|
Título
original: The Turn Of The Screw Autor:
Henry James Tradutor:
Caetano Galindo Editora:
TAG Experiências Literárias Copyright:
2023 ISBN:
978-88526-25-5 Gênero
Literário: Novela Origem:
Estados Unidos |
Henry James nasceu em Nova Iorque, EUA,
em 15/04/1843 e veio a falecer em Londres, Inglaterra, em 28/02/1916. Escritor
americano, cidadão inglês por nacionalização. Trata-se de um dos principais
escritores da escola literária do realismo (séc. XIX). Escreveu romances, peças
de teatro, contos e críticas literárias das mais conceituadas da literatura em
língua inglesa.
O pai de nosso
resenhado de hoje – William James – era um homem culto; filósofo, fez absoluta
questão de propiciar boa educação ao filho. Viajou pela Europa em 1855 e por
três anos andaram pela Inglaterra, Suíça e França. O turismo a estes países
incluiu visitas a museus, bibliotecas e teatros.
Henry era
apaixonado por literatura francesa, apesar de sua formação ser na área do
direito (Harvard). Viveu em Paris por um tempo (ah, Paris, sempre Paris!) e
teve contato com o círculo de Flaubert; conheceu Daudet, Maupassant e Zola. Em
1876, definiu-se por fixar residência em Londres – a maior parte de sua obra
foi escrita na capital dos ingleses.
Escreveu os
seguintes romances: Roderick Hudson (1876); Os Europeus (1878); Washington
Square (1880); Retrato de Uma Senhora (1881); Os Bostonianos (1886); Pelos
Olhos de Maisie (1897); A Outra Volta do Parafuso (1898); As Asas da Pomba
(1902); Os Embaixadores (1903) e A Taça de Ouro (1904).
Seus contos: Uma
Tragédia de Enganos (1864), The Story of A Year (1865); A Passionate Pilgrim
(1871); Madame de Mauves (1874); Daisy Miller (1878); Os Manuscritos de Jeffrey
Asper (1888); The Lesson of The Master (1888); O Desenho no Tapete (1896) e A
Fera na Selva (1903).
Meu primeiro
contato com o escritor foi por meio da novela A Fera na Selva. Uma excepcional
novela, curta no tamanho, mas grande no que se propõe como obra literária. Tanto
me foi importante a leitura, ela me ficou na memória após passados tantos anos.
A escrita de
Henry James é impressionante. A Outra Volta do Parafuso é uma novela pequena,
enxuta, vazada em um texto preciso e sem filigranas – aliás, como convém a um texto
vinculado ao realismo. Não acho uma obra fácil de ler, apesar de não contar com
palavras difíceis; a dificuldade está no enredo, que progride psicologicamente,
tornando a narrativa lenta e cheia de análises.
É uma história de
fantasma; entretanto, o autor subverte este subgênero (atenção, a referência a
subgênero, aqui, é meramente classificatória – sou daqueles que acreditam que
se podem produzir grandes obras em qualquer gênero) e não segue os clichês das histórias
fantasmagóricas.
“A história nos mantivera, ao redor da lareira, aflitos o bastante, porém, com exceção do reparo óbvio de que era arrepiante, como um estranho conto em uma casa antiga na véspera de Natal deveria mesmo ser, não me lembro de nenhum comentário ter sido proferido até alguém notar que era o único caso com que havia deparado no qual tal provação recaísse sobre uma criança. O caso, posso mencionar, era o de uma aparição em uma casa tão antiga quanto aquela em que nos encontrávamos reunidos – uma manifestação de um tipo terrível, perante um menininho dormindo no quarto com a mãe, que a despertou, apavorado, não para que ela dissipasse seu medo e o tranquilizasse até que voltasse a dormir, mas para que ela mesma deparasse, antes de conseguir fazê-lo, com a visão que o havia chocado.” (página 17)
O parágrafo de
abertura deste A Outra Volta do Parafuso – sem sombra de dúvida, um
clássico – tem lugar na Mansão de Bly, em Essex, Inglaterra. É propriedade do
Sr. Douglas, viúvo, com um casal de filhos: Miles e Flora. Naquela casa, existe
ainda a figura da Sra. Grose, que toma conta das duas crianças. O Sr. Douglas
não mora com elas, pois trabalha na cidade.
