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Título
original: The Shadow-Line Autor:
Joseph Conrad Tradutora:
Maria Antônia Van Acker Editora:
Globo Copyright:
2003 ISBN:
85-8966-514-3 Gênero
Literário: romance Origem:
Literatura inglesa |
Joseph Conrad (Józef Teodor Konrad
Korzeniowski) nasceu na Polônia, em 03/12/1857. Nesta época, a Polônia havia
sido ocupada pela Rússia. Seu pai foi preso por atividades contra os ocupantes
russos e condenado a quatro anos de trabalhos forçados na famigerada Sibéria.
Sua mãe morreu no exílio e, quatro anos depois, perdeu também o pai. Estes
dados vão nos dar alguma luz sobre o porquê do sentimento anticolonialista do
nosso escritor.
Sob os cuidados
do tio, Conrad viajou para Marselha, França, onde iniciou sua carreira como
marinheiro. Tentou um suicídio fracassado em 1878. Passou a servir num barco
britânico, visando evitar o serviço militar obrigatório russo. Aos 21 anos,
aprende inglês – língua que mais tarde dominará com excelência.
A primeira vez
que pisou solo inglês foi em Lowestoft, Suffollk. Viveu em Londres e,
posteriormente, perto da Cantuária, na cidade de Kent. A esta altura, já tinha
obtido a cidadania inglesa.
É impressionante
a qualidade desta obra. Entre tantas coisas boas que deixou, temos, em
língua portuguesa, Nostromo (1904), Coração das Trevas (1899), Lord
Jim (1900), Vitória (1915), O Agente Secreto (1907). Este Linha
de Sombra é de 1917.
É indissociável a
experiência marítima de Joseph Conrad e sua literatura. Grande parte de sua
ficção é ambientada no mar. Este é o primeiro livro de Conrad que leio, embora
tenha outros na minha estante. Estou impressionado por este livro.
Linha de
Sombra é um romance de tiro curto (na edição que tenho, 159 páginas), e
conta com uma densidade poucas vezes vistas no gênero. Aqui tudo funciona de
modo muito bem concatenado. Há – como na maioria de suas obras – o mar, mas
aqui não é só ambiência. É metáfora. Isto pode começar a ser entendido a partir
do título, Linha de Sombra. Algo que divide, que separa; uma
transposição. A linha é de sombra, é incerta. O que haverá do outro lado? Concordo,
é ainda fluido este adequado título. Deixemos falar nosso autor, no parágrafo
de abertura do romance:
“Apenas os jovens têm tais momentos. Não me refiro aos muitos jovens. Não. Os muito jovens não têm, a bem dizer, momento algum. É um privilégio do começo da juventude viver adiante de seus dias, em toda a bela continuidade de esperança que não conhece pausas ou interrupções.
Fecha-se atrás de si o pequeno portão da mera meninice – e adentra-se um jardim encantado. Até as sombras aqui resplandecem cheias de promessas. Cada curva da vereda tem suas seduções. E não porque se trate de um país desconhecido. Sabe-se muito bem que a humanidade toda já trilhou aquela senda. É o encanto da experiência universal, da qual se espera extrair uma sensação incomum ou pessoal – um algo que seja só nosso.” (página 15)
Considero este um
dos melhores parágrafos de abertura de tudo o que já li. Aqui está a
linha-mestra desta obra. A vida de toda a gente, se vista em plano maior, é
muito parecida, mesmo quando oscila deste ou daquele jeito. O que nos enriquece
é extrair uma sensação incomum ou pessoal – um algo que seja só nosso”.
E o que separa homens de meninos? A experiência. A capacidade de reconhecer, se
há leis sociais e leis da natureza, que deveremos considerar enquanto vivermos
em sociedade, enquanto formos vivos. E o que sinaliza, tanto para o próprio
indivíduo, quanto para a sociedade em que vive, que o homem está pronto para as
responsabilidades a serem assumidas?
Os ritos de
passagem. Os estágios da nossa evolução, do momento do nascimento até o momento da nossa
morte, são evidenciados pelos ritos de passagem. O adolescente se transforma em adulto e
sinaliza tal fato. Tenho de convencer os meus congêneres da minha aptidão para
tomar atitudes mais consequente sobre meus ombros.
Linha de
Sombra, então, vai abordar um rito de passagem. Mas, no caso específico
deste romance, qual o significado desta linha?
