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domingo, 30 de junho de 2024

Resenha nº 224 - Escrita em Movimento, de Noemi Jaffe

 



Título: Escrita Em Movimento

Autora: Noemi Jaffe

Editora: Companhia das Letras

Edição: 1ª

Copyright: 2023

ISBN: 978-65-5921-590-4

Gênero: Dissertação

Origem: Brasil

 

Noemi Jaffe é doutorada pela USP. Dá aulas de escrita criativa na Casa do Saber, no curso de formação para escritores do Instituto Vera Cruz. É, ainda, crítica literária do jornal Folha de São Paulo.

No campo da não ficção, ela publicou Folha explica Macunaíma (2001), Do princípio às criaturas (2011), Crônica na sala de aula (2003), Ver palavras, ler imagens (2001) e Escrita em movimento (2023).

No campo da literatura brasileira, escreveu Todas as coisas pequenas (2005), Quando nada está acontecendo (2011), A verdadeira história do alfabeto (2012), O que os cegos estão sonhando? (2012), Írisz: as orquídeas (2015), O livro dos começos (2016), Não está mais aqui quem falou (2017), O que ela sussurra (2020) e Lili – novela de um luto (2021).

Na verdade, hesitei em fazer resenha de um livro de não ficção, como é este Escrita em movimento, de Noemi Jaffe. O subtítulo já nos informa do que trata o pequeno volume: Sete princípios do fazer literário. Mas, como aproveitei muitas informações da obra e como ela não é um livro acadêmico, convenci-me de que deveria resenhá-lo. Afinal, é um trabalho destinado não só a quem deseje escrever; certamente, que gosta de aprender um pouco mais sobre literatura também poderá servir-se das orientações de Noemi.

Jaffe divide Escrita em movimento em sete princípios, seguidos de depoimentos de autores sobre eles. São: 1) Palavras – com a palavra Beatriz Bracher; 2) Simplicidade – com a palavra José Luiz Passos; 3) Consciência narrativa – com a palavra Eliana Alvez Cruz; 4) Originalidade – com a palavra Carol Bensimon; 5) Estranhamento – com a palavra Jeferson Tenório; 6) Detalhes – com a palavra Milton Hatoum; 7) Experimentação – com a palavra Edimilson de Almeida Pereira.

Princípio 1: Palavras.

Noemi afirma que

“Na literatura, “como se diz” é tão ou mais importante do que “o que” se diz, e é no “como” que se localiza a marca autoral de um escritor.” (página 24)

Opondo-se à ideia difundida de inspiração como algo etéreo, metafísico, a autora afirma que, para um autor,

“não são as palavras que obedecem às ideias, mas o contrário. No primeiro caso, deparamos com textos explícitos, panfletários. Já no segundo, encontramos a originalidade, surpresas e a relação indissolúvel entre a história e o sabor de contá-la.” (página 27)

Princípio 2: Simplicidade.

“Simples é o que evita refinamentos e rebuscamentos desnecessários. Diante da possibilidade de escolher, por exemplo, entre um termo culto, de extração elevada ou antiga e outro mais coloquial e facilmente compreensível, o texto simples opta pelo segundo. Entre “derradeiro” e “último”, o princípio da simplicidade recomenda o uso de “último”, excetuando-se o caso em que “derradeiro” se fizer necessário – por exemplo, se for próprio da fala culta de um personagem.” (página 56)

Mesmo no caso de sinônimos, esclarece Jaffe, há pequenas nuances de significado entre eles, pois não há sinônimos perfeitos.

Princípio 3: Consciência Narrativa

 “A escrita de uma narrativa ficcional – conto, novela, romance – comporta inúmeras opções importantes, maiores ou menores, que podem ocorrer antes, depois e principalmente durante o processo, e que vão determinar os caminhos e a identidade que a obra irá tomar.

O escritor precisa ter consciência dessas opções e saber que cada uma delas imprime determinadas características à sua escrita: atmosfera, tom, confiabilidade por parte do leitor ou não, maior ou menor neutralidade, maior ou menor objetividade, aproximação ou distanciamento do leitor em relação ao texto, intimidade ou formalidade, emoção ou apelo à razão e muitas outras.” (página 76)

Princípio 4: Originalidade

Confirmando o que se entende por originalidade, hoje em dia, nem sempre foi um critério a ser alcançado, Noemi cita o nosso Gregório de Matos Guerra; ele se esmerou em imitar poetas consagrados. Este princípio – o da imitação de obras consagradas – na verdade, é antigo – aparece em ninguém menos que Luís Vaz de Camões: em sua obra lírica, seus sonetos bem-construídos beberam da fonte de Petrarca.

“As coisas não são mais assim (já faz alguns séculos, na verdade) e agora criar algo que fuja aos padrões, que rompa com as expectativas ou que somente apresente algo novo é considerado uma qualidade primordial da obra literária. É claro que é sempre fundamental diferenciar a novidade pela novidade – gratuita e superficial – da novidade que realmente faz sentido.” (página 103)

Princípio 5: Estranhamento

“O estranhamento é tanto consequência como causa do ofício da escrita literária. Escrever exige estranhamento e provoca estranhamento. Um escritor geralmente questiona as formas como as coisas se manifestam, sente necessidade de interpretar palavras e sentidos, mas, sobretudo, o escritor é aquele que se espanta com as coisas, desde as mais triviais às mais extraordinárias. Ele dificilmente permite que as coisas se banalizem, já que quase tudo é matéria de escrita para ele.” (página 130)

Princípio 6: Detalhes

“Quando conhecemos alguém, superficial ou profundamente, o que nos faz sentir de fato próximos da pessoa são suas manias, idiossincrasias, hábitos, detalhes: uma coceira, um cacoete verbal ou gestual, um objeto especial, uma fotografia, uma música, uma piada privada. Muitas vezes, uma única menção a algum desses detalhes faz com que o personagem seja compreendido metonimicamente, pela força sintética desse elemento.” (página 151)

Princípio 7: Experimentação

“O contrato que o texto experimental estabelece com o leitor costuma ser claro: trata-se de uma obra que se abre para potencialidades ainda inexploradas da linguagem e/ou do tratamento temático. Um leitor que se dispõe a ler uma obra com essa proposta precisa, igualmente, abrir-se para um novo olhar. Só assim poderá decidir se aquele experimento atingiu o efeito desejado e se ele efetivamente abre novos caminhos. Esperar que a leitura de um texto experimental seja semelhante a uma leitura habitual é um equívoco e pode levar a julgamentos precipitados e, muitas vezes, preconceituosos.” (página 170)

Escrita em Movimento ajunta, ainda a proposta de exercícios de aplicação prática, relativa a cada um dos princípios: por exemplo, reescreva um trecho já conhecido de um modo novo; crie um personagem, conviva com ele a cada dia, depois escreva um trecho explorando os detalhes, as manias que tal personagem possua.

A leitura é leve e descontraída, além de informativa. Noemi Jaffe faz uso de duas qualidades advindas de suas práticas, como professora de literatura e como escritora. Se você é um leitor que gosta de se informar um pouco mais sobre a arte de escrever (e, quem sabe, se anime a produzir seu próprio texto), meu conselho é válido: não perca a leitura deste Escrita em Movimento.

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