É a Sra. Grose
que, até certo ponto, vai deixar a narradora em primeira pessoa, não nomeada, a
par de fatos do passado. Digo até certo ponto porque Henry James capricha na
ausência de informações que levem o leitor a transitar com segurança
interpretativa e tirar conclusões indubitáveis sobre os fantasmas que habitam esta
história.
As primeiras
impressões da governanta começaram da entrevista de emprego, sobre o Sr.
Douglas, seu patrão em potencial:
“Quando ela se apresentou para consideração em uma casa na Harley Street, que lhe pareceu enorme e imponente, tal pessoa, seu patrão em potencial, se revelou um cavalheiro, um homem solteiro no auge da vida, uma figura como nunca havia parecido fora de um sonho ou de um antigo romance a uma jovem alvoroçada e ansiosa, recém-saída de um presbitério em Hampshire. É fácil imaginar o tipo, que, por sorte, nunca míngua. Ele era bonito, ousado e agradável, espontâneo, alegre e gentil.” (página 22)
Henry James
utiliza a técnica de liberar informações sobre esta governanta – que a esta
altura da resenha já desconfiamos ser a figura central, a protagonista deste
livro – aos poucos. É sempre ela que nos atualiza observações; é sempre ela que
nos conta como se sente; é ela quem nos fala de suas impressões, como no trecho
abaixo:
“Conforme me lembro, tal figura produziu em mim, na clareza do crepúsculo, dois suspiros de emoção distintos, nitidamente o choque de minha primeira e de minha segunda surpresa. A segunda foi a percepção violenta do erro que havia cometido: o homem que me olhava em meus olhos não era quem eu supusera a princípio. Veio-me então uma visão desnorteante da qual, tantos anos depois, não posso esperar fazer uma descrição vívida. Um desconhecido em um lugar solitário é algo que se permite que cause medo a uma jovem criada no âmbito privado; e a figura que me encarava era – como alguns segundos mais me asseguraram – tão pouco alguém que eu conhecia quanto a imagem que eu tinha na cabeça.” (página 40)
E, para lhes dar
mais subsídios para a construção da imagem da governanta, mais uma pequena
passagem:
“A fascinação dos meus pequenos pupilos era uma alegria constante, que me levava a refletir sobre a futilidade de meus medos originais e a aversão que eu entretivera em relação a um trabalho próximo da literatura burocrática. Não haveria nada de burocrático, aparentemente, e não seria uma labuta; como não poderia ser agradável um trabalho o que se apresentava como beleza diária? (página 44)
Há elementos góticos
– ambientes pouco iluminados por uma lareira, sensações de que alguém observa a
protagonista através de vidraças, estantes cobertas com livros antigos, coisas
entrevistas numa paisagem cheia de neblina. Mas nunca será algo que resvale
para o mórbido, como nos contos do americano Edgar Allan Poe. Aliás, a certa altura,
o texto de James faz referência a uma outra obra, da escritora Ann Radcliff, Os
Mistérios de Udolfo; este é um livro de literatura gótica inglesa, apontado,
inclusive, como forte influência para Jane Austen escrever o seu A Abadia de
Northanger.
Veja, você que me
lê: temos uma narradora em primeira pessoa, protagonista da história; temos uma
mansão em que vivem a Sra. Grose, a governanta, as duas crianças muito
imaginativas, como se verá; temos um passado obscuro, envolvendo o valete Quint
e a governanta Jessel, dois empregados já falecidos. A narradora substitui
exatamente a Srta. Jessel.
Pelos trechos
selecionados para esta resenha, podemos notar o caráter reflexivo, mas dado a
expansões de sensações e sentimentos da mulher que nos conta a história. Reserve
estes elementos. Já, já, voltaremos a eles.
Numa passagem
crucial para a tentativa de entender este A Outra Volta do Parafuso, do
capítulo XI, selecionamos outra passagem, bastante significativa. É o momento
em que a governanta olha pela janela, à noite, e vê um vulto lá fora, no
gramado. Este vulto não olha diretamente para ela; mira algo mais acima, mas
lhe causa forte impressão. Ao fixar melhor, vê tratar-se de ninguém menos que o
“pobre Miles”. Segue-se um estranho diálogo, pois ela o questiona por ter se
exposto ao frio a à escuridão da noite:
“— Deve me dizer agora, assim como toda a verdade: para que saiu? O que estava fazendo lá fora?
