Autor: Fiódor M. Dostoiévski
Tradutor: Nivaldo dos Santos
Editora: 34
Edição: 3ª
Copyright: 2005
ISBN: 978-85-7326-335-0
Gênero: Novela
Origem: Literatura Russa
Pequena bibliografia: Gente Pobre, 1846; O Duplo, 1846; Noites Brancas,
1848; Humilhados e Ofendidos, 1861; Crime e Castigo, 1866; Os Demônios, 1872;
Os Irmãos Karamázov, 1881; Coração Fraco, 1848; O Sonho do Tio, 1859; Mujique
Márei, 1876; Uma Criatura Gentil, 1876 e O Sonho de Um Homem Ridículo, 1877.
Impressões ao ler:
Resenhar qualquer livro de Dostoiévski é sempre difícil
para mim. É-me complicado atingir o distanciamento necessário para uma visão
mais crítica da sua produção. Quando se misturam sentimentos de admiração,
torna-se um trabalho árduo o afastamento necessário à análise. Considero-o um dos maiores escritores de toda
a literatura mundial, apesar de haver muita controvérsia sobre a qualidade de
sua literatura. Este Noites Brancas é uma pequena obra-prima e tem
características próprias, se comparado com o restante do monumental trabalho
deste escritor russo. Trata-se de uma novela romântica, cujo protagonista nem
recebe um nome – é referido como o sonhador – um jovem que se apaixona
platonicamente por Násthienka. Já li este volume, acho eu, umas quatro vezes,
além de ter ido ver uma adaptação do texto para teatro. Na verdade, O sonhador
me pareceu um personagem na eminência de se apaixonar, mesmo antes de encontrar
o objeto de seu amor. Eles têm quatro encontros, o suficiente para o rapaz se
derreter. O que queria Dostoiévski, ao compor tal história? Aponta-se que ele
desejava fazer uma crítica ao romantismo. Não é um romantismo característico, a
meu ver, uma vez que o autor dá muita importância ao componente psicológico da
construção do protagonista. Está lá a contradição de suas criaturas. Násthienka
ganhou uma complexidade maior, ela não é simples de se entender. Seja como for, este pequeno texto de
87 páginas ainda será lido por mim mais não sei quantas vezes. E olhe que não
tenho muita simpatia por literatura romântica...
Pequena biografia:
Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski veio ao mundo em Moscou, no
dia 11/10/1821. Filho do casal Mikhail Dostoiévski e Maria Dostoevskaia. Sua família
não era abastada; o pai era médico militar, mas um médico, naquela época, não
ganhava bem. Sua mãe era do lar. Mesmo com os parcos recursos de que dispunham,
havia seis serviçais, extravagância que ajudava a compor uma imagem de status. Além
de educação religiosa – a família era de cristãos ortodoxos – Dostoiévski e
seus irmãos receberam uma educação literária, fruto da influência dos pais. Nosso
autor perdeu-os quando ele era ainda muito novo.
Estudando na Academia Militar de São Petersburgo,
Dostoiévski teve acesso aos autores Victor Hugo, Honoré de Balzac, George Sand,
Eugène Sue. O poeta precursor do romantismo alemão, Friedrich Schiller (autor
de Guilherme Tell), também se constituiu em uma forte referência para Fiódor.
Seu primeiro trabalho foi o romance epistolar, intitulado Gente
Pobre. Este tornou-se um sucesso,
pois de acordo com a avaliação do crítico literário mais famoso de Moscou,
Belinski, tratava-se da primeira tentativa de literatura realista entre os
russos. Entretanto, os trabalhos seguintes de nosso autor não mereceram a mesma
elogiosa avaliação, inclusive deste crítico.
Dostoiévksi sempre lutou contra dificuldades financeiras. Viciou-se
no jogo – experiência que é referida em seu romance O Jogador. Também foi
preso, suspeito de conspirar contra o czar Nicolau I, e diante do pelotão de
fuzilamento, teve a pena comutada em prisão na penitenciária, na Sibéria. Tal experiência
foi importantíssima para a composição de uma das obras de Fiódor, Recordação
da Casa dos Mortos.
Para abreviar – esta “pequena biografia” já vai se alongado sobremaneira
– Dostoiévski teve problemas de saúde, e produziu muitos dos seus trabalhos sob
pressão para cumprimento de prazo. Morreu em 09/02/1881, aos 59 anos.
O Livro:
Noite Brancas encerra a primeira fase de Dostoiévski.
Ele vai notabilizar-se pelos grandes romances como Crime e Castigo, Os
Demônios, Os Irmãos Karamázov – todos escritos após seu regresso da detenção na
Sibéria.
O enredo de Noites Brancas não poderia ser mais
simples: um rapaz, o sonhador, encontra, certa noite em Moscou, uma jovem
molestada por um estranho; o protagonista, então socorre a jovem. Iniciam ali
um relacionamento em que os sentimentos, de um e de outro, vêm à tona. A jovem
tinha ido ao encontro de seu amado, que não comparece.
As “noites brancas” do título se referem a um fenômeno comum
na Rússia, país localizado muito perto do Polo Norte; elas dão nome à claridade
algo leitosa que banha as cidades. Não são tão escuras como a noite normal, nem
tampouco claras como o dia. Ali o sol não se põe por completo, mergulhando tudo
num clima meio fantasmagórico. É deste dado natural que se apropria Dostoiévski
para compor sua narrativa.
