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domingo, 12 de agosto de 2012

Resenha nº 17 - O Retorno, de Victoria Hislop

O Retorno, de Victoria Hislop, é o segundo romance publicado da autora. O primeiro foi A Ilha. A autora graduou-se em Letras no St. Hilda’s College, na Universidade de Oxford. Produz textos sobre turismo e viagens para o Sunday Telegraph, o Mail on Sunday e para a revista Woman & Home. Ela mora em Kent, na Inglaterra, com o marido e os dois filhos.

Uma coisa que sobressaiu, na leitura do livro, é a capacidade de descrição de Victoria. O leitor quase enxerga as cenas construídas pelas palavras:

“Segundos antes, as mulheres tinham ocupado seus lugares, as últimas pessoas da plateia a entrarem antes que o gitano carrancudo passasse os ferrolhos na porta com um gesto decidido.

Arrastando atrás de si as saias volumosas, cinco moças de cabelos negros como azeviche entraram em cena. Os vestidos justos enroscavam-se no corpo delas em tons vermelho e alaranjado flamejantes, verde ácido e amarelo-ocre. Essas cores vívidas, um coquetel de perfumes fortes, a rapidez da chegada das mulheres e seu andar arrogante eram de uma dramaticidade impactante, estudada. Atrás delas vinham três homens, vestidos em tom escuro como se fossem para um enterro, todos de negro, do cabelo untado com óleo até sapatos de couro feitos à mão.” (página13, capítulo 1)

O Retorno nos conta, com competência, sobre a visita de duas amigas, Maggie e Sonia, à Espanha. É aniversário de Maggie e as duas vão à cidade de Granada para aprender a dançar. Lá, Sonia descobre o prazer da dança e aprende um pouco de flamenco. É uma dança sensual, ao mesmo tempo contida e explosiva, em que a bailarina, ou bailaora, tem de pôr alma e atitude, isto é, uma dança que, para ser verdadeira, deve ter um duende.

Ao sair sozinha, entretanto, certo dia, encontra um café, o El Barril, onde fica conhecendo Miguel, o dono do estabelecimento. Uma imediata amizade se estabelece entre o velho Miguel e Sonia. Ela recebe dele a informação de o café ter pertencido à família Ramirez. Os dias se passam, entre as aulas na escola de dança, as execuções do que aprende numa boate, com Maggie, e as visitas, sozinha, ao café.

Cartazes espalhados pelas paredes do estabelecimento contam um pouco do passado daquela família e as constantes referências de Miguel à Guerra Espanhola do General Franco atiçam sua curiosidade. Mas, a estada das duas em Granada se encerra e as duas amigas têm de voltar para sua vida. Maggie é solteira e Sonia vive um casamento em crise com James. As diferenças entre o casal se tornam cada vez mais fortes; James não gosta da “mania” de Sonia de dançar.

Algum tempo depois, Maggie vende tudo o que tem e se muda de vez para Granada, pois está envolvida com Paco, “um homem maravilhoso”. Sonia volta à Granada e hospeda-se na casa da amiga, já envolvida com outro “homem maravilhoso”. Entretanto, o que impele Sonia em sua segunda estada na cidade é a história da família Ramirez.

Aos poucos, os Ramirez vão revivendo nas narrativas do velho Miguel: Señor Pablo, señora Conchita, os filhos do casal, Mercedes, Antonio, Ignácio e Emílio. E ressurgem também os horrores da guerra que divide a Espanha entre nacionalistas e republicanos; tornam à vida o poeta García Lorca e o generalíssimo Franco.

Mercedes se torna bailarina de flamenco e se apaixona pelo violonista (ou tocaor) Javier Montero. O amor entre os dois é sincero e profundo, não obstante Mercedes ser uma menina de apenas 16 anos. E tais sentimentos acontecem em meio à guerra. Javier está em Málaga e ela resolve viajar para encontrá-lo. E a viagem é terrível, pois a realidade cruenta dos ataques e bombordeios está em toda parte:

“Embora muitos continuassem a caminhar à noite, a exaustão e a fome forçavam alguns a pararem por uma hora e pouco, e havia sempre pequenas aglomerações à margem da estrada. Famílias amontoadas, um cobertor puxado em cima de todos para aquecer e proteger, usando o colchão que tinha arrastado de casa para criar uma pequena barraca particular, uma miniatura do lar.(…)

A vanguarda dessa procissão compunha-se sobretudo de mulheres, crianças e mais velhos, e era com eles que Mercedes andava. Tinham sido os primeiros a deixar Málaga, desperados para fugir dos captores da cidade. Mais para o fim da marcha vinham andando penosamente os homens viventes e os milicianos derrotados, esgotados, que tinham permanecido na cidade para uma exibição final de resistência. Ainda que caminhassem dias e noites, a viagem a Almería poderia levar até cinco dias. Para os velhos, doentes e feridos, poderia se prolongar ainda mais.” (página 238, capítulo 22)

As cidades, os homens, as mulheres e crianças são inexoravelmente metralhados e bombardeados pelos nacionalistas de Franco. Matam sem piedade. Em meio a uma guerra assim, homens são reduzidos à condição de animais desesperados, para quem só importa salvar suas pobres vidas. Mas, também, surgem gestos tocantes de solidariedade. A família Ramirez não escapa ilesa desses horrores, há mortos e presos. Os republicanos respondem à luta igualmente com assassinatos, emboscadas e, de repente, não se sabe qual facção é mais feroz e brutal.

Pessoas são encaminhadas para países próximos, que os recebem a contragosto, aumentando a humilhação e as necessidades por que já passavam os refugiados.

É surpreendente como Victoria Hislop consegue, em apenas duas obras, tornar-se a escritora que é. O Retorno é uma história de amor intenso, colocada num cenário de guerra, falando-nos das dificuldades extremas por que passaram todos, sem em nenhum momento se tornar piegas ou exagerada em suas cores. Quem escreve sabe como é difícil atingir-se a excelência narrativa com tão poucas obras.

Duas revelações agitam o enredo, quase ao seu final. Um leitor atento perceberá as poucas pistas deixadas de propósito no desenrolar do romance; todavia, somente quando se atingem os últimos capítulos é que o quebra-cabeça, montado com talento pela autora, aparece com clareza.

Victoria Hislop. O Retorno. Editora Intrínseca, Rio de Janeiro: RJ, 2010,403 páginas.

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