Escreveu, ainda,
Misíon Olvido, de 2012, (A Melhor História
Está Por Vir) e Destino: La Templanza,
de 2015 (conservaram o título espanhol na tradução brasileira). Todos os livros
dessa autora publicados no Brasil são da Editora Planeta.
O texto do
romance se estende por 471 páginas de puro prazer da leitura. A ambientação em
que se movem os personagens é a de dois conflitos armados – A Guerra Civil
Espanhola (1936-1939) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Com uma vasta e
sólida pesquisa sobre essas duas conflagrações, María Dueñas consegue construir
ricas referências históricas e culturais. Seus personagens fictícios convivem
lado a lado com personagens reais.
Numa preocupação
assumida, Dueñas não abre mão de incluir, ao final do livro, uma bibliografia
utilizada na pesquisa. Muitos são contra tal apêndice numa obra ficcional; a
meu ver, isso só valoriza um romance de fundo histórico. É mais uma questão
pessoal, já que a ausência de uma bibliografia assim não desmerece qualquer
obra narrativa.
O texto da
autora é muito fluente, o que contribui sensivelmente para o seu sucesso; a
leitura não representa qualquer dificuldade para o leitor mediano. As
referências, quando atinentes às guerras, personalidades espanholas, à haute couture (alta costura) são
devidamente explicadas, para que o leitor não se perca. O enredo apresenta boas
reviravoltas, manejadas – surpreendentemente, mas não tanto – pela ficcionista
iniciante. Ressalvei o termo "surpreendentemente", acima, pois acredito ser María
Dueñas uma leitora frequente de obras literárias, como se pode depreender da segurança com que manipula a narrativa. À medida que a gente vai
lendo, inconscientemente internaliza estruturas textuais, elaborações de
personagens.
Sira Quiroga, a
protagonista deste O Tempo Entre Costuras,
é absolutamente fascinante. Acompanhamos o seu desenvolvimento desde uma
ingênua adolescente, aprendiz de costureira, trabalhando com sua mãe no ateliê
de dona Manuela, em Madri, insegura e dependente, a uma mulher madura, dona de
suas escolhas e do seu destino. Nesse sentido, a presente obra se caracteriza
como um romance de formação.
Rosalinda Fox é
uma inglesa, muito esperta, vivida, não obstante presa a um casamento infeliz
(fora contraído quando ela estava muito nova) com um marido que não lhe concede
o divórcio sob nenhuma hipótese. Os diálogos entre Sira e Rosalinda são
pontuados de termos em inglês, português e um espanhol pouco fluente. Tornam-se
amigas.
Candelária é
outra personagem excelente. Velha trambiqueira, contrabandista de plantão, terá
um papel fundamental na vida de Sira. Dona de uma pensão, uma verdadeira
pocilga, essa mulher sem muita instrução, mas com uma enorme experiência de
vida é afável e dura e, ao mesmo tempo, uma verdadeira mãezona para a protagonista.
Dom Claudio
Vázquez é um delegado humano, com um forte sentido de intuição, sentido esse usado por ele sem
culpa. Sira também deverá a Dom Cláudio, durante parte da narrativa, alguns favores
imprescindíveis para ela.
O coronel Juan Beigbeder
Atienza é um alto comissário da Espanha em Marrocos; supreendentemente, sente-se em
casa entre os marroquinos. Creio, María Dueñas tirou um coelho da cartola, ao
construir um personagem como este. É um militar sensível, culto, com ideias,
digamos, pouco afeitas ao militarismo, ao nazismo hitleriano e à ditadura do Generalíssimo
Franco.
Marcus Logan, de
origem inglesa, a princípio um jornalista que vai fazer um trabalho sobre o
Marrocos – mais precisamente, a cidade de Tetuán – é cheio de mistérios, alguém que irá ocupar um papel fundamental na vida de Sira. Ela obterá revelações importantes sobre ele no final da história.
Gonzalo Alvarado
é um empresário cuja empresa possui duzentos empregados; no passado, cedeu a
pressões familiares e não impôs sua vontade, não tendo lutado por construir sua vida amorosa ao lado de quem realmente amava, fato ainda perturbador para ele no
presente. Como nunca é tarde para mudanças, ele resolve assumir a filha do relacionamento anterior ao seu atual casamento, dotando-a com uma considerável
quantia em dinheiro e joias.
Dolores, mãe de
Sira Quiroga, outra personagem muito bem elaborada. Mostra-se forte,
determinada e segura sobre qual caminho seguir, mas secretamente, tem seus
momentos de indecisão. Mesmo assim, é uma mulher com profundo sentido de dever
e de caráter. A sucessão dos acontecimentos vai trazer maior flexibilidade à sua
forma de pensar e ela consegue, em meio aos conflitos, desenvolver certa visão
crítica dos fatos.
