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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Resenha nº 24 - O Arroz de Palma, de Francisco Azevedo

Título: O Arroz de Palma

Autor: Francisco Azevedo

Editora: Record

Gênero: Romance

País de Origem: Brasil

A leitura do livro O Arroz de Palma é extremamente prazerosa. O texto é fluente, leve e poético. Aos 88 anos, o protagonista Antonio está preparando o almoço a ser servido à família.  E, enquanto ele o faz, vai relembrando as histórias que lhe contara a Tia Palma, irmã de seu pai. Tudo começara exatamente em 1908, no casamento de seus pais, em Viana do Castelo, Portugal. Sob uma chuva de arroz abundante, uniram-se José Custódio e Maria Romana. A tia Palma teve a brilhante ideia de recolher todo o arroz, grão por grão, e dá-lo de presente aos dois. Maria Romana sensibilizou-se com o gesto, mas não José Custódio; aliás, o relacionamento entre a tia Palma e ele nunca houvera sido bom. O ato originou, então, a primeira briga do casal recém-formado: Maria defendia tia Palma, José irritava-se contra o estranho presente, arroz sujo, colhido do chão.

Esse cereal, entretanto, vai permear a história toda, tornando-se algo mítico, passando de geração em geração, com uma característica: não estraga, não caruncha. E como que vai cimentando as relações entre casais, símbolo da agregação pelo amor. Tia palma escrevera no cartão, quando entregara seu presente:

“Este arroz – plantado na terra, caído do céu como o maná do deserto e colhido da pedra – é símbolo de fertilidade e eterno amor. Esta é a minha bênção.”

O diálogo que se segue é hilariante, bem característico da relação entre José, sua Tia, e sua esposa.

“Os dois se arrumam como podem. Papai vai abrir a porta.

- Palma?!

Tia Palma entra com o pesado saco de estopa. Pousa-o alividada, sobre a mesa.

- Mas o que é isto?!

Tia Palma não lhe dá resposta, vai direto até mamãe.

As duas se abraçam e se beijam com afeto.

- Maria Romana, estavas lindíssima! Ajudou-me a suportar a falação agoureira daquele corvo de batina!

Papai se irrita com o comentário irreverente.

- Dom Plácido é nosso tio, merece mais respeito!

- Na tristeza e na doença, na pobreza e na velhice, até que a morte os separe! Santo Deus, isto não é uma bênção, é uma praga!” (Página 19)

Tia Palma é uma personagem fascinante:

“Tia Palma era o meu teatro – que repertório, que desempenho! Mas o espetáculo era interrompido no melhor de cada história. Eu cruzava os braços, emburrava. Era hora de ir para cama. Justo agora!

- Antonio, não faz gênio! Olha que amanhã não te conto histórias! Vamos dormir, já é tarde. Eu te dou colo, anda, vem.” (páginas 16/17)

E mais abaixo:

“O colo de Tia palma era uma espécie de útero sem capota, que me levava assim, conversível, por um mundo fantástico, mundo que me fascinava ainda mais porque eu conhecia os protagonistas. Morava com eles.”

Parece que o arroz de Palma funciona. Depois de um tempo sem gerar filhos, a família começa a crescer.

“O arroz de Tia Palma fez efeito, Depois daquela bendita canja papai não parou mais de fazer filhos. Primeiro fui eu, Antonio. E, logo depois, a Leonor. Eram dias e noites literalmente em branco – quilômetros de fraldas tremulando nos varais. Pareciam bandeiras pedindo paz. Mas papai e mamãe não se davam trégua e, assim, chegaram o Nicolau e o Joaquim. Choros diversificados, de fome, de sede, de cólicas ou de pura manha – estes já facilmente reconhecidos e ignorados.”

As metáforas e comparações, relacionando a família à arte culinária se fazem presentes, desde o começo da narrativa, como por exemplo, nas páginas 11/12:

“Preciso me concentrar. É essencial. Por quê? Ora, que pergunta! Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema – principalmente no Natal e no Ano Novo. Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir. Preferimos o desconforto do estômago vazio. Vêm a preguiça, a conhecida falta de imaginação sobre o que se vai comer e aquele fastio. Mas a vida – azeitona verde no palito – sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite. O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida.”

As mudanças sociais, econômicas e tecnológicas formam o pano de fundo dessa narrativa. No início, os personagens se utilizam de cavalos e de carroças como meio de transporte; mais além, já aparecem os automóveis. O Brasil vai deixando de ser um país eminentemente rural e entra na era tecnológica. O apelo da vida nas grandes cidades começa a tirar, cada vez mais, o homem do campo: José Custódio e Maria Romana veem seus filhos irem para a cidade grande, fazendo suas escolhas, mudando a tradição e os rituais.

Pode-se dizer, bem apropriadamente, que esse é um livro gostoso de se ler. A família do protagonista Antonio, cozinheiro de mão cheia, é como a família de todo mundo. Tem seus problemas, suas desavenças, suas diferenças, mas, ao final, tudo se ajeita e aprendemos a amar-nos apesar de todas as características disjuntivas apontadas acima.

Excelente para se ler uma, duas, três, muitas vezes; deixar fluir a leitura e fruir a lírica do autor.

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