Ainda posso ver seu sorriso maravilhoso, o branco de seus belos olhos, a revelação de seus dentes claros, brilhando para mim no crepúsculo.
— Se eu contar o motivo, você entenderá?
Isso fez meu coração saltar da boca. Ele pretendia me contar o motivo? Nenhum som saiu de meus lábios para o incentivar, e percebi que respondia apenas assentindo repetidamente, ainda que de maneira vaga. Ele foi a personificação da gentileza, e enquanto eu balançava a cabeça me pareceu mais do que nunca um pequeno príncipe de conto de fadas. Foi sua animação, de fato, que me ofereceu uma trégua. Seria mesmo bom se ele realmente me contasse?
— Bem – ele disse afinal –, exatamente para que isso acontecesse.
— Isso o quê?
— Para que pensasse em mim, para variar, como malvado!” (página 88)
Um pouco de
contextualização sempre é bem-vinda, notadamente se o livro lido por nós possui
referências de épocas já recuadas, como é o caso. A Outra Volta do Parafuso
foi escrito sob a cultura da chamada Era Vitoriana inglesa. Costuma-se pensar
nela como uma sociedade altamente repressora, cheia de regras do que seriam os
bons costumes e isto é verdade. Mas, também é verdade, nesta época surgem
valores como o naturalista Charles Darwin, autor da teoria da evolução das
espécies; surge o gigante Sigmund Freud, pai da psicanálise.
É certo que Henry
James tomou conhecimento das teorias freudianas. Suas histórias, de cunho
marcadamente psicológico lhe custaram, inclusive, a crítica de seus personagens
serem excessivamente mentais, não têm vida fora deste campo mental. Aqui vai
outra informação: o irmão de Henry, William James, é um dos criadores da
moderna psicologia e pensador influente.
Meu caro leitor,
havia pedido a você para guardar algumas informações sobre a narradora e lhe
prometi retornar a elas. Pois bem, vamos lá.
Ao criar uma
narradora assim, afetada diretamente pelos fatos que narra, e sendo ela a única
voz narrativa a nos chegar, temos a subjetividade da narração. Como é uma
narradora reflexiva, mas muito impressionada (sensações, sentimentos), temos aí
uma depoente não confiável. E o romance ainda faz mais: descobrimos que as
crianças maravilhosas não são tão maravilhosas assim, Miles é capaz de montar
uma armadilha para convencer a governanta de que ele é, para variar, um
malvado!
Não há saída para
a interpretação desta obra literalmente fantástica: ou o leitor pertence ao
time dos “metafísicos” e crê que os fantasmas vistos pela protagonista são
realmente fantasmas, ou o leitor se enquadra no time dos “psicólogos” e parte da ideia de os fantasmas não passarem de alucinações da governanta.
Se você, com seus
botões, está aproximando, até certo ponto, Henry James de Machado de Assis,
está certo. A Outra Volta do Parafuso e Dom Casmurro têm
narradores não confiáveis, dando seus depoimentos. Por isso, tanta tinta se
gastou na defesa de uma e de outra tese: os fantasmas são reais? Os fantasmas
são alucinações? Afinal, Bentinho foi traído por Capitu? Ou ela é inocente,
tudo não passando das projeções de um homem inseguro de si próprio?
Um outro ponto –
este para o time dos “psicólogos”, se os fantasmas são alucinações da protagonista,
de que natureza seriam tais mentalizações?
Uma corrente
muito forte elabora a tese de serem tais alucinações de fundo sexual. Para isto,
servem-se de Freud e das questões da libido – sobretudo da incompreendida libido
feminina, dentro de uma sociedade vitoriana que negava a realização sexual às
mulheres. O encantamento da narradora com o pequeno Miles, no trecho exposto
acima, transcrito da página 88, é bastante sugestivo, não?
Creio ser uma
bobagem o esforço de esclarecer estes dilemas, tendo em vista que tais autores
geniais planejaram as obras assim, as narrativas desejam ficar no limbo, na
fugacidade, propõem a dúvida.
Resta finalizar. As histórias de fantasmas de Henry James são deste jeito, “tortas quanto ao gênero”. As criações deste autor não são macabras; talvez a gente possa dizer que assustam os outros personagens mais pela sua inconsistência não humana... mas aí, possivelmente, quem está tendo alucinações é o autor desta resenha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário