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Título:
O homem que sabia javanês Autor:
Lima Barreto Ilustrações:
Odilon Moraes Editora:
Cosac & Naify Copyright:
2003 ISBN:
85-7503-199-6 Gênero
literário: Conto Origem:
literatura brasileira |
Afonso Henrique de Lima Barreto
nasceu no Rio de Janeiro, em 13/5/1881, quando a cidade carioca era então
capital do império. Ele morreu no mesmo local, em 01/11/1922, mas já sob o regime
da primeira república brasileira. Lima Barreto publicou vasta obra,
principalmente em periódicos populares, ilustrados; alguns deles, de cunho
anarquista. Visitou gêneros literários variados, como romance, conto, crônica.
A maior parte de sua obra foi redescoberta e ganhou o formato livro a
partir do trabalho de Francisco de Assis Barbosa e de outros pesquisadores, levando
o nosso resenhado a ser reconhecido como um dos maiores escritores brasileiros.
Dele, disse Monteiro Lobato, em carta ao escritor Godofredo Rangel (carta de 01/10/1916):
“Conheces Lima Barreto? Li dele, na Águia, dois contos, e pelos jornais soube do triunfo do Policarpo Quaresma, cuja segunda edição já lá se foi. A ajuizar pelo que li, este sujeito me é romancista de deitar sombras em todos os seus colegas coevos e coelhos, inclusive o Neto. Facílimo na língua, engenhoso, fino, dá impressão de escrever sem torturamento – ao modo das torneiras que fluem uniformemente a sua corda-d’água."
Autor de obra hoje reconhecida, é de sua autoria Recordações
do Escrivão Isaías Caminha (1909), Triste Fim de Policarpo Quaresma
(1911), Numa e Ninfa (1915), Clara dos Anjos (1922/1948) – este último
romance, póstumo.
Entre as novelas, escreveu O Subterrâneo do Morro do
Castelo (1905/1997 – póstumo), Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá
(1919). Contos, Histórias e Sonhos (1920) e este O Homem Que Sabia Javanês
(1997, póstumo).
Considero uma falha na minha formação de leitor atento o ter
lido tão pouca coisa deste autor, o que trato de começar a remediar na presente
resenha. Sua literatura recobre-se com o tema das desigualdades sociais (é bom
lembrar, Lima Barreto era mulato), hipocrisia dos homens e mulheres em suas
relações sociais.
Antônio Cândido, famoso crítico literário brasileiro, diz que
a concepção literária de Lima Barreto “de um lado favoreceu nele a expressão
escrita da personalidade”, enquanto de outro “pode ter contribuído para
atrapalhar a realização plena do ficcionista”. Estamos falando do
panfletarismo, da preocupação documental, da “literatura militante” que compõe
o projeto ficcional deste escritor.
Inimigo ferrenho do beletrismo, Lima Barreto mirava suas baterias
contra nomes importantes de sua época, como Coelho Neto. Inevitável, Barreto
sofreu de um apagamento proposital por muito tempo.
Lima tem um estilo direto, coloquial – o que é um dos
contributos para a eclosão do modernismo no Brasil. Não poupa ninguém, em suas
denúncias. Recentemente, a partir de 2016, as pesquisas mostraram em torno de
164 textos inéditos, sob pseudônimos. Sua obra hoje, apesar dos defeitos
apontados por críticos, de alguma forma são um bloco coerente de um grande
escritor.
Não é demais lembrar, por exemplo, que o aclamado romance Os
Demônios, de Dostoiévski, também foi concebido como romance panfletário.
Desculpe-me, leitor, pelo alongamento da exposição de dados e
críticas sobre Lima Barreto, mas este procedimento julgo necessário para um
escritor tanto tempo no limbo.
O homem que sabia javanês é um conto. A crítica
acerba, sarcástica, é sobre o bacharelismo vazio, ou seja, a valorização dos
títulos acadêmicos apenas por serem títulos acadêmicos, mais ainda, o
enaltecimento da pretensa sabedoria que a nada serve.
