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quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Resenha nº 228 - Contos de Horror da América Latina, Vários Autores

 



 

Título original: Contos de Horror da América Latina

Autores: Vários

Editora: TAG Experiência Literárias

Edição: n/c

ISBN: 978-65-88526-26-2

Origem: América Latina

Gênero literário: Contos de Horror (Coletânea)

Coordenação: Laura Viola Hübner/Kailaine Eduarda da Rosa

 

Este não é o gênero de literatura que costumo frequentar: uma coletânea de contos de horror. Você pode me perguntar: por que leu, então? Bom, tenho algumas razões – somente uma mais convincente. Recebi o volume de brinde da TAG.

Ao ler a introdução e dar de cara com a seguinte informação, minha curiosidade foi incentivada:

“Este é não é um livro de Realismo maravilhoso, é um livro de horror. Ainda assim, muitos dos autores e autoras aqui presentes são considerados precursores do movimento que eternizaria nomes como Gabriel Garcia Márquez, Jorge Luiz Borges e Silvina Ocampo. Entre outras semelhanças, isso pode se dar por nossos monstros não terem dentes afiados nem se alimentarem de sangue; eles apresentam dentes humanos, às vezes podres, toleram alho e cruzes – alguns até mesmo as veneram. Nossos monstros são a nossa própria realidade, por vezes assombrosas.” (página 9 – grifo meu)

Ora, se são monstros da nossa própria realidade, já me é possível até gostar desta coletânea. Minha implicância com o gênero não é propriamente o ambiente gótico das narrativas. São as referências a um tal e qual inverossímil sobrenatural, com caveiras e esqueletos flutuando por aqui e por ali. Não gosto de contos de cripta, motivo que me faz ficar distante de reconhecidos escritores como H. P. Lovercraft e Stephen King.

Dez contos compõem Contos de Horror da América Latina, e este passeio pela literatura dos nossos vizinhos foi outro fator de aproximação. O filho, de Horacio Quiroga; Os porcos, de Júlia Lopes de Almeida; O Cemitério, de Lima Barreto; O Homem morto, de Leopoldo Lugones; O juramento, de Humberto de Campos; Ervas e alfinetes, de Juana Manuel Gorriti; O bebê de tarlatana rosa, de João do Rio; De além-túmulo, de José Juan Tablada; A causa secreta, de Machado de Assis e A galinha degolada, de Horacio Quiroga.

Destes autores, apenas tinha ouvido falar, como autores de contos de horror, de Horacio Quiroga e de Machado de Assis. O nosso Machado se aventurou também, embora pouca gente o saiba, por trabalhos de ficção científica.

Leopoldo Lugones, Juana Manuel Gorriti, José Juan Tablada me eram desconhecidos; Humberto de Campos, João do Rio, Júlia Lopes de Almeida, Lima Barreto são autores dos quais nem desconfiava terem produzido trabalhos no gênero horror.

De fato, os monstros aqui são da nossa realidade. Loucos, aprisionados em situações sem controle, atormentados pelo amor calado a uma mulher casada mancham estas páginas de sangue e sofrimento. Não há fantasmagorias, como no famoso conto de Edgar Allan Poe, O gato preto – trabalho ao qual me rendi, por ser muito bem escrito.

Não será apropriado resumir cada um dos contos deste Contos de Horror da América Latina. Por isso, devo selecionar alguns, para dar uma ideia ao leitor que lê este blogue. E começo por Ervas e alfinetes, de Juana Manuela Gorriti.

O conto começa por um diálogo, em que uma pessoa perguntou a um cético doutor se ele acredita em maldições. Como é de se esperar, o profissional da saúde responde não acreditar nas maldições de origem diabólicas ou que tenham relação com o sobrenatural. Ele acredita apenas nas de origem natural.

O doutor conta então um caso, passado em La Paz, onde ele havia angariado a fama de magnetizador – baseado em Anton Mesmer. Neste ambiente, apresentou-se a ele uma jovem de boa procedência social. Santiago, o prometido desta senhora, padecia de uma rigidez no corpo inteiro, impossibilitado de andar e com muitas dores. O doutor tratou-o com ervas de seu conhecimento.

Entretanto, encontrou escondido no travesseiro do paciente uma boneca, com agulhas espetadas por toda a coluna cervical. O doutor põe a boneca em seu bolso e vai embora. Ao chegar em casa, sua mulher descobre a tal boneca e arranca, um a um, os alfinetes já enferrujados. O paciente é curado.

Fica o doutor na defesa de sua tese, a de que as suas beberagens preparadas de acordo com técnicas pré-estabelecidas haviam sido eficazes. Já o interlocutor deste caso, no mínimo, curioso – e segundo suas próprias inclinações – acredita ter sido o feitiço, o vodu solucionado.

Outro conto selecionado é o A causa secreta, de Machado de Assis. Conta-nos o narrador machadiano que uma mulher muito bonita, foi contaminada com a tísica – tuberculose, para a qual não havia cura à época – e morria aos poucos:

“Nos últimos dias, em presença dos tormentos supremos da moça, a índole do marido subjugou qualquer outra afeição. Não a deixou mais: fitou o olho baço e frio naquela decomposição lenta e dolorosa da vida, bebeu uma a uma as aflições da bela criatura, agora magra e transparente, devorada de febre e mimada de morte. Egoísmo aspérrimo, faminto de sensações, não lhe perdoou um só minuto de agonia, nem lhos pagou com uma só lágrima, pública ou íntima. Só quando ela expirou é que ele ficou aturdido. Voltando a si, viu que estava outra vez só.” (página 122)

O médico aconselha ao marido que vá dormir um pouco, para restaurar as forças. Na sala, junto ao cadáver, fica só o Garcia:

“Garcia tinha-se chegado ao cadáver, levantara o lenço e contemplara por alguns instantes as feições defuntas. Depois, como se a morte espiritualizasse tudo, inclinou-se e beijou-a na testa. Foi nesse momento que Fortunato [marido] chegou à porta. Estacou assombrado; não podia ser o beijo de amizade, podia ser o epílogo de um livro adúltero. Não tinha ciúmes, note-se; a natureza compô-lo de maneira que lhe não deu ciúmes nem inveja, mas dera-lhe vaidade, que não é menos cativa ao ressentimento. Olhou assombrado, mordendo os beiços.” (página 123)

Fica aí a recomendação de leitura. Pelo que vi, muitos associados ao clube devem não ter gostado do brinde da TAG, pois os cederam para venda em sebos virtuais. São todos bons contos, bem escritos, mas a seleção e a orientação dos trabalhos desagradem a gregos e a troianos.

Por um lado, aqueles diletantes dos contos de horror, com fantasmas vindo assustar ou possuir os vivos, com cadáveres malcheirosos saindo das sepulturas ou pântanos para se vingarem, o livro é leve demais. Para aqueles outros, que definitivamente não gostam do gênero e preferem livros de outro universo, o brinde da TAG ficou pesado demais.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Sou daqueles que apreciam, antes de tudo, um texto bem escrito.

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