Título
original: Contos de Horror da América Latina Autores:
Vários Editora:
TAG Experiência Literárias Edição:
n/c ISBN:
978-65-88526-26-2 Origem:
América Latina Gênero
literário: Contos de Horror (Coletânea) Coordenação:
Laura Viola Hübner/Kailaine Eduarda da Rosa |
Este não é o
gênero de literatura que costumo frequentar: uma coletânea de contos de horror.
Você pode me perguntar: por que leu, então? Bom, tenho algumas razões –
somente uma mais convincente. Recebi o volume de brinde da TAG.
Ao ler a
introdução e dar de cara com a seguinte informação, minha curiosidade foi incentivada:
“Este é não é um livro de Realismo maravilhoso, é um livro de horror. Ainda assim, muitos dos autores e autoras aqui presentes são considerados precursores do movimento que eternizaria nomes como Gabriel Garcia Márquez, Jorge Luiz Borges e Silvina Ocampo. Entre outras semelhanças, isso pode se dar por nossos monstros não terem dentes afiados nem se alimentarem de sangue; eles apresentam dentes humanos, às vezes podres, toleram alho e cruzes – alguns até mesmo as veneram. Nossos monstros são a nossa própria realidade, por vezes assombrosas.” (página 9 – grifo meu)
Ora, se são
monstros da nossa própria realidade, já me é possível até gostar desta
coletânea. Minha implicância com o gênero não é propriamente o ambiente gótico
das narrativas. São as referências a um tal e qual inverossímil sobrenatural,
com caveiras e esqueletos flutuando por aqui e por ali. Não gosto de contos de
cripta, motivo que me faz ficar distante de reconhecidos escritores como H. P. Lovercraft e Stephen King.
Dez contos compõem
Contos de Horror da América Latina, e este passeio pela literatura dos nossos
vizinhos foi outro fator de aproximação. O filho, de Horacio Quiroga; Os
porcos, de Júlia Lopes de Almeida; O Cemitério, de Lima Barreto; O
Homem morto, de Leopoldo Lugones; O juramento, de Humberto de
Campos; Ervas e alfinetes, de Juana Manuel Gorriti; O bebê de
tarlatana rosa, de João do Rio; De além-túmulo, de José Juan
Tablada; A causa secreta, de Machado de Assis e A galinha degolada,
de Horacio Quiroga.
Destes autores,
apenas tinha ouvido falar, como autores de contos de horror, de Horacio Quiroga
e de Machado de Assis. O nosso Machado se aventurou também, embora pouca gente o
saiba, por trabalhos de ficção científica.
Leopoldo Lugones,
Juana Manuel Gorriti, José Juan Tablada me eram desconhecidos; Humberto de
Campos, João do Rio, Júlia Lopes de Almeida, Lima Barreto são autores dos quais
nem desconfiava terem produzido trabalhos no gênero horror.
De fato, os
monstros aqui são da nossa realidade. Loucos, aprisionados em situações sem
controle, atormentados pelo amor calado a uma mulher casada mancham estas
páginas de sangue e sofrimento. Não há fantasmagorias, como no famoso conto de
Edgar Allan Poe, O gato preto – trabalho ao qual me rendi, por ser muito
bem escrito.
Não será
apropriado resumir cada um dos contos deste Contos de Horror da América
Latina. Por isso, devo selecionar alguns, para dar uma ideia ao leitor que
lê este blogue. E começo por Ervas e alfinetes, de Juana Manuela
Gorriti.
O conto começa
por um diálogo, em que uma pessoa perguntou a um cético doutor se ele acredita
em maldições. Como é de se esperar, o profissional da saúde responde não
acreditar nas maldições de origem diabólicas ou que tenham relação com o
sobrenatural. Ele acredita apenas nas de origem natural.
O doutor conta
então um caso, passado em La Paz, onde ele havia angariado a fama de
magnetizador – baseado em Anton Mesmer. Neste ambiente, apresentou-se a ele uma
jovem de boa procedência social. Santiago, o prometido desta senhora, padecia
de uma rigidez no corpo inteiro, impossibilitado de andar e com muitas dores. O
doutor tratou-o com ervas de seu conhecimento.
Entretanto,
encontrou escondido no travesseiro do paciente uma boneca, com agulhas
espetadas por toda a coluna cervical. O doutor põe a boneca em seu bolso e vai
embora. Ao chegar em casa, sua mulher descobre a tal boneca e arranca, um a um,
os alfinetes já enferrujados. O paciente é curado.
Fica o doutor na
defesa de sua tese, a de que as suas beberagens preparadas de acordo com
técnicas pré-estabelecidas haviam sido eficazes. Já o interlocutor deste caso,
no mínimo, curioso – e segundo suas próprias inclinações – acredita ter sido o
feitiço, o vodu solucionado.
Outro conto
selecionado é o A causa secreta, de Machado de Assis. Conta-nos o
narrador machadiano que uma mulher muito bonita, foi contaminada com a tísica –
tuberculose, para a qual não havia cura à época – e morria aos poucos:
“Nos últimos dias, em presença dos tormentos supremos da moça, a índole do marido subjugou qualquer outra afeição. Não a deixou mais: fitou o olho baço e frio naquela decomposição lenta e dolorosa da vida, bebeu uma a uma as aflições da bela criatura, agora magra e transparente, devorada de febre e mimada de morte. Egoísmo aspérrimo, faminto de sensações, não lhe perdoou um só minuto de agonia, nem lhos pagou com uma só lágrima, pública ou íntima. Só quando ela expirou é que ele ficou aturdido. Voltando a si, viu que estava outra vez só.” (página 122)
O médico
aconselha ao marido que vá dormir um pouco, para restaurar as forças. Na sala,
junto ao cadáver, fica só o Garcia:
“Garcia tinha-se chegado ao cadáver, levantara o lenço e contemplara por alguns instantes as feições defuntas. Depois, como se a morte espiritualizasse tudo, inclinou-se e beijou-a na testa. Foi nesse momento que Fortunato [marido] chegou à porta. Estacou assombrado; não podia ser o beijo de amizade, podia ser o epílogo de um livro adúltero. Não tinha ciúmes, note-se; a natureza compô-lo de maneira que lhe não deu ciúmes nem inveja, mas dera-lhe vaidade, que não é menos cativa ao ressentimento. Olhou assombrado, mordendo os beiços.” (página 123)
Fica aí a
recomendação de leitura. Pelo que vi, muitos associados ao clube devem não ter
gostado do brinde da TAG, pois os cederam para venda em sebos virtuais. São todos
bons contos, bem escritos, mas a seleção e a orientação dos trabalhos desagradem
a gregos e a troianos.
Por um lado,
aqueles diletantes dos contos de horror, com fantasmas vindo assustar ou
possuir os vivos, com cadáveres malcheirosos saindo das sepulturas ou pântanos
para se vingarem, o livro é leve demais. Para aqueles outros, que definitivamente
não gostam do gênero e preferem livros de outro universo, o brinde da TAG ficou
pesado demais.
Nem tanto ao mar,
nem tanto à terra. Sou daqueles que apreciam, antes de tudo, um texto bem escrito.