Enfim, num
ambiente de guerra, de conspirações, a obra nos mostra um pouco do que acontece
nos bastidores desses conflitos. Serviços de espionagem e contraespionagem,
cenário constantemente ambíguo, inseguro, fluido, no qual nenhum dos envolvidos
mostra aquilo que realmente é tornam a vida de Sira Quiroga uma aventura de
alto risco; mas é aí mesmo, sem muitas escolhas uma vezes, outras fazendo
escolhas de modo acrítico, que ela deverá se mover.
Os personagens
vão e voltam, trazendo evocações à protagonista. Ela aprende sentindo o perigo,
a dor na própria pele. Tais seres, importantes dentro da narrativa, têm suas
virtudes e seus defeitos; Sira Quiroga, por exemplo, tem seus medos, é acusada
por Ignácio de não se lembrar dos mais pobres, das pessoas conhecidas do bairro
onde havia morado, em Madri e sente o golpe, por ser verdade. Como seres
humanos reais, eles mostram às vezes suas faces menos elogiáveis, agem por
interesse. Como a certa altura a mãe de Sira lhe lembra, a Inglaterra quer a
Espanha fora do apoio às potências do eixo em benefício próprio, mas tal
interesse deve ser aproveitado, pois o povo espanhol, sobretudo a camada mais
pobre, já não suporta mais passar por privações e desmandos. Ficar fora da
guerra seria para eles um alívio ao sofrimento pelas privações impostas pela Guerra
da Espanha.
Como já disse,
Sira Quiroga tinha uma vida tranquila com a mãe, em Madri. Entretanto,
apaixona-se por um homem sedutor, trai o noivo, distancia-se da mãe e muda-se
para o Marrocos, na cidade de Tânger. O Marrocos, à época, é um protetorado
espanhol, isto é, uma espécie de território anexado à Espanha, mas gozando de
bastante liberdade. As coisas se complicam para nossa personagem e ela é
obrigada a se mudar para Tertuán e lá monta um ateliê de alta costura, com a
ajuda de Candelária. Pela sua confecção circulam mulheres de oficiais alemães e
esta movimentação acaba por envolver a senhorita Quiroga num complexo jogo de
quebra-cabeças político de bastidores. Aparece a oportunidade de montar uma
confecção como a que tem em Tertuán em Madri. É o que faz. De lá, entretanto,
depois de algum tempo, viaja para Lisboa, em Portugal.
Sossegue, caro
leitor, não estou avançando qualquer spoiler;
isso é apenas um resumo, muito por alto, do enredo, uma espécie de planta
baixa. O que acontece entre essas constantes mudanças de endereço é o que
realmente importa para manter sua atenção à leitura.
Algumas pequenas
degustações, como costumo fornecer:
“Uma máquina de escrever detonou meu destino. Foi uma Hispano-Olivetti, e
dela me separou durante semanas o vidro de uma vitrina. Visto hoje, do parapeito dos anos passados, é difícil
acreditar que um simples objeto mecânico pudesse ter potencial suficiente para
alterar o rumo de uma vida e dinamitar em quatro dias todos os planos traçados
para sustentá-la. Pois assim foi, e nada pude fazer para impedir.” (página 10)
“Trabalhei manhã, tarde e noite ao longo dos dias seguintes. Era a
primeira vez que eu fazia peças daquela envergadura sozinha, sem a supervisão
nem a ajuda de minha mãe ou de dona Manuela. Por isso, apliquei na tarefa os
cinco sentidos multiplicados por cinquenta mil, e, contudo, o medo de falhar
não me abandonou nem por um segundo. Desmanchei mentalmente os modelos das
revistas, e quando as imagens não podiam me oferecer mais nada, afiei a
imaginação e intuí tudo aquilo que não consegui visualizar.” (página 124)
“Deus sabe que não sou nenhum liberal, mas acho repugnante o
totalitarismo megalomaníaco que Franco montou depois da vitória; esse monstro
que ele engendrou e que muitos de nós colaboramos para alimentar. Você não
imagina como me arrependo de ter contribuído para engrandecer sua figura em
Marrocos durante a guerra. Não gosto deste regime, não gosto de jeito nenhum.
Acho que nem gosto da Espanha; pelo menos, não gosto dessa grande e livre que
estão tentando nos vender. Passei mais anos de minha vida fora deste país que
dentro; aqui eu me sinto um estranho, muitas coisas são estranhas para mim.”
(página 327)
A
quarta capa da obra diz:
“Seria injusto classificar O tempo entre costuras. Mais
correto seria dizer que se trata desses romances deliciosos nos quais cada
página nos provoca sensações diferentes. Sem sombra de dúvidas, María Dueñas é
dessas autoras que sabem falar e tocar os leitores. Entregue-se a esta
história, você não vai se arrepender.”
Não
tenho nada a acrescentar. Nem uma vírgula.
DUEÑAS,
María. O tempo entre costuras.
Editora Planeta do Brasil, 4ª reimpressão. São Paulo, SP: 2012.
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