Autor:
Ian McEwan
Tradutor:
Jorio Dauster
Editora:
Companhia das Letras
Edição:
1ª/1ª Reimpressão
202
páginas
ISBN:
978-85-359-2513-5
Copyright:
2014
Referência:
TAG – Experiências Literárias – kit de junho de 2016
Bibliografia (incompleta): Amor sem fim (2011); Amsterdam (2012); O inocente (2003); O jardim
de cimento (2009); Na praia
(2007); Reparação (2002); Sábado (2005); Serena (2012) e Solar
(2010).
Ian McEwan nasceu em Aldershot,
condado inglês de Hampshire, em 21 de junho de 1948. Filho de oficial do
Exército Britânico, teve de morar em vários lugares, como no Extremo Oriente,
na Alemanha e no Norte da África. Estudou na Universidade de Sussex e na
Universidade de East Anglia. Pela natureza de suas primeiras obras literárias,
McEwan recebeu o apelido de “Ian Macabro”.
Hoje, Ian é consagrado como um
dos maiores escritores; ao tomar contato com a competente tradução de Jorio
Dauster, entendemos o porquê dessa fama: A
balada de Adam Henry é um romance muito bom. Composto de 202 páginas, mas
com um texto que preenche concisamente da 9 à 193, Ian McEwan consegue o
prodígio de nos dar uma obra densa, conduzida com mão de mestre.
Tomemos contato com a história
pelo começo:
“Londres. Sessões do tribunal encerradas havia uma semana. O tempo implacável de junho. Fiona Maye, juíza do Tribunal Superior, em casa na noite de domingo e deitada numa chaise longue, olha além de seus pés calçados com meia para o fundo da sala e a vista parcial das estantes embutidas junto à lareira: do lado oposto, perto de uma janela alta, uma pequena litografia de Renoir representando uma mulher no banho, comprada trinta anos atrás por cinquenta libras. Provavelmente falsa. Abaixo da gravura, no centro de uma mesa redonda de nogueira, um vaso azul. Nenhuma recordação de sua origem. Nem de quando pusera flores nele pela última vez. Havia um ano a lareira não era acesa. Gotas de chuva enegrecidas caíam de forma irregular no suporte de ferro da lareira, estalando ao se chocarem com as folhas de jornal amarrotadas que já começavam a amarelar com o passar do tempo. Estante embutida cheia de livros. Um tapete Bokhara cobrindo as largas tábuas enceradas. Na margem do seu campo de visão, um piano de cauda curta sobre cujo tampo negro e reluzente se viam fotografias da família em molduras de prata.”
O texto descritivo nos leva,
habilmente, quase a visualizar toda a cena. E acrescenta caracterizações
importantes na composição da personagem: a juíza Fiona é uma mulher requintada,
pois em sua sala há uma chaise longue, um Renoir (não importando ser
falso), um tapete Bokhara, um piano de cauda muito bem cuidado e, ainda,
fotografias em moldura de prata. Seguindo o trecho descritivo, podemos acionar outro
olhar interpretativo, o de que a juíza é uma mulher muito ocupada – há um ano a
lareira não é utilizada, isso em Londres –, as folhas de jornal, já amarelecidas
pelo tempo, o vaso azul estéril. Além de ocupada, estudiosa – veja-se a estante
embutida, com livros. Deduz-se, também, que ela tenha alguma ligação com
música, pela presença do piano de cauda curta; pelo conjunto de objetos sofisticados e mais a presença do piano, o leitor
constrói a percepção de a Meritíssima gostar de música erudita.
Fiona é casada com Jack, um
professor universitário, competente, de sessenta anos. Fiona e Jack vivem um casamento de 35 anos, sem filhos. Trabalha na Vara
de Família, portanto, julgando processos que envolvam questões muito
emocionais. É considerada uma juíza imparcial e competente. Entretanto, sua
vida particular entra em completo caos pois, exatamente naquela sala descrita
inicialmente, ela recebe uma notícia que a lança num abismo.
Jack reclama que precisa viver um
grande envolvimento sexual, uma paixão alucinante e – alega – antes que seja
tarde demais, pois ele também não é mais jovem. Para Fiona, sendo uma juíza de
Vara de Família, o mais indecoroso é Jack solicitar sua compreensão e aceitação
do seu caso com outra mulher. Não deseja abandonar o casamento, dizendo mesmo amá-la, mas
– pergunta a ela – quando foi a última vez que fizeram sexo?
Um caso complexo, por outro lado,
vem às mãos da juíza. Uma família de Testemunhas de Jeová está impedindo o
filho menor de 18 anos e 9 meses de passar por uma transfusão de sangue. O rapaz tem
leucemia, tomou remédios fortes que destruíram seu sistema imunológico e lhe causaram anemia. O complemento dos procedimentos médicos do hospital seria
exatamente fornecer sangue ao paciente, para que seu corpo debilitado tivesse
tempo de se recuperar. Risco iminente, caso tal não seja feito: morte.
Inicia-se, então, a batalha
judicial contrapondo, de um lado, o hospital e de outro, a família. Decisão difícil.
Entram em jogo conceitos igualmente poderosos como o direito à vida versus
respeito à liberdade de crenças. Para o seguidor das Testemunhas de Jeová, o
sangue não pode ser impuro, misturado com o sangue de outra pessoa. Como se vê,
uma questão que apesar de ser fundamentalmente religiosa, extrapola esse campo.
A balada de Adam Henry constitui-se, portanto, num ótimo exercício
para o estudo do amor e seus entrelaçamentos complexos. A vida em caos da juíza
Fiona, as necessidades do marido em crise de idade, a decisão de vida ou morte
de um menor nas mãos da justiça, a liberdade de o indivíduo decidir sobre a própria vida, a discussão sobre o condicionamento imposto
por uma crença religiosa, a fraqueza e a solidão humanas propiciadoras de
envolvimentos colaterais, para além do socialmente aceitos serão os
ingredientes deste livro maravilhoso.
Adam Henry – o jovem com leucemia
– é um rapaz esperto para certas coisas e, para outras, de uma inocência
encantadora; é possuidor de uma alma de poeta. Compõe poemas “não totalmente
ruins”, carecendo de maior experiência de vida. Ele elabora uma balada, a
balada do título. Mas o que caracteriza esse gênero literário?
Durante a Idade Média, balada era
um tipo de poema lírico, composto para ser dançado durante sua execução. Mais tarde,
eliminou-se a representação coreográfica, restringindo-se apenas à recitação. A
partir do século XVI, a balada toma a forma fixa de um poema distribuído em
três estrofes seguidas de um refrão de meia estrofe. Já no final do século XVIII,
entretanto, observamos um poema narrativo com estrutura de três oitavas e
uma quadra, normalmente chamada de “oferenda” ou “ofertório”.
Há no livro uma explícita
referência/homenagem ao poeta irlandês William Butler Yeats – mais conhecido
entre nós pelo seu último sobrenome, Yeats. W. B. Yeats pertence à galeria dos maiores poetas de todos os tempos. É sob a inspiração desse monstro
sagrado que o jovem Adam elabora seus trabalhos.
Sem dúvida, A balada de Adam
Henry é um dos melhores livros já resenhados neste 2016. É trabalho para releituras
posteriores, pois é daquelas obras em que, à cada releitura, encontramos algum
ângulo insuspeitado.
McEWAN, Ian. A balada
de Adam Henry. 1ª Edição. Editora Cia das Letras. São Paulo, SP: 2014
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