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sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Resenha nº 20 - A Última Semana, de João Paulo Cuenca

Há algum tempo venho tomando conhecimento de João Paulo Cuenca, um jovem escritor. Cuenca iniciou sua carreira literária por meio de seu blog, sendo que, ao mesmo tempo, começou a escrever seu primeiro romance, Corpo Presente. Tem participação em várias feiras e festivais, tendo sido convidado como palestrante na FLIP de Paraty, em 2003. Publicou várias crônicas de 2003 a 2010. A editora LeYa reuniu parte desses textos no livro A Última Madrugada, cuja leitura terminei ontem.

J. P. nos relata sua formação de leitor como sendo anárquica. Leu de tudo, e muito novo, viu filmes europeus. Ingmar Bergman foi citado num programa no qual Jô Soares entrevista nosso autor. Assistiu, também a filmes americanos, leu revistas em quadrinhos. “Isso me deu um colchão”, nos diz ele. Tornou-se leitor voraz por influência da mãe.

O autor viajou muito pelo mundo, conheceu vários países e isso se reflete, saborosamente, em seus textos. Neste livro, por exemplo, ele nos fala de sua experiência de uma noite no Hotel Cápsula, em Tóquio. Para quem não sabe, esse hotel não tem quartos, mas pequenas cápsulas, com o espaço suficiente para alguém se deitar e dormir. É quase a conta da cama, uma pequena televisão presa a um suporte de parede:

“Antes de dormir, exploro os corredores lúgubres e estranhamente iluminados do hotel cápsula. Uma cápsula é uma gaveta de fibra de vidro. Você dorme na gaveta, enquanto outros dormem na gaveta de baixo ou acima. Cada corredor tem umas trinta gavetas por parede, três fileiras de dez, uma sobre a outra. Aqui devem ter umas quinhentas pessoas.” (página 198, O encapsulado)

Alguns pontos de vista originais dão um sabor único aos textos:

“Um trem noturno é uma máquina de abandono. Pelas janelas, as paisagens transformam-se em alta velocidade: montanhas e pequenas cidades ficam para trás, como peças de roupa jogadas no chão. A cada zunir de postes, a cada dormente dos trilhos, o passado dos viajantes se desprende um pouco mais dos seus corpos – como casca de ferida.” (página 209, Um trem noturno)

Há lugar para o lirismo, como na página 215, da crônica O Olhar da dançarina:

“Abaixo das órbitas incendiárias daqueles olhos, alguém poderia dizer que sua saia é uma onda brava do mar de Alborán. Que seus pés são armas de repetição. Que suas mãos são plumas brancas soltas no ar. Que seus dedos de pianista são cápsulas de orquídeas desconhecidas pela biologia moderna… Pouco disso importa quando uma súbita explosão interrompe os passos suaves da bailarina e, com eles, toda poesia barata.

É que, num movimento ágil, ela pula sobre si mesma, batendo os dois pés no piso de madeira. O choque sobe pelas pernas da dançarina, há um estremecimento doce em cada ponto desse corpo. Num movimento ágil, ela gira o tronco com violência e bate as palmas das mãos. O choque vibra pelos braços da dançarina até chegar aos seus ombros que se contraem com breve ternura.”

Mas, o grande personagem é a cidade. Na verdade, as cidades. O cronista as observa com olhos sagazes, anotando seus humores, suas transformações, seus indícios de modernidade e de passado.

João Paulo Cuenca usa referências como Amy Winehouse, em Londres; um quadro de Hopper em Madri; o cantor e compositor João Gilberto, no Brasil; os concertos do Radiohead. Referências históricas também têm seu lugar. Cuenca tem um olhar sobre o moderno, o contemporâneo, sem deixar, entretanto, de levar em conta o passado, a história.

Um ótimo livro para se ler de uma sentada, em 233 páginas de textos fluentes e curtos, com um lirismo contido e observações agudas.

João Paulo Cuenca. A Última Madrugada, editora LeYa,São Paulo: SP, 2012, 233 páginas.

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