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Título original: Smiert Ivana Ilitcha
Autor: Liev Tólstoi
Tradutor: Irineu Franco Perpétuo
Copyright: 2016
Editora: Folha de São Paulo
Coleção: Grandes Nomes da Literatura
ISBN: 978-85-7949-273-0
Edição: 1ª
Gênero Literário: Novela
Origem: Literatura russa
Primeiras Impressões:
Tema pesado. Uma novela sobre a morte de alguém chamado Ivan Ílitch. Quem gosta de ler dificilmente não terá ouvido falar deste livro do escritor russo Liev Tólstoi, o mesmo autor de pelo menos outros dois calhamaços-referência da literatura mundial: Anna Kariênina e o épico Guerra e Paz. Este é pequeno, mas como é denso! E o spoiler vem logo de cara, pois já de saída sabemos que o protagonista desta novela morre. Portanto, não é importante saber que ele morre, mas como morre. Ou, quem é este tal, que morre? Novela exemplar, em que tudo funciona a serviço da intencionalidade do texto. Não há mais nada a dizer...
Pequena Biografia:
Liev Tólstoi é um dos grandes escritores russos. E a Rússia os tem variados: Turguêniev, Gógol, Dostoiévski, Anton Tchékhov, Alexander Soljenítsin, Púshkin, Anna Akhmátova – para ficar só nos clássicos.
Nosso Tólstoi nasceu em 09/09/1828, numa localidade chamada Iasnaia Poliana, perto da cidade de Tula, no Império Russo. Faleceu em 20/11/1910, Astapovo, ainda sob o mesmo Império. Seu nome é grafado em português de diversas formas: Leão, Leon, Lev, além do Liev Tólstoi.
Originário de uma família aristocrática, nem por isso sua vida foi menos interessante. Durante a década de 1870, Tólstoi passou por uma profunda crise moral, depois da qual veio uma espécie de despertar espiritual. O Sermão da Montanha, texto constante dos evangelhos, reproduzindo as palavras de Jesus ecoou fundo em sua alma, como consta do seu trabalho não ficcional, A Confissão (1882). Tornou-se um anarquista cristão, defendendo a ideia de resistência através da não violência – ideia fortemente influenciadora de personalidades como Wittigenstein e Ghandi.
Liev teve uma passagem pelo exército, participando da guerra da Criméia – experiência depois utilizada na composição do monumental Guerra e Paz. Aliás, diga-se a respeito desta obra, ela foi influenciada por outro grande escritor, desta vez francês, Victor Hugo.
O Livro:
“No grande edifício da Justiça, no intervalo da audiência do caso dos Melvínski, os membros do tribunal e o promotor entraram no gabinete de Ivan Iegórovitch Chébek, e a conversa discorreu a respeito do caso Krássov. Fiódor Vassílievitch exaltou-se ao demonstrar que não era da competência da corte, Ivan Iegórovitch permaneceu com sua opinião, e Piotr Ivánovitch, que não participava da discussão desde o início, não intervinha, folheando o recém-recebido Boletim.
— Senhores! – disse. – Ivan Ilitch morreu.
— É mesmo?
— Está aqui, leia – disse Fiódor Vassílievitch, entregando-lhe a edição fresca, que ainda recendia: ‘É com pesar no coração que Praskóvia Fiódorovna Goloviná comunica a parentes e conhecidos o falecimento de seu amado esposo, o membro da Câmara de Justiça Ivan Ilitch Golovin, ocorrido em 4 de fevereiro do ano corrente de 1882. O cortejo sai na sexta-feira, à uma da tarde” (página 6)
Assim começa esta excelente novela. Observe o leitor que em poucas linhas, já temos informações importantes para a compreensão da história. O Ivan Ilitch do título era detentor de cargo jurídico – pessoa com alguma proeminência na sociedade russa – e morreu de repente.