“Éramos apenas quatro homens brancos a bordo, com uma tripulação de grande marinheiros malaios, e dois contramestres malaios. O Capitão encarou-me como se tentasse adivinhar o que me afligia. Mas ele também era marinheiro, e ele também fora jovem certa época. Logo um sorriso insinuou-se por baixo de seu bigode farto, cinza-aço, e ele observou que, é claro, se eu achava que tinha de ir, ele não iria reter-me pela força. E ficou arranjado que receberia baixa na manhã seguinte. Enquanto eu saía do camarim de navegação ele acrescentou subitamente num tom peculiar, ansioso, que esperava que eu encontrasse aquilo por que estava tão ansioso para sair e procurar.
Uma frase suave, enigmática, que pareceu alcançar mais fundo do que qualquer ferramenta com ponta de diamante podia chegar. Eu, sinceramente creio que ele entendeu o meu caso.” (páginas 17/18)
O velho Capitão
representa a experiência universal, enquanto o protagonista, jovem ainda, busca
a sua sensação própria, a interpretação própria do que seja viver. Ele ainda
não sabe, ao certo; mas já se anuncia o incômodo, a insatisfação com o que
vinha fazendo:
“Na zona de penumbra entre a juventude e a maturidade, na qual eu me encontrava então, somos particularmente sensíveis àquele tipo de insulto. Temo que o meu comportamento para com o comissário tenha se tornado bastante grosseiro. Mas não estava nele enfrentar qualquer coisa ou pessoa. O hábito das drogas ou da embriaguez solitária, talvez. E quando perdi a cabeça a ponto de xingá-lo, ele sucumbia e começava a guinchar.” (página 40)
O seu rito de
passagem, então, se delineia. Ele será chamado a exercer o cargo de capitão num
navio “só seu”, embora se desentenda com o comissário frequentes vezes. Terá de
levar a embarcação ao seu destino. É impossível para o protagonista resistir à
possibilidade de comandar o navio: a embarcação exerce nele imediato
encantamento:
“Um navio! Meu navio! Ele era meu, mais completamente meu para possuir e cuidar do que qualquer outra coisa no mundo: um objeto de responsabilidade e devoção. Ele estava lá à minha espera, enfeitiçado, impossibilitado de sair do lugar, de viver, de sair pelo mundo (até a minha chegada), como uma princesa encantada. Seu chamado me chegara como que vindo das nuvens.” (página 54)
Já em contato com
a tripulação, dentro do navio, a consciência de suas decisões começa a se fazer
sentir:
“A juventude é uma coisa maravilhosa, um poder incrível – enquanto não se começa a pensar a respeito. Eu senti que estava começando a ficar consciente de si mesmo. Quase contra a minha vontade assumi uma melancólica seriedade. Eu disse: — vejo que o senhor o manteve em muito boa ordem, Sr. Burus.” (página 70)
Não será uma
prova fácil para o jovem capitão levar o barco ao seu destino. Há correntes marítimas
traiçoeiras, há riscos sem conta no mar. O protagonista, na opinião de seus
pares, preparado para capitanear o barco terá de provar, para si, para seus
tripulantes, para quem o contratou, que a prática confirma a teoria.
E, uma
curiosidade – justificada pela época – não há figuras femininas neste romance. Toda
a sua ambiência, como já disse, é o mar e sua zona de influência, os portos, as
docas. Em plena época vitoriana, um mundo estritamente masculino.
Joseph Conrad é
apontado como um escritor de transição entre a literatura vitoriana de, por
exemplo, Charles Dickens (de Oliver Twist) ou Thomas Hardy (de Jude,
O Obscuro) e a modernidade de Lawrence ou Joyce.
Consta que o
filósofo Bertrand Russel era fascinado pelas obras de Joseph, a ponto de batizar
seu filho com o nome do amigo, Conrad. O escritor e o filósofo foram grandes
amigos.
A literatura não
para de nos trazer referências consistentes, para leitura. Nostromo é
apontado, por muitos críticos, como a opus magna deste polonês/inglês. Gostaria
mesmo muito de lê-lo; se é considerado a obra-prima, e tendo este Linha de
Sombra tão bem arquitetado, Nostromo será mesmo excepcional.
Para quem goste de leituras mais densas, recomendo este incrível romance.
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