Não há propriamente ação nesta obra. Como já disse, todo o
enredo é composto do que se dizem os dois personagens, pouco a pouco aprofundando
seus sentimentos e suas confissões. Altruísta, o sonhador demonstrará, acima de
tudo, um amor incondicional à sua Násthienka; deseja acima de tudo a felicidade
dela.
Já se disse, em literatura nem sempre é importante o que
se diz, mas, muito mais, o como se diz. De forma bastante condensada, o escritor
nos relata os quatro encontros entre os jovens, sempre com a projeção do
terceiro elemento, o prometido de Násthienka, sobre a cabeça destes dois.
Lendo a novela, duvidamos várias vezes sobre se este
terceiro elemento do triângulo amoroso realmente existe, ou se é um delírio da
jovem, uma vez que seus relatos não são muito confiáveis. Ela mora com uma avó
possessiva e cega que, a certa altura da narrativa, a amarra a si, para que a
jovem não se afaste. Dostoiévski constrói um clima de sentimentos exarcebados,
ainda mais acentuados pelas fantasmagóricas, espectrais noites brancas – em muito
lembrando as composições literárias das obras de E. T. A. Hoffman (autor de O
Quebra-nozes e O Camundongo Rei, de 1816).
“Era uma noite maravilhosa, uma noite tal como só é possível quando somos jovens, caro leitor. O céu estava tão estrelado, um céu tão luminoso, que ao olhá-lo seríamos obrigados a nos perguntar infalivelmente: como pode viver sob um céu assim toda sorte de gente irritadiça e caprichosa? Esse também é um questionamento de quem é jovem, caro leitor, muito jovem, mas que Deus o possa inspirar-lhe muitas vezes!...” (Primeira Noite, página 11)
O ambiente confessional já está presente neste primeiro
encontro entre Násthienka (apelido familiar de Anastácia) e o sonhador. Vejam como
Dostoiévski utiliza o diálogo para nos fornecer algumas características
importantes do personagem:
“ — Sim, se meu braço está tremendo é porque ele nunca foi rodeado por uma mãozinha tão bonita e pequena como a sua. Estou absolutamente desacostumado das mulheres; quer dizer, nunca me acostumei com elas, sou um solitário... nem mesmo sei como conversar com elas. Agora mesmo, será que não lhe disse alguma tolice? Diga-me francamente; adianto-lhe que não sou suscetível...
— Não, nada, nada, pelo contrário. E já que o senhor exige que eu seja franca, então lhe direi que as mulheres gostam de uma timidez assim. E se quer saber mais, eu também gosto e não vou repeli-lo até chegar em casa.” (página 20)
O clima confessional se desdobra na segunda noite – segundo encontro
entre os dois – em que, desta vez, toma a palavra a jovem:
“ — A que conclusão cheguei? Cheguei à conclusão de que é preciso começar tudo de novo, pois no final das contas concluí hoje que o senhor é ainda absolutamente desconhecido para mim, que ontem agi como criança, como uma menina, e, sem dúvida, o culpado de tudo foi o meu bom coração; ou seja, eu me exaltei, como sempre acaba acontecendo quando nos deixamos levar pelas emoções. E para reparar o erro, decidi inteirar-me do senhor do modo mais detalhado. Mas, como não tenho a quem indagar a seu respeito, o senhor mesmo terá de me contar tudo, nos mínimos detalhes. Bem, que tipo de homem é o senhor? Vamos, comece, conte a sua história.” (Segunda Noite, página 27)
O livro que tenho em mãos é da Editora 34, bem cuidado, bem
diagramado, com aquele papel amarelo, tornando a leitura mais agradável. Há um texto
do tradutor, Nivaldo dos Santos, bastante contextualizador, acompanhando o
volume. Talvez seja interessante para você, leitor que me lê, a transcrição de
um breve trecho, bastante elucidativo:
“Atentemos, por exemplo, para o narrador aí empregado: um sujeito que define a si mesmo como “um tipo”, “uma criatura de gênero neutro”, “um sonhador”. Esse narrador, que emerge das sombras do Romantismo, com seu discurso elevado e pomposo, com sua linguagem declamatória, é caracterizado como um personagem ridículo. Seu mundo é repleto de imagens extraídas de romances; ele vive uma “realidade” imaginária, romanceada, enquanto a realidade exterior à sua imaginação, a do mundo em redor, aparece sempre distante. Refugiado em seu “canto”, o personagem não é capaz de seguir o ritmo da vida prática e das pessoas comuns.” (Posfácio, páginas 85/86)
A escolha desta novela, além de me trazer o prazer da
releitura, não foi sem intensão: para quem queira tomar o primeiro contato com
a literatura de Fiódor Dostoiévski, ela é bem aconselhável. Obra de concepção
mais simples, se comparada às grandes obras de nosso autor, é um aperitivo. Entretanto,
fique avisado, meu caro: o que se seguirá vai lhe exigir mais trabalho. Nada,
porém, tão difícil que não possa ser vencido, embora acredite que autores deste
naipe não são, efetivamente, para andar nas mãos de leitores incipientes.
2 comentários:
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