A partir daí, Tólstoi vai nos falar um pouco da personalidade do protagonista, da sua relação com a esposa, família, amigos. Bem cedo na narrativa, entretanto, vamos notando que algo na vida de Ivan Ilitch não vai bem. A certa altura, o narrador nos comunica:
“A satisfação de Ivan Ilitch eram os pequenos jantares, para os quais chamava damas e cavalheiros de boa situação social, e esse jeito de passar o tempo com eles parecia-se com o jeito habitual de passar o tempo dessas pessoas, assim como sua sala de visitas se parecia com todas as salas de visitas.” (página 31)
Então é isso: o personagem principal da história vive uma vidinha de conveniências, de aparências sociais, de repetição de padrões. Para complicar as coisas, examinemos outros dois trechos curtos:
“Praskóvia Fiódorovna atribuía-se grande mérito por sua resignação. Ao decidir que o marido tinha um caráter difícil e fazia de sua vida uma desgraça, passou a ter pena de si mesma. Quanto mais pena tinha de si, mais odiava o marido. Passou a desejar que ele morresse, mas não podia desejar isso porque, daí, não haveria vencimentos. Isso a deixava com ainda mais raiva. Achava-se terrivelmente infeliz justamente porque nem a morte dele poderia salvá-la; ficava com raiva, ocultava-a, e essa ocultação fazia a raiva ficar ainda mais forte.” (página 34)
E este outro trecho, da relação entre marido e mulher:
“Ela abanou a cabeça e se sentou.
— Sabe, Jean, penso se não é o caso de chamar Leschetítski aqui em casa.
Isso significava chamar um médico famoso e não poupar dinheiro. Ele deu um sorriso venenoso e disse: “Não”. Ela ficou sentada, achegou-se e o beijou na testa.
Odiava-a com todas as forças da alma enquanto era beijado, e fez um esforço para não afastá-la.
— Adeus. Se Deus quiser, você vai dormir.
— Sim.” (página 45)
O tradutor, em nota à página 42, nos explica que “A aristocracia russa falava francês entre si. Jean, aqui, é a forma afrancesada de Ivan”.
Esta relação tóxica – como se diz hoje em dia, com bastante propriedade – segue-se até o fim da novela.
Somente uma pessoa tem consideração com Ivan, naquela casa. Quando seu mal piora (nunca é dito qual o diagnóstico, somente se diz que é uma dor abdominal, no lado do corpo, que progressivamente vai piorando), é Guerássim, o empregado da casa, quem lhe dá assistência:
“Guerássim foi; com os braços fortes, e a mesma leveza de passos, abraçou-o, ergue-o de forma suave e hábil, sustentou-o, puxou as pantalonas com a outra mão e quis assentá-lo. Ivan Ilitch, porém, pediu para ser colocado no sofá. Sem esforço, e como se não apertasse, Guerássim amparou-o, quase carregando, e o acomodou no sofá.” (página 53)
Premido pela iminência da morte, Ivan Ilitch pensa na vida. Reavalia-a. desespera-se com o vazio de significado de sua existência, na qual não cultivara nada de mais profundo:
“Piotr saiu. Sozinho, Ivan Ilitch passou a gemer não tanto de dor, por mais terrível que ela fosse, mas de angústia. “Tudo é igual, sempre igual, esses dias e noites sem fim. Que seja rápida. Que quem seja rápida? A morte, as trevas. Não, não. Tudo é melhor do que a morte!” (página 58)
Então, no cômputo geral, temos uma sociedade inteiramente decadente. As pessoas não se importam umas com as outras; quando um ocupante de cargo proeminente morre, seus subalternos discutem sobre quem será o herdeiro da cadeira. Uma sociedade artificial, afetada (fala francês porque era considerada a língua da cultura, de toda a gente polida, educada). Uma corte corrupta e distante das necessidades do povo de que deveria cuidar; a revolução comunista, na Rússia, se deu em 1917. As condições para que tal acontecesse já vinham de muito longe: uma nobreza autocentrada, promovendo apenas o que julgava ser bom para si; por todo lado a fome, a pobreza.
Fácil seria para um líder que viesse do povo, com carisma suficiente para convencer seus iguais de que, se lutassem, haveria uma chance de mudar as coisas a seu favor, levá-lo à revolução. O rastilho se espalhava pela Europa inteira, com as ideias de Marx e, depois, de Engels. Na Rússia, porém, as condições explosivas levaram à sublevação popular e ao assassinato da última dinastia czarista, a dos Nicolaus. Somente Anastácia, uma das filhas do casal real, teria escapado e vivido em Paris. Isto é já outra história.
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