“Em uma confeitaria, certa vez, ao meu amigo Castro, contava eu as partidas que havia pregado às convicções e às responsabilidades, para poder viver.
Houve mesmo, uma dada ocasião, quando estive em Manaus, em que fui obrigado a esconder a minha qualidade de bacharel, para mais confiança obter dos clientes, que afluíam ao meu escritório de feiticeiro e adivinho”. (página 3)
É neste ambiente que Castelo – narrador-personagem – se declara
professor de javanês. Ora, tal informação é de causar espanto, pois ninguém ali
havia ouvido falar do tal idioma, quanto mais dar de cara com um professor de
javanês! E o amigo Castro ainda escuta de Castelo que ele havia sido nomeado
cônsul por tal saber.
O conto se desenvolve, então, numa conversa de bar, regada a
cerveja, enquanto as peripécias castelinas vão sendo narradas.
“Ora, disse cá comigo, está ali uma colocação que não terá muitos concorrentes: se eu capiscasse quatro palavras, ia apresentar-me professor de javanês, ganhando dinheiro, andando de bonde e sem encontros desagradáveis com os “cadáveres”. Insensivelmente dirigi-me à Biblioteca Nacional. Não sabia bem que livro iria pedir; mas, entrei, entreguei o chapéu ao porteiro, recebi a senha e subi. Na escada, acudiu-me pedir a Grande Encyclopédie, letra J, a fim de consultar o artigo relativo a Java e à língua javanesa. Dito e feito. Fiquei sabendo, ao fim de alguns minutos, que Java era uma grande ilha do arquipélago de Sonda, colônia holandesa, e o javanês, língua aglutinante do grupo malaio-polinésio, possuía uma literatura digna de nota e escrita em caracteres derivados do velho alfabeto hindu.” (página 5)
Stop necessário. Já foi dito que uma das vertentes da
literatura de Lima Barreto é a sátira menipéia. Por este termo, tão
importante para teóricos como Bakhtin, entende-se a sátira dirigida às ideias e
não a indivíduos. Tendo origem nos escritos de Menipo, escritor da Grécia
antiga, influenciou nomes como Dostoiévski, Machado de Assis, Voltaire, etc.
Em O homem que sabia javanês a sátira menipeia já
começa no título. Não se trata da crítica a um indivíduo, não; ataca a cultura brasileira,
o vira-latismo brasileiro – como diria o saudoso Odorico Paraguaçu, personagem
de Dias Gomes – privilegiadora de falsos sábios, títulos vazios e discursos
empolados.
Castelo torna-se professor de javanês. E logo arruma um
emprego, o de lecionar esta língua ao doutor Manoel Feliciano Soares Albernaz,
Barão de Jacuecanga. Tudo ia bem, até o Barão lhe perguntar como havia
aprendido o idioma javanês:
“Não contava com essa pergunta, mas imediatamente arquitetei uma mentira. Contei-lhe que meu pai era javanês. Tripulante de um navio mercante, viera ter à Bahia, estabelecera-se nas proximidades de Canavieiras como pescador, casara, prosperara e fora com ele que aprendi javanês.” (página 13)
Mais não é possível dizer, sem aprofundar em spoilers.
O conto é divertidíssimo mesmo hoje em dia, pois que, no fundo, no fundo, pouca
coisa mudou...
Disse que li pouca coisa do Barreto. Não me sinto muito à
vontade ao dizer ter lido apenas O triste fim de Policarpo Quaresma
(outra crítica social devastadora). E tanta é a atualidade deste romance que
poderia ensinar a muitos praticantes de desvarios militantes atuais um pouco de
comedimento.
O homem que sabia javanês. Uma das mais saborosas
leituras que já fiz. E – digna de nota – a edição da Cosac & Naify é ótima.
Os desenhos de Odilon Moraes quase contam o conto de Lima Barreto por imagens. Em
formato grande, das Graphic novels, o volume faz parte da série dedinhos
de prosa, uma coleção de textos leves, destinadas principalmente a
despertar o gosto pela leitura em jovens-adultos (Young-Adults).
Adorei.
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