco a pouco, o jovem Werther vai mudando de humor. Mergulha num estado depressivo sem remissão (melancolia, como era conhecido este estado psicológico):

“Ranjo os dentes e escarneço da minha desgraça, e escarneço duas e três vezes mais de quem quisesse dizer que eu deveria me resignar, pois não há nada a se fazer. Tirem tais espantalho de perto de mim! Corro pelas florestas, e quando chego até a casa de Lotte, vejo Albert sentado ao seu lado no jardim sob as folhas e não posso prosseguir, então me torno um verdadeiro palhaço e começo a fazer todo tipo de confusão.” (página 51)

Como tudo é dito apenas do ponto de vista de Werther, não podemos ter certeza se Lotte percebe a devoção dele e a alimenta, ou se tudo é produto de sua imaginação sobre-excitada.

Apesar de a minha edição não trazer a divisão em duas partes (livro 1 e 2), o tom da narrativa muda a partir de certo ponto. A segunda parte é sombria, tudo se precipita. Alfred e Lotte se casam. Werther é despedido do emprego, a depressão piora.

O livro coloca a interpretação de muitos fatos sob a ótica filosófica, como quando Alfred e Werther debatem sobre o suicídio. Para o marido de Lotte, o ato será uma covardia, uma fuga; para o protagonista, há justificativas para tal:

“A natureza humana”, prossegui, “tem seus limites. Ela pode suportar alegria, sofrimento e dores até um determinado grau, e colapsa assim que esse grau é ultrapassado. Portanto, aqui não se trata de alguém ser fraco ou forte, mas sim se é capaz de aguentar a dimensão da própria dor? Ela pode ser moral ou corporal: considero também incrível dizer que é covarde quem tira a própria vida, da mesma maneira que seria impertinente chamar de covarde aquele que morre com uma terrível febre.” (página 57)

 Visivelmente, neste debate, Albert representa a força da análise, da razão; Werther incorpora a força da emoção, do sentimento. A escola do romantismo sempre propugnou pela supremacia da emoção. Compreende-se. Aquele mundo industrializado que despertava, com suas máquinas, sua ciência, não era capaz, aos olhos dos românticos, de possibilitar a felicidade ou a realização ao ser humano. O mundo não podia ser reduzido a equações, a experimentos controlados. Onde a criatividade, a imaginação?

Os Sofrimentos do Jovem Werther é obra por demais conhecida. Penso não ser spoiler dizer que a história termina mal. O suicídio do personagem central já fora anunciado lá na página 57, durante a discussão entre Werther e Albert. A descrição do ato terminal tem forte carga dramática, em parte constituída pelo detalhamento. Cheguei a iniciar a transcrição do trecho, mas desisti. Deixo ao leitor a tarefa de ler o trecho no livro.

Nesta parte final do romance, já não são as cartas de Werther que nos dão ciência dos fatos. Entra em cena, a partir da página 109, sob o título “Do Editor ao Leitor”, um novo narrador. Ele publica mais algumas cartas e passa a nos introduzir nos momentos derradeiros.

Duas observações a mais. Primeiro, Goethe era fã da cultura clássica, tendo estudado Platão e lido o autor grego Homero, no original. Ele transfere esta característica ao seu protagonista. Werther é também um fã do autor de Ilíada e Odisseia. Segundo, a obra em questão tem fortes presenças autobiográficas; certa Charlotte von Stein fora uma paixão não correspondida de Goethe.

É interessante notar como um autor pode usar dados da sua própria biografia para compor seus personagens, sem que eles sejam, na integralidade, seus sósias. Nada a se estranhar, pois, quem escreve, sempre parte de determinados fatos, acontecimentos; escrever é revelar-se, como já foi asseverado por alguém.

A repercussão do Jovem Werther, à época, foi enorme, um best-seller. Foi muito criticado por ter incitado jovens europeus a uma onda de suicídio, no que passou para a posteridade como “efeito Werther”. Foi, inclusive, condenado por um pastor por ser um livro pernicioso para os jovens. Semelhante ao acontecido a outro clássico, este russo, de Léon Tólstoi, o Ana Kariênina.

Cumpre dizer que este livro não é, segundo apreciações abalizadas, o melhor do autor; cabe esta celebração ao Fausto, obra monumental publicada em dois volumes. O segundo, póstumo.

Muita gente pode não gostar deste livro, e por algumas razões. A linguagem tem um sabor antigo, é um romance epistolar (há "buracos" de informação entre uma carta e outra, já que só temos os textos escritos por Werther), é um livro de alta densidade psicológica, conquanto lírica. A carga de pessimismo oriunda dos desvarios amorosos do protagonista, desagradam a muita gente. Ainda, a técnica escolhida por Goethe ao dirigir-se indiretamente ao leitor, endereçando as cartas a Wilhelm, mas permitindo ao leitor conhecê-las pode causar algum cansaço a quem não estiver acostumado a este artifício.

Os Sofrimentos do Jovem Werther é uma obra importantíssima, um marco da literatura alemã. Escrito em 1774, nos apresenta uma narrativa que poderia, talvez, ser classificada com pré-romântica. Tenho consciência, clássicos não são para todos os espíritos e não há qualquer demérito nisto. Inicialmente, tem-se de vencer as dificuldades apontadas acima.


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