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domingo, 15 de maio de 2022

Projeto Escritoras Brasileiras Esquecidas

 

 

O que pode tornar uma autora, um autor esquecidos? Mesmo se eles forem bastante populares em seu tempo? Para estas perguntas podemos pensar em algumas causas.

Primeiro, pode ser que novos movimentos literários lancem no limbo autores antes conhecidos. Foi o que aconteceu, por exemplo, com Coelho Neto. Bom escritor, tendo sido considerado “o príncipe dos escritores”, sofreu intensa perseguição – hoje, dizemos sofreu apagamento – pelo rolo compressor do modernismo. Coelho Neto foi autor muito apreciado antes daquele movimento; escreveu um romance gótico, uma espécie de Frankenstein brasileiro, Esfinge.

Segundo, podemos falar do desinteresse comercial das editoras. Não desejo ser injusto, sei das dificuldades enormes por que passam as casas de publicação literária para sobreviverem do que publicam, num país com tão poucos leitores per capta por motivos que não me cabe analisar aqui. Muitas vezes, certo autor/autora que já não vende tanto pode ser preterido por alguém que possua maior apelo de vendagem – mesmo que a qualidade, por vezes, não chegue nem perto da obra preterida.

Terceiro – o que é muito pior – o esquecimento por serem, simplesmente, mulheres, autoras. A maioria das doze artesãs da palavra que integram esta minha lista teve o período de maior evidência entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX. Todas as doze autoras são falecidas.

Quarto – argumento que se vincula ao terceiro, acima – por serem mulheres em defesa de propósitos considerados incômodos pela sociedade. Aliás, este argumento, aplicado aqui especificamente às mulheres, se aplica também em épocas de ditaduras, de esquerda ou de direita, a artistas em geral. Parece que ditadores morrem de medo das expressões artísticas, tanto que as vigiam ou as proíbem: Index Librorum Prohibitorum (Lista de Livros Proibidos).

Encontrei escritoras brasileiras esquecidas de maneira sistemática, o que me motivou a este projeto. Estou inconformado com a qualidade das obras e da importância histórica das publicações e o limbo a que foram atiradas autoras e suas produções. Para tanto, vou me apoiar no excelente trabalho da professora Nelly Novaes Coelho, Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras, livro este esgotado na editora.

Abordarei, dentro do Projeto Escritoras Brasileiras Esquecidas, uma publicação de cada autora selecionada, para resenha neste blogue. Serão elas, levantadas em pesquisa prévia: Dinah Silveira de Queirós (A Muralha), Carolina Maria de Jesus (Casa de Alvenaria), Júlia Lopes de Almeida (A Intrusa), Maura Lopes Cançado (Deus é Hospício), Carolina Nabuco (Chama e Cinzas), Emília Freitas (A Rainha do Ignoto), Adalgisa Nery (A Imaginária), Ana Cristina César (A Teus Pés), Teresa Margarida da Silva e Orta (As Aventuras de Diófanes), Maria Firmina dos Santos (Úrsula), Maria Benedita Bormann (Lésbia) e Emília Moncorvo Bandeira de Melo (A Luta).

Várias destas queridas escritoras tinham posição muito definida na defesa do abolicionismo e do pré-feminismo (aspirações de igualdade de direitos sempre tiveram defensoras, embora não constituíssem ainda um movimento com pauta de reivindicações), dentro de uma cultura conservadora e machista. Vale lembrar, Lisístrata é uma comédia grega de Aristófanes, em que mulheres, fartas da guerra, iniciam uma greve sexual de consequências... para lá de socialmente incômodas.

Felizmente, os tempos são outros ou os assuntos que antes incomodavam a sociedade hoje são mais deglutíveis ou não fazem mais estardalhaço. É assim que estas mulheres vêm sendo resgatadas, em publicações disponíveis. Emília Freitas teve seu volume A Rainha do Ignoto magnificamente republicado pela editora Wish. É inacreditável o alheamento perpetrado, mas trata-se do primeiro romance com temática de ficção científica/fantasia escrito no Brasil. Talvez, apesar da minha indignação, isto pouco importe, já que ficção científica de autores brasileiros não encontra espaço de publicação entre nós ou, se o encontra, é sempre reduzido.

Seja como for, vêm ganhando notoriedade Maria Firmina dos Reis, com o seu Úrsula e Carolina Maria de Jesus, com Quarto de Despejo. Que bom, desejo contribuir ainda que minimamente para torná-las mais conhecidas.

Surpreendentemente, pelo menos para mim, dei com o resultado de uma pesquisa na internet, não sei se verdadeira (suponho que o seja): homens não leem obras escritas por mulheres. Quero ser exceção. O único gênero que reconheço em literatura é o das obras literárias em si: gênero conto, romance, novela, poemas, etc.

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